Besaliel Botelho, ex-presidente da Bosch e consultor Bright Consulting: “O Brasil é o número 1 em descarbonização no mundo pela sua matriz energética de carros. Quando se fala de mobilidade, é o único país que tem o etanol”

A OTM Editora promoverá no dia 29 de novembro, no Transamérica Expo, o Fórum de Transporte Sustentável. Na preparação para este dia inteiro de apresentações, debates e informações transformadas em conhecimento, fizemos uma série de entrevistas com os principais atores do setor sobre descarbonização

Por Fred Carvalho

Transporte ModernoQual a sua visão sobre as ações do setor automotivo para colaborar efetivamente na descarbonização dos transportes, dos veículos?

Besaliel Botelho – Se analisarmos de forma bem neutra, sem paixões, o Brasil tem uma grande oportunidade se continuar a produzir carros com motor a combustão. Todos os grandes produtores europeus, americanos e asiáticos tendem a interromper suas linhas de produção de veículos com a motorização tradicional. Quem continuar vai atender uma enormidade de países sem condições financeiras para substituir suas frotas por elétricos. A atual frota mundial de veículos usados também vai precisar de peças e componentes de reposição. Por mais que a Anfavea e a indústria queiram, não tem como o consumidor brasileiro de forma geral ter carro elétrico por duas razões: primeiro o custo e segundo a falta de liberdade de mobilidade que ela vai criar. Será possível atender a população mais rica, mas sem condições para a classe média tradicional. A produção continuará na faixa dos dois milhões de veículos e não mais que isso. Esse cara que tem dinheiro está comprando um carro elétrico e brincando nesse mundo da novidade elétrica muito mais por status. Não tem nada a ver com descarbonização e nem emissão. É um vício econômico. Ele sabe que vai dar prejuízo, mas não tem ainda a noção de quanto vai perder. Para quem ele vai revender?

Transporte Moderno – Quem é muito rico não vai querer comprar de segunda mão. Vai querer comprar veículo 0km. Sobrarão aqueles consumidores apaixonados por veículos “resto de rico”, como o jornalista Boris Feldman apelidou os carros premium usados.

Besaliel Botelho – É um grande mico. É um lixo e esse lixo vai ser muito difícil de encontrar alguém que queira comprar.

Transporte Moderno – Agora na sua visão, nós temos condição de produzir baterias aqui?

Besaliel Botelho – Não. Seria um grande erro. Você tem que produzir bateria onde os veículos estão hoje sendo vendidos para ter retorno porque o investimento é muito alto. Vai fazer bateria no Brasil e vender para quem se você tem um mercado pequeno de eletrificação? Você não vai conseguir vender. Quer fazer bateria? Vai fazer nos Estados Unidos e na China. Por isso que as grandes empresas internacionais não vão fazer uma fábrica de baterias. Já no caso do híbrido, aí sim porque é uma bateria pequena. Aí é interessante você produzir. A Toyota já anunciou que está querendo montar na Argentina uma fábrica de baterias. Fez uma parceria para tentar montar uma fábrica. O país vizinho está muito mal, mas vão fazer uma fábrica para produzir baterias de lítio já que eles têm boas reservas, o que é uma vantagem para a empresa. É uma sacada interessante para baterias menores. E o plug-in também pode ser interessante.

Transporte Moderno – Se há uma linha de produção de carros com motores etanol, gasolina, flex e a empresa resolve entrar na fabricação de carros elétricos, terá de desmontar essa fábrica?

Besaliel Botelho – Não. É preciso avaliar sobre quem está falando. Se é uma GM, Stellantis…

Transporte Moderno – Se só quer produzir elétricos, como aparentemente é o caso da GM, o chão de fábrica vai ser muito diferente?

Besaliel Botelho – A GM está dando um tchau para o Brasil. Não existe milagre para produzir carro popular elétrico. Não existe esse conceito na minha opinião, e a GM abandonou o Brasil. A prova disso foi na pandemia, na guerra de chips, em que parou a fábrica que vendia o carro mais comercializado do Brasil, o Onix. Você vai entregar o mercado para os outros? Parou a fábrica por três, quatro meses. O executivo pediu demissão. Que visão a matriz tem do mercado brasileiro? Zero. A Ford já mostrou isso. O que precisamos entender é onde está o Brasil na discussão do elétrico? Está fora. Tudo é decidido nas matrizes para atender aos principais mercados mundiais. Produzir elétrico aqui seria um grande erro. Aliás, produzir carros e baterias elétricas no mercado brasileiro esquece. Exceção se fosse exportar e se fôssemos extremamente competitivos para vencer inclusive os chineses. A indústria brasileira não é competitiva. O governo brasileiro não vai se mexer nenhum pouco e não tem política industrial para transformar o Brasil em um grande exportador de tecnologia. Existem a Europa e os Estados Unidos dominando esse ramo, com razão, porque eles não têm alternativa, tomaram decisões há dez anos. Eles não têm como voltar atrás porque a conta política não fecha.

