Estudo inédito mostra os desafios para a descarbonização dos veículos pesados

O levantamento feito pela LCA Consultores e MTempo Capital aponta que os veículos pesados são responsáveis por mais de 53% das emissões de CO2 na mobilidade do Brasil

Sonia Moraes

Os veículos pesados, compostos por uma frota 2,18 milhões de caminhões e 388,8 mil ônibus, apresentam desafios na atual fase de transição energética rumo à descarbonização. Com apenas 6% de representatividade na frota nacional, são responsáveis por mais de 53% das emissões de dióxido de carbono (CO2) na mobilidade do Brasil. Essa é a conclusão do estudo inédito da LCA Consultores e da MTempo Capital intitulado “Trajetórias Tecnológicas mais Eficientes para a Descarbonização da Mobilidade”. O levantamento foi encomendado por um grupo de empresas e instituições que formaram o Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB).

Apesar de um índice elevado de poluentes, ainda há dificuldades em relação aos parâmetros de medição dessas emissões para que metas sejam estabelecidas e haja avanço na descarbonização no transporte do país. Conforme explicou o professor da MTtempo Capital, Luciano Coutinho, durante encontro com a imprensa, realizado na sede da Copersucar, em São Paulo, “não há condições de reproduzir o que foi feito com os veículos leves, que já utilizam tecnologias de baixo carbono como o etanol”.

De acordo com ele, isso ocorre porque o monitoramento técnico, a existência de estatística e padrões de
medidas razoavelmente desenvolvidos que permitam comparação, ainda não estão amadurecidos.

Diversas soluções para a descarbonização

Com base no estudo foi constatado que não há uma solução única para diminuir emissões de carbono dos veículos. Também chegou-se a conclusão de que a descarbonização dos pesados dependerá do consenso entre a viabilidade econômica e ambiental das diferentes rotas tecnológicas, com as respectivas aplicações.

Entre as várias alternativas de tecnologias para a descarbonização, o professor Luciano Coutinho citou a eletrificação como uma solução ideal para caminhões leves e médios que percorrem curtas distâncias. Por outro lado, para caminhões pesados as tecnologias mais viáveis são os motores movidos a biodiesel, gás ou hidrogênio.

O presidente do Conselho da Copersucar, Luis Roberto Pogetti, destacou que as alternativas existentes não podem ser descartadas. “Além disso, não é somente a questão ambiental deve ser avaliada, mas os impactos sociais e econômicos das rotas tecnológicas.”

Segundo o sócio-diretor, da LCA Consultoria, Fernando Camargo, no Brasil a metodologia leva em consideração a neutralidade, sem a descriminalização entre as tecnologias na transição energética. Ele ponderou que, ao levar em consideração a necessidade de reduzir as emissões de poluentes, é preciso pensar também na política pública. “Os países estão olhando para a suas possibilidades, capacidades e fatores competitivos e fazendo as escolhas que otimizem essas trajetórias ao longo do tempo.”

Biometano ganha destaque

O professor Coutinho ressaltou ainda que no Brasil a política pública precisa olhar com atenção os biocombustíveis em veículos pesados. “Especificamente o biometano é uma oportunidade relevante e eu creio que isso começou a ser entendido. Mas ainda é preciso um esforço tanto de convencimento, quanto de demonstração. E grandes empresas devem começam a considerar esse fato.”

Na visão do professor, o estado de São Paulo tem maior possibilidade de começar a desenvolver a infraestrutura de distribuição de biometano por ter grande concentração de matéria-prima a partir de resíduos.

O presidente do Conselho da Copersucar comentou que o biometano está começando a despertar o interesse de todos os setores e ganhando maturidade no Brasil para fortalecer ainda mais a matriz energética limpa. “É um processo de conscientização gradativa”, avaliou.

Copersucar investe no biometano

Com 37 usinas instaladas no Brasil, a Copersucar já tem uma que produz biometano. Segundo Pogetti, está em preparação uma segunda para a produção desse combustível. “A unidade que produz biometano trabalha fortemente para substituir os caminhões movidos a diesel por modelos que usam biometano.”

