Cabotagem reduz emissões de CO₂ em até 89% e pode crescer mais no Brasil, diz estudo

Pesquisa da Norcoast comprova vantagem ambiental da navegação costeira sobre o modal rodoviário, mas alerta da Fundação Dom Cabral mostra que infraestrutura e integração logística ainda travam expansão

A Norcoast, empresa brasileira especializada em navegação costeira, deu um importante passo na logística do Amazonas ao iniciar suas operações no píer flutuante de Itacoatiara, em parceria com o Super Terminais.

Aline Feltrin

A cabotagem — transporte marítimo entre portos nacionais — pode reduzir em até 89% as emissões de dióxido de carbono (CO₂) na comparação com o transporte rodoviário, segundo estudo exclusivo da Norcoast, empresa brasileira de navegação costeira. A pesquisa se baseou em operações realizadas ao longo de 2024 para uma multinacional do setor químico e reforça o potencial do modal marítimo como alternativa de menor impacto ambiental na cadeia logística.

A análise utilizou a metodologia do GHG Protocol, adaptada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), para medir as emissões de CO₂ por tonelada-quilômetro transportada. Foram consideradas rotas com origem no porto de Suape (PE) e destino nos portos de Manaus (AM), Santos (SP) e Paranaguá (PR).

No período, foram movimentadas 7.862 toneladas de carga em navios operados pela Norcoast, com emissão total de 369,2 toneladas de CO₂. Se esse volume fosse transportado por caminhões, a estimativa seria de 3.374 toneladas de CO₂ — quase nove vezes mais.

“A cabotagem se destaca como uma alternativa positiva para a redução da emissão de CO₂ e outros pontos abordados pela agenda ESG. Os navios são projetados para potencializar a eficiência energética, incorporando tecnologias e inovações que minimizam o consumo de combustível por tonelada transportada”, afirma Stephano Galvão, diretor de operações da Norcoast.

Pressão ambiental sobre a logística

A conclusão da Norcoast vem em um momento de forte pressão por práticas sustentáveis no setor logístico. Segundo a Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (Anpet), o transporte responde por cerca de 48% das emissões totais de CO₂ no Brasil, com o modal rodoviário concentrando a maior parte desse impacto. Projeções indicam que o transporte inter-regional de cargas poderá emitir até 111 milhões de toneladas de CO₂ em 2025, caso medidas de mitigação não sejam adotadas.

Nesse contexto, a navegação costeira surge como solução viável para descarbonização, além de contribuir para uma logística mais resiliente, inclusiva e eficiente, conectando polos produtivos de Norte a Sul com menor dependência da infraestrutura rodoviária.

“A navegação costeira vai além da sustentabilidade. Este modal também fomenta a segurança, previsibilidade e competitividade do segmento logístico nacional”, acrescenta Galvão.

Participação ainda tímida

Apesar do potencial ambiental e da extensa costa navegável — mais de 8 mil quilômetros, o Brasil ainda explora pouco o transporte por cabotagem. Um estudo da Fundação Dom Cabral, realizado em 2024, mostrou que o modal responde por apenas 2,9% da movimentação de carga em toneladas úteis no país. Para efeito de comparação, o modal rodoviário representa 62,2%, seguido pelo ferroviário (26,9%), hidroviário (4,3%) e dutoviário (3,6%).

A pesquisa, conduzida pela Plataforma de Infraestrutura em Logística de Transporte (PILT FDC), aponta que, sem investimentos consistentes, a participação da cabotagem pode chegar a no máximo 3% em 2035.

Integração é chave para avanço

Em entrevista recente ao portal Transporte Moderno, o professor Paulo Resende, coordenador do núcleo de logística e infraestrutura da Fundação Dom Cabral, destacou que o principal entrave para a expansão do modal é a falta de integração com o transporte rodoviário e a concorrência com o transporte internacional em portos estratégicos.

“A cabotagem não faz a porta a porta, então a integração multimodal com padronização de documentos e tarifas, por exemplo, seria essencial”, afirma Resende. Segundo ele, um plano portuário nacional que integre modais e otimize o uso de portos subutilizados é fundamental para ampliar a presença da navegação costeira.

Resende defende ainda a diversificação logística para aumentar a conexão com os mercados consumidores. Produtos como bebidas, alimentos e contêineres são, segundo ele, ideais para a cabotagem por permitirem transporte em unidades de maior volume e peso.

“O Brasil tem uma oportunidade excepcional de expandir a cabotagem, especialmente em longas distâncias, com custo reduzido. Mas ainda estamos muito aquém de países como Estados Unidos e Índia, onde o modal tem participação relevante”, concluiu o professor.

Potencial de crescimento

Desde sua fundação em 2022, a Norcoast vem estruturando rotas regulares entre os principais portos do país, com foco em soluções logísticas integradas a grandes indústrias. A expectativa da empresa é de que a demanda por cabotagem cresça nos próximos anos, impulsionada por compromissos ambientais do setor privado e por regulações mais rígidas no comércio internacional.

Programas como o BR do Mar, em vigor desde 2022, buscam fomentar o setor com incentivos à ampliação da frota e à competitividade do modal. Mas, segundo especialistas, só haverá ganho real se o país também avançar na governança logística, integração de modais e modernização portuária.

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