Transporte Moderno – O tal Dieselgate.

Besaliel Botelho – Não temos mais o gás da Rússia, então como fazer nessa discussão de carro elétrico, energia elétrica? Não dá para entrar. O alemão está ferrado. Por isso, defendo a tese de que o Brasil é o número 1 em descarbonização no mundo pela sua matriz energética de carros. Quando se fala de mobilidade, é o único país que tem etanol que traz comprovadamente benefício enorme para a descarbonização.

Transporte Moderno – O curioso é que as pessoas compram carro, falam da vantagem do flex, mas abastece com gasolina. Aí você diz: “Precisamos criar algum diferencial para beneficiar o consumidor para motivá-lo a colocar etanol. Se a gente pensasse em descarbonização, seria perfeito”.

Besaliel Botelho – Nós discutimos isso em uma das reuniões com o Pablo Di Si – ex-CEO Volkswagen América Latina e atual CEO Volkswagen América do Norte – e existem dois mecanismos. Primeiro, a tecnologia flex usando etanol é a correta para o Brasil porque é o ESG correto, gera emprego e atingimos a descarbonização de um jeito muito mais eficiente e barato do que com carro elétrico nos Estados Unidos, China e Europa. Falando de descarbonização, metas e medição de CO2 nós já temos pronto. Na frota brasileira com carros que são flex já existe uma alternativa rápida, da noite para o dia, para aumentar a eficiência de emissões de CO². Uma das maneiras é via redução do IPI. Já fizemos isso lá atrás.

Eu fiquei dez anos com um flex na gaveta, querendo fazer, achava que era a solução para o Brasil naquela época, comprovei toda a tecnologia, mas ninguém queria comprar. Usineiro tinha medo, a montadora falava: “Vai me gerar muita logística. Tem que ter outro motor”. Quando o Maciel canetou o IPI do flex igual ao do carro a álcool, a montadora disse: “Então não preciso mais fazer um motor a álcool, faço um motor flex”. Colocou 5%, aí a Volkswagen resolveu fazer o teste. Vamos fazer um teste de mercado? Vamos. Deu no que deu, precisava construir o flex. Então o IPI tem uma alavanca forte, só que não é subsídio, é penalidade para quem não é descarbonizado. Penalidade para gasolina.

Transporte Moderno – E é a mais fácil você vender a descarbonização porque todos aplaudem o país ser verde.

Besaliel Botelho – Isso. O IPI pode ser a melhor saída. Agora, o outro lado, que é uma coisa que a gente abandonou é o consumidor final que não sabe nem que temos álcool (exagerando um pouco). Ele abastece todos os carros com gasolina, porque a diferença… “ah, mas o álcool é ruim para o carro.” Tem uma falácia aí ao longo desses últimos 10 anos por questão de precificação do etanol e pela zona de conforto dos usineiros porque o negócio deles é mercadológico, ficam bravos quando o governo baixa o preço da gasolina. “Tem que aumentar.” Lembra quando aumentaram o preço devido à Ucrânia e foi para oito reais? Os caras subiram o preço do etanol junto. Eu questionei: “Por que vocês estão aumentando o preço do etanol se o problema é guerra, o preço do diesel e não do etanol?”. “Mas é mercadológico, os caras querem a oportunidade de ganhar dinheiro”, disse o representante da Única. Então a população não tem consciência de descarbonização e sai no prejuízo.

Transporte Moderno – A Única jamais foi a grande defensora do etanol. Quem sempre defendeu e de maneira forte, até agressiva, foi a Anfavea.

Besaliel Botelho – Podiam tirar a água do etanol, que é um problema.

Transporte Moderno – É impressionante ver as coisas que eles poderiam fazer e não fazem. 

