Estamos chegando ao limite operacional e à inviabilidade econômica do modelo vertical nas ferrovias, diz consultor da ABIFER

Especialista defende a expansão da ferrovia como peça-chave na redução do Custo Brasil e no aumento da eficiência logística, em um modelo intermodal que combine os pontos fortes de cada modal

Valeria Bursztein

O Frotas Conectadas abriu espaço na programação para o debate em torno da intermodalidade. No centro da discussão, a ferrovia ganhou protagonismo na fala do consultor técnico da ABIFER – Associação Brasileira da Indústria Ferroviária, Claudio Sawczen.

“Como todos sabem, as modalidades de transporte são complementares. Não existe uma única solução ideal. É a soma das especificidades de cada modal que permite reduzir o famoso Custo Brasil e, com isso, fazer uma cadeia logística cada vez mais eficiente e competitiva neste mundo globalizado em que vivemos hoje”, afirmou.

A importância da ferrovia na matriz de transporte pode ser expressa em números: trata-se de um segmento com mais de 80 anos de história, que reúne mais de 70 empresas e gera 66 mil empregos, com um faturamento anual de R$ 7 bilhões. Nos últimos 20 anos, foram R$ 26 bilhões em exportações. Só nos últimos 10 anos, o setor recebeu R$ 6 bilhões em investimentos. Atualmente, o país conta com mais de 700 mil metros quadrados de área construída, considerando instalações industriais com capacidade produtiva disponível e centros de distribuição.

“A defesa é pela expansão da malha ferroviária tanto de cargas como de passageiros. Obviamente, houve um encolhimento da operação com a privatização nos anos 1990, porque tínhamos trechos que, economicamente, não faziam sentido para a operação privada. Agora, temos uma aceleração realmente importante de projetos. Ou seja, não há problema em responder a demandas. A indústria está preparada e é plenamente capaz de atender à intensa demanda por expansão da ferrovia no país”, comentou Sawczen.

Segundo ele, a ABIFER aposta na expansão do modal ferroviário tanto para cargas quanto para passageiros porque o Brasil conta com diversos fabricantes de material rodante e tecnologias associadas à operação ferroviária. O país, inclusive, exporta equipamentos, como modernas locomotivas, para países referência em transporte ferroviário.

O consultor detalhou ainda que, devido aos ciclos econômicos do país e às prioridades de investimentos definidas pelas sucessivas gestões públicas, houve uma queda significativa na produção de equipamentos ferroviários desde 2011.

“Hoje, temos uma ociosidade de 85% na produção de vagões e de 70% em locomotivas. No entanto, identificamos um crescimento constante e a valorização do modal como estratégico para a logística nacional. As novas concessões também vêm trazendo investimentos importantes. Este é o momento ideal para integrar a ferrovia às operações logísticas, porque é agora que o modal começa a ganhar tração”, destacou.

Intermodalidade

Ao abordar a intermodalidade, Sawczen fez questão de desmistificar a ideia de que as ferrovias foram abandonadas em favor das rodovias. “Isso não é verdade. O que ocorreu foi que, na época das estatais, a ferrovia não se atualizou. Eram empresas com graves deficiências operacionais, que geravam prejuízos recorrentes e, por isso, não atraíam investimentos. Sem recursos, infelizmente, a ferrovia ficou para trás. Perdeu eficiência logística, o país se modernizou e o caminhão absorveu essa demanda. Hoje, o cenário é outro: o caminhão já está chegando ao seu limite logístico, de capacidade de transporte, e é aí que entra a retomada da ferrovia como instrumento logístico integrado a qualquer outro modal.”

Ele lembrou ainda que, em outros países, a ferrovia é utilizada não apenas para o transporte ponto a ponto, como no Brasil, mas como eixo central da logística nacional. A lógica é deixar os grandes volumes para a ferrovia nos longos percursos e utilizar os caminhões para o last mile. “É o caso do Ferrogrão, que ainda não existe, mas que pretende ligar o Mato Grosso ao Pará. Hoje, todo esse trajeto é feito por caminhão, o que não faz sentido.”

Para Sawczen, há uma oportunidade real de mudança na matriz de transporte do país, que ainda é bastante distorcida: 60% rodoviário, 27% ferroviário, 12% cabotagem/aquaviário e apenas 1% aéreo/outros. “Entendemos que rodoviário e ferroviário deveriam ser, no mínimo, equivalentes, considerando as dimensões continentais do Brasil.”

Desafios e oportunidades

Na visão do consultor, infraestrutura e burocracia seguem como entraves importantes ao avanço do modal ferroviário. “Boa parte da nossa malha precisa ser recuperada ou eventualmente desativada, se a demanda por investimento exceder a lógica do negócio. Esse é um verdadeiro calcanhar de Aquiles”, afirmou.

Outro ponto abordado foi o impacto do modelo vertical de operação hoje vigente no país. “O modelo vertical foi essencial no início da privatização, quando a malha estava debilitada e era necessário que grandes grupos assumissem a operação regionalmente. Eles foram responsáveis por recuperar mais de 30 anos de atraso e tornar a malha viável economicamente. No entanto, estamos chegando ao limite operacional e, em alguns casos, à inviabilidade econômica desse modelo, no qual o dono da via é também o operador ferroviário.”

Segundo Sawczen, é hora de repensar o modelo. “Precisamos olhar para as malhas que não estão funcionando efetivamente sob o modelo vertical e desenvolver um novo arranjo. Nossa proposta, dentro da ABIFER e do Instituto de Engenharia, é testar uma nova abordagem em malhas inoperantes, adotando um modelo ‘horivertical’, uma combinação entre os modelos vertical e horizontal. Nesse formato, a diferença fundamental é que a empresa que administra a via não seria a mesma que opera os trens, evitando conflitos de interesse, como o bloqueio de slots para novos operadores.”

Ele comparou com o modelo rodoviário: “A rodovia é responsabilidade da concessionária, que cuida da infraestrutura e a disponibiliza para os operadores logísticos circularem com seus caminhões. A ideia é que a ferrovia funcione da mesma forma: uma empresa administra e mantém a malha e libera slots para que diferentes operadores possam atuar.”

Por fim, Sawczen reforçou a importância da modernização. “Defendemos a adoção de tecnologias mais eficientes, o uso de inteligência artificial para ampliar a capacidade logística e aumentar a eficiência operacional da ferrovia. A partir do momento em que tivermos via, operadores e tecnologia bem estruturados, a expansão da malha se tornará inevitável — e o ciclo positivo se retroalimentará. Assim, teremos uma ferrovia mais eficiente, capaz de reduzir o Custo Brasil e aumentar a nossa competitividade”, concluiu.

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