O divórcio que acelerou o futuro: Ford e Volkswagen após o fim da Autolatina

A dissolução da joint venture Autolatina, firmada em 1987 entre a Ford e a Volkswagen, não apenas marcou o fim de uma parceria estratégica, mas também inaugurou uma fase de liberdade criativa e ousadia industrial para ambas as montadoras; relembre a história na edição nº 365, de fevereiro de 1995, da Transporte Moderno

Aline Feltrin

Era início dos anos 1990, e um novo capítulo se desenhava no setor automotivo brasileiro. A dissolução da joint venture Autolatina, firmada em 1987 entre a Ford e a Volkswagen, não apenas marcou o fim de uma parceria estratégica, mas também inaugurou uma fase de liberdade criativa e ousadia industrial para ambas as montadoras. Se no passado a união havia sido uma resposta à estagnação de um mercado fechado, sua separação veio na esteira da abertura econômica do Brasil — e foi saudada por ambas as companhias como essencial para avançar.

Na edição nº 365, de fevereiro de 1995, a Transporte Moderno ouviu os então recém-nomeados presidentes das empresas, Ivan Fonseca e Silva (Ford) e Pierre-Alain de Smedt (Volkswagen). Eles declararam à época que a separação não representava um retrocesso, mas sim um alívio e um novo horizonte de possibilidades. Ambos reconheceram que a parceria foi fundamental para a sobrevivência em tempos difíceis, mas que agora era hora de mirar novos desafios, com destaque para os caminhões extrapesados, segmento que representava cerca de 40% do mercado e que até então era praticamente inexplorado por ambas.

Sonhos e máquinas em andamento

Com a liberdade recém-conquistada, planos ambiciosos começaram a tomar forma. A Ford, por exemplo, já contava com o programa HN 80, uma moderna linha de caminhões nos Estados Unidos, prevista para ser lançada em 1996. Apesar de o Brasil ainda não estar no radar para receber essa linha de imediato, a série L9000 se apresentava como uma ponte promissora. Era o primeiro passo para alinhar o país aos cinco centros globais de desenvolvimento da marca.

Enquanto isso, a Volkswagen começava a estruturar o que viria a ser uma das mais bem-sucedidas histórias da indústria de veículos comerciais no Brasil. A marca se via diante do desafio de construir uma nova fábrica de caminhões e ônibus, já que a planta do Ipiranga, usada na época da Autolatina, retornara à Ford. Com um grupo de 14 especialistas encarregado de “pensar” a nova unidade, a montadora dava início a um estudo profundo de viabilidade e inovação, aplicando metodologias como o QFD (Desdobramento da Função Qualidade) para garantir que cada detalhe — desde o layout até um refeitório para clientes — estivesse alinhado às novas demandas do mercado.

“Na venda de caminhões, o relacionamento é ponto-chave. O comprador quer um tratamento personalizado”, explicava Antônio Dadalti, então gerente executivo da área.

Redes, recomeços e rivalidade amigável

Tanto a Ford quanto a Volkswagen sabiam que a entrada no segmento extrapesado exigiria mais do que tecnologia. Era necessário reestruturar as redes de concessionárias, criando revendas com atendimento especializado e infraestrutura à altura de um público cada vez mais exigente. A ideia de franquias voltadas exclusivamente a esse tipo de veículo ganhava força e fazia parte dos planos de ambas.

José F. Azank, diretor da área de Caminhões e Ônibus da Volkswagen na época, revelava que o interesse da norte-americana Paccar — parceira da Volkswagen e concorrente direta da Ford nos EUA — havia sido reaceso com a abertura do mercado brasileiro. Esse tipo de aproximação teria sido impossível dentro da Autolatina, onde qualquer possibilidade de troca de tecnologia era vista com desconfiança e cautela.

Uma história de independência

Décadas depois, os frutos dessa separação são visíveis nas estradas e nas histórias de cada marca. A Ford consolidou sua reputação em veículos de grande porte, mesmo após sair da produção local de caminhões em 2019. Já a Volkswagen Caminhões e Ônibus se tornou uma das principais fabricantes do setor na América Latina, com sua fábrica em Resende-RJ sendo um marco de modernização e inovação.

A separação pode ter sido o fim de uma era, mas foi, sobretudo, o começo de outra — mais ousada, mais competitiva e mais conectada ao futuro.

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