Para levar açúcar até o Porto de Santos com caminhões movidos a biometano a Copersucar está desenvolvendo um corredor de abastecimento e, por meio de parceria com os clientes, traz resíduos para alimentar o processo de produção de biomentano na usina. “É um projeto piloto com pouco caminhões, mas o biometano está começando a engatinhar”, revela. Conforme o executivo, há 20 anos ninguém falava em geração de energia elétrica no setor. Hoje todas as usinas são autosufucientes em energia elétrica e quase 50% exporta o excedente para a malha de energia. “Isso acontecerá também com o biometano que descarboniza, é eficiente e democratiza o uso”, disse.

Produção de gás e biometano

Segundo informou a presidente da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), Renata Isfer, o Brasil tem 885 plantas de biogás que, juntas, produzem 4,6 milhões de metros cúbicos por dia. Além disso, o país tem 20 plantas de biometano – seis autorizadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e 14 para autoprodução –, que produzem 985 mil metros cúbicos por dia.

Renata revelou ainda que, para 2029, estão mapeadas mais 66 plantas. “Considerando o potencial que há no país, com muitos centros consumidores, se houver políticas públicas tenho certeza que será possível atingir uma produção de 30 milhões de metros cúbicos de biometano por dia.”

A fabricante de motores e geradores, MWM, já produz motores movidos a biometano em sua fábrica de São Paulo. “Esses motores oferecem a mesma performance do modelo movido a diesel, e o consumo está na mesma paridade”, disse o CEO e presidente da empresa, José Eduardo Luzzi.

Segundo informou a presidente da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), Renata Isfer, o Brasil tem 885 plantas de biogás que, juntas, produzem 4,6 milhões de metros cúbicos por dia. Além disso, o país tem 20 plantas de biometano – seis autorizadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e 14 para autoprodução –, que produzem 985 mil metros cúbicos por dia

Capacidade para substituir 70% do diesel

Conforme informação da Abiogás, o potencial de biometano no Brasil pode substituir 70% do diesel. Essa produção vem da indústria sucroalcoleira, por meio da linhaça. “O potencial de produção de biometano no Brasil é significativo ao considerar toda a cadeia produtiva de proteína”, destacou Luzzi.

De acordo com o presidente da MWM, há números da fabricante que indicam que 11 suínos geram um metro cúbico de biometano, e o Brasil tem 22 milhões de suínos, cerca de 230 milhões de bovinos que emitem CO2 para a atmosfera. Ele acrescentou que, além de causar um passivo ambiental, é um ativo que não está sendo aproveitado. “Há também no país cerca de 2 milhões de aves poedeiras, de produção de ovos e de corte, que estão emitindo CO2 e têm potencial não explorado de produção de biometano.”

Potencial brasileiro

Luzzi destacou também a questão do saneamento e o do biogás, que é queimado nos aterros sanitários, e poderia gerar o biometano. “Tem os resíduos sólidos urbanos nas grandes cidades, material que está nas gôndolas dos supermercados em vias de vencer e quando vence vai para o aterro sanitário, sendo esse um material rico para a produção de biometano. O potencial do Brasil é extraordinário.”

Na avaliação de Luzzi, o veículo pesado terá várias rotas tecnológicas de descarbonização dependendo do nicho de atuação. “Não vamos ter uma única tecnologia para todos os veículos pesados, mas enxergamos que para os tipos de aplicação destes caminhões o biometano se mostra a solução economicamente mais viável.”

Luzzi considera que o biometano o caminho mais lógico para a descarbonização dos pesados no Brasil quando se leva em conta que um caminhão movido com este combustível terá o mesmo preço do modelo a diesel, pois o elétrico pode custar até três vezes mais. “A tecnologia existe, o combustível tem todo potencial para existir, o que temos que trabalhar é a política de estado, garantir a distribuição e a capilaridade do combustível e a produção competitiva no Brasil.”

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