Besaliel Botelho – Nunca se colocou uma estratégia em cima do etanol porque o usineiro não está nem aí. Estão vendendo, misturam na gasolina que é um negócio garantido e, quanto mais gasolina vender, mais álcool vendem. Preferem brigar pela adição de mais 2 ou 3% na gasolina (em vez de 25 ir para 27% de mistura do álcool anidro) do que fazer um etanol mais barato, sem água, ou fazer o etanol de segunda geração, o que aumentaria fortemente a produção. Eles estão na zona de conforto. O mercado absorve o produto e, se não absorve, vendem açúcar.

Transporte Moderno – Existem exceções…

Besaliel Botelho – Existem alguns que estão investindo, mas são algumas poucas ilhas de excelência. Tem alguns que pensam a longo prazo e entendem a necessidade de melhorias.Conheço a Única há muitos anos, converso muito com os usineiros de lá e conheço usineiros que estão fora da Única também. A Única tem 60% do mercado de usineiros no nome dela. O resto são freelancers que vão lá no Nordeste e é muito triste você ver que não possuem competência tecnológica. Estão fazendo o processo de craqueamento das usinas de etanol e vendendo.

Transporte Moderno – E quebram, ficam devendo para o banco e abrem outra.

Besaliel Botelho – Uma vergonha. Você chega lá no Nordeste e vê que colocam o preço do etanol igual ao da gasolina. Conversei com o pessoal do posto, tentei entender o preço igual, mas o frentista disse que eram impostos. Poucos quilômetros adiante tinha uma grande usina de etanol.

O governo brasileiro nunca levou a sério o negócio do etanol.Por mais que a gente fale ou faça. Então precisamos arrumar um mecanismo para o consumidor final. A gente não se comunica com eles, o governo não está nem aí. Se você deixar a comunicação com o consumidor final com as concessionárias, elas não estão nem aí porque só querem vender carros. Vão vender um automóvel e falar da vantagem de abastecer com etanol? Não existe essa comunicação. É importante entender como convencer o consumidor a fazer uma pressão em cima da vantagem do etanol. Tem o IPI que é um mecanismo que podemos usar…

Transporte Moderno – A redução do IPI poderia ter um efeito imediato em nossa tarefa de descarbonização. Acha que isto sensibiliza o governo?

Besaliel Botelho – Se o efeito de marketing for bom, eles vão fazer, vão apoiar. O governo federal pode até dar subsídio, mas acho que é um erro. Tem que dar subsídio para educação, saúde… O Brasil tem outras prioridades. Não é exclusivo para combustível. Mas pode penalizar o que não é descarbonizado, é diferente. Quando chego em uma Toyota ou Stellantis e pergunto: por que carro híbrido? Resposta: “Por causa de etanol”, mas o consumidor não vai abastecer com etanol, vai abastecer com gasolina, o carro é híbrido. Então o Real Driving Emission, que agora é regra no PL8, vai colocar um pouquinho de ordem na casa porque não é fazer um belo carro híbrido andando com etanol e atingir uma eficiência energética baixíssima. Agora é Real Driving. O governo tem de fazer alguma coisa para melhorar a competitividade do etanol. O etanol hoje com o preço da gasolina como está não é competitivo.

Transporte Moderno – Em realidade o etanol tem um problema de imagem. Os consumidores lembram quando faltava na bomba, das dificuldades de ligar o carro no inverno, do preço erroneamente colado na gasolina.

Besaliel Botelho – Por isso que a imprensa é importante para o consumidor final, mas não a imprensa especializada. Falta comunicação para a massa. Não estamos falando do etanol de combustíveis verdes, renováveis, como o biometano. Aí sim o Brasil tem uma oportunidade rica porque nós já temos motores a biogás que podem rodar com biometano, com gás natural. Mas nós temos um monte de lixo que produzimos e o problema da bioenergia que precisa ser resolvido. Então sou muito a favor de poder trabalhar com biometano nos motores de utilitários, caminhões etc. Seria uma alternativa. Não vamos substituir o diesel, mais um nicho para as soluções que temos no agronegócio, nas grandes cidades com seus aterros sanitários. É possível tirar benefício disso. No caso dos motores pesados, diesel, transporte, esquece. A solução disso vai acontecer lá na frente com a célula de combustível.

Transporte Moderno – Nas projeções do NET Zero existirão ainda caminhões com motores diesel no transporte de cargas. Vai ter um percentual ocupado por ele. Está difícil matar o diesel?   

Besaliel Botelho – Caminhões e furgões na Europa vão rodar com diesel, mas lógico que também teremos alternativas energéticas. Estão matando as fábricas de motores diesel por lá. Está o maior “auê” na Alemanha porque estão transferindo para fora do país. O Brasil é um candidato a ser grande produtor e exportador destes motores.

