Quando a safra ameaçou travar o Porto de Santos

Em 2003, um plano emergencial buscou evitar o colapso no maior porto da América Latina

Aline Feltrin

No início dos anos 2000, o Brasil vivia um boom nas exportações de commodities agrícolas, e o Porto de Santos, o maior da América Latina, sentiu de perto o impacto desse crescimento. Em abril de 2003, uma preocupação tomou conta de autoridades portuárias, caminhoneiros e operadores logísticos: o risco real de colapso no sistema viário do porto durante o auge da safra de soja e açúcar.

Segundo a reportagem publicada, em abril de 2033, na edição 403 da revista Transporte Moderno, a previsão era de que, a partir de maio daquele ano, mais de 3 mil caminhões por dia acessariam o porto para descarregar soja e açúcar — um aumento de aproximadamente 20 por cento em relação ao volume do ano anterior. Em 2002, Santos já havia registrado a movimentação de 8 milhões de toneladas de açúcar e 7,7 milhões de toneladas de soja e farelo, números expressivos que pressionavam ainda mais a infraestrutura do cais.

Reportagem publicada em abril de 2003

Estacionamentos improvisados e distribuição de senhas

Diante da falta de pátios adequados para estacionar os caminhões, a Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo) e o Sopesp (Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo) precisaram agir rapidamente.

Foram criadas 479 vagas rotativas próximas ao Corredor de Exportação, destinadas aos caminhões de soja, e mais 300 vagas para os veículos que transportavam açúcar, em uma área que antes funcionava como garagem da Autoridade Portuária, próxima aos armazéns açucareiros. Esses espaços provisórios ofereciam o mínimo de infraestrutura, como iluminação e sanitários.

Uma solução inusitada, porém necessária, foi a distribuição de senhas para os caminhoneiros. A Guarda Portuária, posicionada na Avenida Augusto Barata — popularmente conhecida como o retão da Alemoa —, controlava a entrada dos veículos. As senhas, fornecidas pelos terminais de soja, eram administradas via rádio, informando quando havia espaço disponível para que os caminhões pudessem se deslocar até os terminais.

Além disso, a Codesp autorizou a formação de filas nos acostamentos, algo que hoje seria considerado impensável em termos de segurança e fluidez viária.

“É colapso na certa”, alertavam os caminhoneiros

Apesar dos esforços, os caminhoneiros não se mostraram otimistas. Heraldo Gomes de Andrade, então presidente do Sindicam (Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos), foi enfático ao dizer que as medidas não seriam suficientes.

Ele defendia o uso de uma grande área localizada na Alemoa, pertencente à extinta Rede Ferroviária Federal, onde, segundo ele, seria possível estacionar até 2 mil caminhões sem prejudicar o trânsito urbano. “Se isso não acontecer, o colapso no cais será inevitável”, alertava o sindicalista.

Problema antigo, solução sempre provisória

Na época, a Codesp buscava junto ao governo federal informações sobre a titularidade dessa área da antiga Rede Ferroviária. Somente após essa definição seria possível avaliar se o espaço poderia, de fato, ser convertido em estacionamento.

O mais surpreendente é que aquele não era um problema novo. Desde pelo menos 1998, segundo relatos do próprio Sindicam, os caminhoneiros cobravam uma solução definitiva para a falta de estacionamento no porto. “É inconcebível que o maior porto da América Latina não tenha áreas adequadas para os caminhões”, criticava Andrade.

O então diretor-executivo do Sopesp, José dos Santos Martins, também endossava as críticas. Para ele, a estratégia da Codesp de arrendar áreas à iniciativa privada, sem reservar espaços para a logística de caminhões, contribuiu diretamente para o agravamento da situação. Naquele momento, mais de 3,1 milhões de metros quadrados de áreas já haviam sido repassados à iniciativa privada.

Para tentar correr atrás do prejuízo, foi retomado o Grupo de Logística Terrestre da Baixada Santista, criado em 1996 pela Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos. O objetivo era discutir os problemas que afetam os sistemas de transportes rodoviário e ferroviário da Região Metropolitana da Baixada Santista.

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