Mistura de 15% de biodiesel no diesel divide opiniões: avanço na transição energética ou risco à qualidade?

Medida entra em vigor em agosto e é vista como oportunidade para a autossuficiência energética, mas especialistas cobram fiscalização rígida contra fraudes

O combustível renovável HVO, conhecido popularmente como 'diesel verde', traz vantagens como dispensar a necessidade de modificações nos motores de veículos a diesel e apresenta propriedades que tornam o processo de combustão eficiente. Contudo, há alguns desafios para implementar o combustível no Brasil

Aline Feltrin

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou na quarta-feira (25/06) o aumento da mistura obrigatória de biodiesel no diesel de 14% para 15% (B15), com início de vigência em 1º de agosto. A decisão, que integra a estratégia de transição energética do país, foi celebrada pelo governo como um avanço rumo à soberania energética e à redução da dependência de combustíveis fósseis. No entanto, entidades do setor alertam para riscos à qualidade dos combustíveis e à segurança do consumidor, caso não haja um fortalecimento da fiscalização.

Durante a reunião no Ministério de Minas e Energia (MME), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Alexandre Silveira destacaram os benefícios da medida. “Voltaremos a ser autossuficientes em gasolina após 15 anos e reduziremos a necessidade de importação do diesel. Isso é soberania energética”, disse Silveira. Segundo o ministro, a adoção do B15 fortalecerá o agronegócio, criará empregos e impulsionará a indústria nacional de biocombustíveis.

Apesar dos avanços esperados, o Instituto Combustível Legal (ICL) vê a medida com cautela. A entidade cobra maior rigor nos mecanismos de controle da qualidade dos combustíveis, especialmente diante da suspensão prevista do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC), da ANP, e de restrições orçamentárias na agência reguladora. “Expandir o uso de biocombustíveis sem garantir a integridade do produto é abrir espaço para fraudes, perdas ambientais e prejuízos aos consumidores”, afirma Emerson Kapaz, presidente do ICL

Fraudes na composição do diesel têm sido recorrentes, com o biodiesel — de maior valor agregado — se tornando alvo frequente de adulterações. “Sem fiscalização adequada, corremos o risco de comprometer a eficiência econômica e ambiental do setor”, completa Kapaz.

Impacto no transporte

Para Vitor Sabag, especialista em combustíveis da startup Gasola, especializada em gestão de combustíveis, o impacto no preço para o consumidor deve ser discreto, entre R$ 0,01 e R$ 0,02 por litro. Mas ele destaca os ganhos estratégicos da medida. “O aumento do biodiesel fortalece a segurança energética e protege o país de choques externos, como o atual conflito no Oriente Médio que pressiona os preços do petróleo”, diz.

O diretor da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Rogério Gonçalves, alerta sobre desafios operacionais no uso do biodiesel, como a necessidade de cuidados com armazenamento e manutenção, sobretudo no transporte rodoviário de cargas. “O biodiesel é mais suscetível à oxidação, o que exige boas práticas de estocagem.”

E nota à imprensa, a Associação Nacional do Transporte de Cargas & Logística (NTC&Logística) manifestou preocupação com a medida, apontando aumento nos custos de manutenção desde o B14 e riscos operacionais, especialmente em regiões frias. A entidade cobra decisões baseadas em estudos técnicos e reforça a necessidade de participação do setor nas discussões sobre a política de biocombustíveis.

Segundo a consultoria StoneX, o mercado de biodiesel tem mostrado desempenho positivo em 2025. As vendas no primeiro trimestre somaram 2,97 milhões de m³, alta de 7% sobre 2024. O principal insumo, o óleo de soja, também teve crescimento de 7,5% no consumo no 1º quadrimestre, impulsionado por uma safra recorde e aumento no esmagamento. A oferta interna está garantida, o que ajuda a controlar custos e viabilizar a nova mistura.

A aprovação do B15 faz parte da implementação da Lei do Combustível do Futuro, sancionada em 2024. O deputado Arnaldo Jardim, relator da lei, defende a medida como a forma mais custo-efetiva de descarbonizar a matriz brasileira de transportes. Ele cita os esforços recentes do governo no combate a fraudes — como a criação de uma força-tarefa com PF, Ministério da Justiça e Cade — e afirma que “destravamos o caminho para o B15”.

Pesquisas de longa data

O biodiesel é um combustível biodegradável, produzido a partir de fontes renováveis, como óleos vegetais e gorduras animais. Entre as principais matérias-primas utilizadas estão a mamona, o dendê (palma), o girassol, o babaçu e a soja.

No Brasil, pesquisas sobre biodiesel vêm sendo realizadas há mais de 50 anos, acompanhadas de diversos testes com o objetivo de viabilizar sua produção e uso em larga escala. A proposta sempre foi desenvolver uma alternativa sustentável ao diesel derivado do petróleo.

Somente em 2002 foi lançado um programa oficial para incentivar a substituição parcial do diesel por biodiesel. O chamado “Probiodiesel” previa que, até 2005, a mistura obrigatória incluiria 5% de biodiesel. No entanto, foi apenas em 2008 que o país instituiu por lei a obrigatoriedade da adição de 2% de biodiesel ao diesel comercializado.

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