Transporte Moderno – Como presidente da Bosch você participava do board mundial. O que acontece com a imagem do Brasil se não houver o tal marketing do etanol, do combustível verde? O Brasil tem de ser realmente o país do etanol, país da descarbonização, da energia limpa? No seu entender, a imagem do Brasil se souber cuidar disso, será uma imagem boa ou ruim?

Besaliel Botelho – Positiva quando você fala de descarbonização.

Transporte Moderno – Qual é o maior problema do carro elétrico?

Besaliel Botelho – Eletrificação não é mobilidade livre, é mobilidade com várias restrições. A problema do elétrico é a inexistência de disponibilidade. Se acabar a carga tem que parar e recarregar. Até que ponto o consumidor final vai querer aceitar restrições da sua mobilidade? Isso não é uma questão de infraestrutura, não é uma questão de colocar carregadores, de abastecer quando quer. Hoje o abastecimento de gasolina ou etanol é muito rápido. Mesmo com filas no posto. O carro elétrico não tem flexibilidade, não permite esquecimentos. O carro pode ficar mais barato, ter maior autonomia, mas a restrição à mobilidade vai continuar. Isso é um tema que não está claro ainda.

Depois tem o problema da reciclagem. O que fazer com a bateria? Tem algumas empresas querendo fazer, mas quando existirem milhões de baterias para descarte como vamos resolver? Usar bateria de segunda mão, reciclar, usar para energia da casa… essa conta não fecha. E o Brasil não precisa disso porque tem energia limpa e tem energia suficiente no que diz respeito à energia solar, mas você não consegue colocar uma pá daquela girando dentro do carro para criar sua energia.

Transporte Moderno – O Brasil pode se tornar o grande fornecedor de veículos, motores e componentes para os países sem condições financeiras para ter elétricos ou quaisquer tecnologias mais caras? Consigo ser o grande produtor de peças de reposição para o restante do mundo que não vai ter mais essa indústria? 

Besaliel Botelho – Nós passamos a ser provavelmente o grande exportador de peças para reposição.

Transporte Moderno – Principalmente exportador de carros com motor a combustão, certo? Quer dizer, optar pelo etanol, continuar com motor a combustão significa excelente oportunidade de negócio. É sair da vala comum.

Besaliel Botelho – Exatamente. Tanto para leves como para pesados. Porque as fábricas que fazem pesados lá fora também produzem leves. Os fornecedores de autopeças que fornecem para caminhão, fornecem para carros e vão ter um risco lá fora. A indústria de lá tem que se reinventar. Exatamente por isso está ligada ao carro elétrico, à produção de baterias etc. A indústria de autopeças na Europa está se reinventando para poder atuar nesse mundo elétrico.

Transporte Moderno – A corrida dos países desenvolvidos para os elétricos não abre uma excelente oportunidade para o Brasil tornar-se centro mundial de produção de veículos, motores e componentes de carros convencionais?

Besaliel Botelho – Vamos trocar isso em miúdos. Nos próximos 20 anos, se pensar no Rota 2030, PL7, PL8 ou em uma segunda rodada do Rota 2030, a nossa indústria de combustão e de autopeças será fundamental para o mundo. Vai ser puxada por quem? Pelos grandes fabricantes que estão aqui. Não vai ser pelos chineses, mas pela Toyota, Volkswagen, Stellantis, que geram empregos e têm uma responsabilidade social no país e que conseguem atingir as metas da descarbonização sem muito esforço, sem tem que ir para o carro elétrico, com um custo baixo, com distribuição e venda garantida, com flexibilidade e mobilidade garantida. O consumidor vai continuar tendo um carro só, flexível, familiar. O carro elétrico mata a possibilidade de ter um carro só, porque ele perde flexibilidade na mobilidade. A população brasileira não é uma população que tem poder de compra para ter dois ou três carros na garagem.

Transporte Moderno – Qual a sua visão dos chineses?

Besaliel Botelho – Os chineses fizeram, lá atras, uma aposta nos elétricos. Tanto pelos problemas de poluição nas suas principais cidades como para criar uma alternativa tecnológica e de mercado. Está dando certo, pois eles são os maiores produtores de elétricos e de baterias, tanto nos automóveis quanto nos veículos comerciais. A China tomou a decisão de ser um exportador de veículos, principalmente do segmento elétrico. Eles têm muito subsídio, muito benefício de custo lá para produzir este tipo de tecnologia. A BYD, a Great Wall e a JAC não têm uma forte participação no mercado brasileiro. Assim, optaram pelos híbridos e elétricos. Compraram fábricas para participar mais fortemente do mercado. Tem muita discussão sobre a política do carro elétrico com a questões do imposto zero. Nas mais de dois milhões de unidades que produzimos teremos 100 mil ou – quem sabe – 200 mil que serão feitas pelos chineses.

