Cabotagem quebra resistência interna e vira aposta estratégica na Mondeléz Brasil

Case apresentado no Fórum Ilos 2025 mostra que, mesmo em uma indústria marcada pela cultura rodoviária, é possível ampliar rotas verdes, reduzir custos e ganhar previsibilidade ao usar o porto como hub e trabalhar com parceiros como Norcoast e Aliança

Valeria Bursztein

A Mondeléz Brasil passou a usar a cabotagem para fazer algo que, até pouco tempo atrás, parecia improvável dentro da própria empresa: tirar parte relevante do fluxo de insumos e produtos acabados do rodoviário de longa distância e colocar no marítimo — sem perder nível de serviço e ainda ganhando em sustentabilidade.

O movimento, iniciado em 2024 e consolidado ao longo de 2025 com armadores como Norcoast e Aliança, foi detalhado pelo supply chain excellence manager da companhia, Claudio Pena, durante o Fórum Ilos 2025.

Segundo ele, a cabotagem deixou de ser vista como “plano B” e passou a ser tratada como alternativa logística estratégica, uma vez que conversa diretamente com a geografia das operações da empresa — muito concentradas ao longo da costa brasileira — e com a agenda global de descarbonização, prioridade para multinacionais do setor de alimentos.

A decisão se apoia em um contexto de crescente complexidade. O transporte rodoviário brasileiro enfrenta uma combinação de gargalos: a Lei do Motorista, o frete mínimo, o envelhecimento da frota e da mão de obra, a baixa atratividade da profissão e as condições precárias das estradas.

Somado a isso, cresce a pressão por redução de emissões e por práticas de transporte mais sustentáveis. “Quando somamos tudo isso, a cabotagem deixa de ser uma discussão teórica e passa a ser uma discussão de viabilidade do abastecimento”, resumiu o executivo.

O desafio maior: mudar o mindset interno

O primeiro obstáculo, segundo Pena, não estava no porto, mas dentro da própria companhia. Havia pouco conhecimento sobre o modal, descrença generalizada e o predomínio de uma cultura rodoviarista enraizada. “Sempre fizemos por caminhão, e sempre deu certo” — era a frase que sintetizava a resistência inicial.

Para romper a barreira, a Mondeléz iniciou um processo interno de letramento e experimentação prática. “Ao colocar a operação para rodar, passamos a aprender mais rápido e a ficar mais assertivos nas escolhas logísticas”, contou.

Um dos exemplos foi o de um contêiner reefer que se desplugou durante o transporte — situação que, em operações piloto, permitiu criar planos de contingência. Outro ganho veio da constatação de que não era necessário usar genset no trecho fábrica–porto, o que reduziu significativamente o custo total da operação.

O porto como hub e o equilíbrio do fluxo

Um dos diferenciais do projeto foi o uso estratégico do Porto de Suape (PE) como hub logístico. O complexo opera com dez dias de free time, o que dá flexibilidade para administrar o ritmo de produção e evitar sobrecarga na fábrica ou no armazém. Segundo o executivo, essa janela permite “equalizar” a chegada dos insumos e a expedição dos produtos sem criar gargalos de estocagem.

A estrutura logística, antes linear, passou a operar de forma multimodal e sincronizada, combinando cabotagem e rodoviário para alimentação e distribuição. O resultado é uma malha mais previsível, escalável e descarbonizada — que a própria empresa passou a chamar de “rotas super verdes”.

Estabilidade, economia e sustentabilidade: os resultados

O case do transporte de açúcar inbound da empresa é emblemático. Antes, o fluxo entre Ribeirão Preto (SP) e Vitória de Santo Antão (PE) era inteiramente rodoviário — um percurso de 2.470 quilômetros, sujeito a oscilações de temperatura, umidade e condição das estradas.

Com a migração para a cabotagem, o resultado foi imediato: zero perdas por variação de umidade, redução de 17% no frete e 70% menos emissões de gases de efeito estufa. Além disso, o uso do navio eliminou a instabilidade típica das viagens longas de caminhão e trouxe regularidade no abastecimento da fábrica.

O mesmo navio que leva açúcar também transporta pallets e outros insumos, ampliando a eficiência logística e reduzindo o número de viagens rodoviárias de retorno. “Essa previsibilidade de carga e descarga mudou a forma de como planejamos a cadeia”, explicou Pena.

Parcerias estratégicas e flexibilidade operacional

O avanço da cabotagem só foi possível graças à integração com armadores como Norcoast e Aliança Navegação e Logística, que passaram a oferecer rotas regulares, maior capacidade e previsibilidade no calendário de embarques. A parceria permitiu à Mondeléz consolidar fluxos de insumos e de produtos acabados entre o Nordeste, o Sudeste e o Sul, mantendo o mesmo nível de serviço do modal rodoviário.

Hoje, a cabotagem ainda representa cerca de 3% do volume total transportado pela companhia, mas o plano é fazer esse índice chegar a 15% ou 20% nos próximos anos. “Estamos em uma jornada. Isso depende de volume, previsibilidade e, principalmente, da evolução da cultura interna”, diz o executivo.

Outro ponto decisivo é a escolha dos portos. Segundo Pena, as condições operacionais e comerciais mudam rapidamente, o que exige flexibilidade. “Precisamos de opções, porque as condições podem mudar de um mês para o outro”, comentou, destacando que a agilidade na tomada de decisão é fundamental para o sucesso da estratégia multimodal.

Tempo de trânsito e equilíbrio financeiro

Ao comparar os tempos de trânsito, o executivo revelou que a operação multimodal — especialmente no caso do açúcar — agregou cerca de seis dias ao transit time em relação ao rodoviário. Mesmo assim, não houve necessidade de aumentar estoques. O uso do free time de dez dias em Suape ajudou a amortecer o impacto do tempo adicional, garantindo que o fluxo se mantivesse equilibrado.

“Cada dia a mais representa custo, então o debate é sempre sobre o ponto de equilíbrio”, explicou. “Mas, quando consideramos o frete mínimo e os custos crescentes do transporte rodoviário, a cabotagem passa a fazer ainda mais sentido.”

O próximo passo é o round trip fechado, no qual o açúcar vai e o produto acabado volta, maximizando a utilização dos contêineres. “Financeiramente, o modelo já se equaciona”, afirmou. “Agora depende apenas de decisão de negócio, baseada em volume e previsibilidade.”

Parcerias, letramento e cultura logística

O aprendizado obtido ao longo dessa jornada consolidou uma certeza dentro da Mondeléz: a transição modal não se faz sozinha. É resultado de parcerias estratégicas, letramento interno e, principalmente, visão de longo prazo.

“Este é um negócio que não podemos fazer sozinhos. As parcerias são estratégicas”, reforçou Claudio Pena, mencionando a colaboração contínua com a Norcoast e a Aliança. Mais do que um case de eficiência, a experiência da Mondeléz Brasil se tornou um exemplo de transformação cultural dentro da gestão logística.

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