Propulsão nuclear volta ao radar marítimo como alternativa à descarbonização

Estudo da DNV aponta que avanços tecnológicos e pressões ambientais reacendem o interesse por navios movidos a energia atômica

Redação

Diante da pressão global para reduzir emissões de gases de efeito estufa, o setor marítimo começa a revisitar uma tecnologia que parecia confinada ao passado: a propulsão nuclear. Um novo relatório da certificadora norueguesa DNV, intitulado “Maritime Nuclear Propulsion”, indica que avanços tecnológicos, mudanças regulatórias e o alto custo dos combustíveis fósseis estão reacendendo o interesse por reatores nucleares como fonte de energia para embarcações e plataformas offshore.

Segundo o estudo, a energia nuclear poderia oferecer autonomia, estabilidade de custos e eficiência energética, reduzindo a dependência do petróleo e do gás natural. Ainda que a tecnologia não seja comercialmente viável no curto prazo, a DNV avalia que os reatores marítimos podem desempenhar um papel importante na transição energética das próximas décadas.

Do “Savannah” ao renascimento atômico

A propulsão nuclear no transporte civil não é uma ideia nova. Nos anos 1960 e 1970, navios como o Savannah (Estados Unidos), o Otto Hahn (Alemanha) e o Mutsu (Japão) operaram com reatores de água pressurizada (PWR). Apesar do pioneirismo, o alto custo operacional e a necessidade de tripulações altamente especializadas limitaram a adoção comercial.

Enquanto isso, embarcações militares — submarinos e porta-aviões — continuaram a utilizar energia nuclear com sucesso, embora sob condições e padrões de segurança muito diferentes dos exigidos para navios mercantes.

Nas últimas quatro décadas, nenhum projeto civil de propulsão nuclear foi implementado em larga escala, embora alguns países, como a Rússia, tenham mantido iniciativas experimentais, como as usinas flutuantes.

Pressão ambiental

Nos últimos anos, a busca por alternativas livres de carbono devolveu a energia nuclear ao centro das discussões. O Reino Unido aderiu em 2022 ao Nuclear Code, um dos poucos marcos internacionais que tratam da segurança de reatores marítimos. Já na China, o estaleiro Jiangnan Shipbuilding Group desenvolve projetos de cargueiros movidos a reatores nucleares, e na Coreia do Sul grandes construtoras navais estudam soluções semelhantes.

Fabricantes de reatores também exploram o uso de suas tecnologias em plataformas de energia nuclear flutuante (Floating Nuclear Power Plants, FNPPs), que poderiam gerar eletricidade para operações offshore e regiões remotas.

Entretanto, o uso da energia nuclear no mar impõe desafios próprios: os reatores precisam ser compactos, seguros, resistentes a vibrações e de baixa manutenção. Além disso, o reabastecimento de combustível só pode ser feito em estaleiros especializados, o que requer infraestrutura e regulamentação internacional robustas.

Reatores de nova geração

O relatório da DNV destaca o potencial de tecnologias emergentes, como os reatores resfriados a chumbo e os reatores de sais fundidos, ambos apontados pelo Generation IV International Forum como promissores para aplicações futuras.

Os reatores de chumbo oferecem alta eficiência térmica e operação a pressão atmosférica, reduzindo riscos em caso de acidentes, mas exigem temperaturas elevadas constantes. Já os de sais fundidos utilizam compostos fluorados ou clorados com excelentes propriedades térmicas e permitem designs mais flexíveis — seja com combustível sólido ou dissolvido no líquido refrigerante.

Outra alternativa em desenvolvimento é o reator de tubos de calor (heat-pipe reactor), criado pela britânica Core Power. Inicialmente pensado para uso espacial, ele é compacto, modular e poderia substituir geradores a diesel em embarcações menores ou em regiões isoladas.

Obstáculos ainda à frente

A DNV ressalta, porém, que muitas dessas tecnologias ainda estão em fase experimental. Para que a propulsão nuclear se torne realidade comercial, será necessário superar barreiras regulatórias, garantir a capacitação de profissionais especializados e conquistar aceitação pública — fator historicamente sensível em torno da energia nuclear.

A cadeia global de fornecimento de combustível também é limitada e enfrenta desafios como a dependência do enriquecimento de urânio russo e altos custos de fabricação.

Caminho de longo prazo

O relatório conclui que os primeiros projetos comerciais de navios movidos a energia nuclear poderiam surgir nas próximas décadas, especialmente em rotas de longa distância ou embarcações que demandem alta potência e autonomia — nichos nos quais as alternativas como hidrogênio e amônia ainda encontram restrições técnicas.

A DNV vê os reatores modulares pequenos (SMRs) como uma possível ponte para viabilizar o uso civil da tecnologia nuclear em escala marítima. Além da propulsão, esses sistemas poderiam alimentar redes elétricas locais ou instalações portuárias, ampliando o papel da energia nuclear na descarbonização global.

“O desafio não é apenas tecnológico, mas regulatório e econômico. A propulsão nuclear pode ser uma solução para o transporte marítimo de longo alcance — mas só se vier acompanhada de inovação, segurança e consenso internacional”, conclui o estudo.

Com informações do site chileno Mundo Marítimo.

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