Transporte Moderno – Quais são os principais problemas dos elétricos?

Besaliel Botelho – Falta de liberdade de mobilidade. “À noite eu não dirijo, tá carregando, então quando eu precisar está carregado.” Não é sempre assim. Depende de como se usa o carro, para que se usa o carro. Se roda 50 Km todo dia vai ter sempre flexibilidade, mas se esquecer de carregar por alguma razão, fica na mão. Se esquecemos de abastecer com motor convencional ou híbrido, vamos ao posto e abastecemos. A mobilidade está garantida em minutos. Além disso, tem a questão do preço, muito acima do carro convencional, e a questão da bateria em relação aos custos para substituir, se vai descartar ou reaproveitar.

Transporte Moderno – O Dieselgate não matou só o diesel como combustível, mas ameaça fortemente a sobrevivência do motor a combustão?

Besaliel Botelho – Sim. Naquela época, 60% dos veículos de passeio eram a diesel. Eu acho um grande erro. As montadoras sofreram muito nessa transição. É aquilo que a Toyota falou: “Nosso inimigo não é o combustível, nosso inimigo é a descarbonização, o CO2. Não é o motor a diesel, o motor a gasolina, não é o combustível fóssil que é o tema”. E como você consegue com tecnologia tirar o máximo proveito do combustível fóssil e CO²? As fases do PL6, PL7 e PL8 mostram isso. São necessários muito esforço e muita tecnologia para fazer uma redução pequena de emissões no veículo a combustão. A eficiência do motor a combustão é de 30%. Você não consegue formatar a eficiência desse motor. O carro elétrico tem essa vantagem de uma eficiência absurda que chega a quase 100%. Isso é o que encanta o engenheiro. Eu tenho um motor que tem eficiência muito melhor e usa energia elétrica? Tecnicamente o carro elétrico foi, como solução de engenharia, perfeito. Torque rapidíssimo, não faz ruído, é o melhor conceito de engenharia de mobilidade. Mas colocar isso substituindo a mobilidade numa sociedade como sendo a solução, não encaixa. Não fecha o conceito da mobilidade por causa da falta de liberdade e não fecha o problema social que você tem com a situação disruptiva. Você não consegue fazer isso em uma velocidade de tempo tão rápida. A ponte do Brasil para um dia chegar nisso é o etanol, o híbrido, a biomassa, o biometano. Só assim vamos conseguir chegar à meta de redução de CO2.

Transporte Moderno – É possível utilizar mais etanol. Quem tem veículo flex deveria efetivamente usar o etanol para dar um salto brutal na descarbonização.  

Besaliel Botelho – A frota brasileira hoje usa cerca de 25%, 30% de etanol, etanol puro, etanol hidratado. É isso que as usinas medem. Verificam qual é a demanda hoje e direcionam a oferta, fazem a precificação. Depois há um percentual grande de etanol misturado à gasolina – a gasolina batizada com 25% de etanol (etanol anidro sem água). Temos 90% da frota brasileira rodando flex com gasolina batizada com etanol. Se aumentasse o percentual de 25% a 30% para 40% ou 50%, seria um salto enorme para a descarbonização. Geraria uma oportunidade de investimento de baixo custo e haveria volume e mais competitividade do etanol. Em paralelo a isso, sabemos que é preciso uma política de longo prazo. Então é necessário investir, estar sustentavelmente correto no que diz respeito ao CO2, mas é preciso ter segurança nisso.

Transporte Moderno – Por isso é importante, ainda mais no Brasil, que se tenha uma política de governo.

Besaliel Botelho – Ecom legislações que não mudem em função de governo. As soluções estacionárias estão acontecendo. Existem, por exemplo, geradores de célula de combustível. A Bosch também faz bastante isso e tem várias outras empresas fazendo como solução para gerar energia com o hidrogênio. Acho que este caminho vai acontecer. Colocar isso num carro já é um tema mais complexo por causa do espaço e por causa da flexibilidade para mobilidade. Carregar uns cilindros para o carro seria um problema. Esse hidrogênio tem que ser puro, não é um hidrogênio…Tem que ser um hidrogênio verde para ter sentido. Por exemplo, conseguir gerar através dos reformadores estacionários de etanol. Já existem várias empresas fazendo aqui no Brasil. Usar estes containers, essas fábricas de geração de hidrogênio através do etanol e colocar no porto de Hamburgo, de Gênova, na Europa. Transportar etanol líquido e gerar hidrogênio onde ele é necessário. Isso pode acontecer lá na frente, principalmente para pesados ou para geração de energia limpa. Isso é um conceito que é uma grande oportunidade para o Brasil. Por isso tem muita empresa desenvolvendo esse conceito do transformador, gerando hidrogênio através do etanol. O etanol é a solução hoje e pode ser a solução de amanhã na geração de energia através do e-fuel cell. Se pode fazer isso através da eletrólise, claro. Se há uma fábrica para isso na Europa, é preciso de energia para rodar essa eletrólise. Aí existem as pás eólicas. Na Europa existem milhões delas, mas não giram porque não há vento. Também há a energia solar, mas lá não tem sol como aqui. Eles têm um problema para resolver para solucionar essa equação de geração de hidrogênio verde.Acredito que se a gente apostasse no etanol hoje, como já apostamos, conseguiríamos fazer com que a população pagasse bem para conviver com etanol. O retorno de impostos seria absurdo. Lá na frente você tem uma frota extremamente verde e vai poder usar essa tecnologia para solução do e-fuel cell. A Europa não vai por esse caminho porque ela não tem etanol.

Transporte Moderno – Conforme o Christopher Podgorsky, CEO da Scania Latin America, falou: “O Brasil é o maior produtor de rejeitos de produção agrícola do mundo. Se esse lixo é transformado em biometano, é possível ter um posto de biogás a cada 15 km. Assim, acaba todo problema para abastecer caminhões a gás. Nós temos muitas oportunidades: solo, vento, sol. Dá para produzir, falta vontade e deixar a iniciativa privada fazer.”

Besaliel Botelho – Resumindo, existem vários temas que se interligam com outros. A geração de energia, a tecnologia, a legislação e o consumidor final. A gente esquece o consumidor mais pobre. A maioria tem um carro só porque não tem como pagar. Por isso o negócio do popular deu tão certo lá atrás. Só que deu certo na bolha. Agora a gente vende dois milhões e não vamos sair disso. Acho que é muito mais saudável para a indústria o mercado do tamanho em que está hoje do que o de quatro milhões e meio de 2013 pela geração de emprego, competências tecnológicas, geração de competências de engenharia. Hoje um carro exige muito mais da engenharia do que dez anos atrás.

Precisamos resolver essa equação e nos equilibrar nos próximos dez anos no Brasil usando etanol. Esse é o grande segredo: fazer com que a população continue usando a mobilidade com liberdade. A grande solução brasileira nos caminhões pesados é justamente o biometano e o gás. As indústrias brasileiras já estão preparadas, fazendo caminhão, e o governo deveria também dar uma atenção para o programa do biometano. Esse é um caminho bom. O etanol precisa ser mantido e ser bem usado, falar com o consumidor final e fazer uma legislação que valorize aquilo que a gente tem. O elétrico vai ter um nicho? Deixa o nicho acontecer. Terá uma infraestrutura de abastecimento, mas é importante saber que não terá mobilidade como a que existe com o etanol ou gasolina. No entanto, tem a alegria em dirigir porque é um carro que tem mais torque. É para uma camada da sociedade que não vai crescer. Há limitação no poder de compra da população.

Transporte Moderno – Na Bosch, quais foram as mudanças nas fábricas para atender as metas de descarbonização?

Besaliel Botelho – Agora nós temos tudo com energia solar, tanto em Curitiba como em Campinas. Já rodamos as nossas fábricas com CO2 neutro. Tem vários mecanismos que podem ser usados para reduzir a emissão de CO2 e esse é um caminho importante. Tem muita coisa a ser feita ainda, principalmente nas pequenas e médias empresas. Elas estão engatinhando ainda. Como você reduz energia? Como é que você usa solar para energia ou o próprio gás? E não plugadas na energia que de certa forma é limpa porque vem 85% da água, das fontes renováveis.

O Brasil está em um processo de transformação industrial bom na descarbonização. Tem muita coisa sendo feita, mas a solução da mobilidade está dada, na minha opinião, para a massa. O mundo está correndo atrás para chegar no nosso nível de descarbonização e estão bem atrasados. Por isso digo que somos o primeiro no mundo da descarbonização

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