As mudanças climáticas deixaram de ser um fenômeno distante para se tornar parte da rotina — e do balanço — das empresas de transporte no Brasil. Um estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) revela que sete em cada dez companhias do setor sofreram perdas financeiras causadas por eventos climáticos extremos nos últimos cinco anos.
A sondagem, realizada com 317 empresários de todos os modais e regiões do país, indica que o impacto é generalizado e tem aumentado. Quase um quarto das empresas estimou prejuízos acima de R$ 1 milhão, enquanto 10% disseram ter ultrapassado a marca dos R$ 5 milhões.
O efeito mais imediato aparece na operação. Segundo o levantamento, três em cada quatro empresas enfrentaram interrupções ou distúrbios logísticos causados por enchentes, secas, deslizamentos ou ondas de calor. Em muitos casos, houve necessidade de alterar rotas, suspender trechos, lidar com falta de insumos e até cortar pessoal. Em 72% das companhias atingidas, houve paralisação total da atividade; 9% ficaram sem operar por um mês ou mais.
A maior parte dessas empresas precisou recorrer a caixa próprio para reparar danos e retomar a operação, já que apenas 7,7% receberam algum auxílio público. A CNT aponta que o setor enfrenta uma “dupla pressão”: de um lado, infraestrutura fragilizada; de outro, custos crescentes para manter a atividade em funcionamento em meio a cenários climáticos adversos.
Ano marcado por extremos
Os números de 2024 ajudam a contextualizar a deterioração. A região Sul registrou 170 bloqueios em 79 rodovias devido a enchentes; mais de 1,3 mil municípios em todo o país enfrentaram secas severas; tempestades deixaram 250 mil estabelecimentos sem energia no Sudeste; no Norte, a estiagem histórica dos rios Negro e Solimões isolou comunidades e comprometeu o abastecimento básico.
Para a diretora executiva da CNT, Fernanda Rezende, os resultados mostram que o debate sobre clima e logística precisa deixar de ser periférico. “O setor já está sendo impactado de forma direta. Não se trata mais de risco futuro”, afirma. Ela defende investimentos em infraestrutura mais resistente, capacidade de resposta rápida e políticas permanentes de adaptação.
Vulnerabilidade por modal
A pesquisa mostra que cada modal de transporte sofre de forma diferente. O rodoviário — maioria entre os entrevistados — sente mais diretamente o impacto do calor, que acelera trincas e deformações no asfalto, e das chuvas intensas, que comprometem pontes e rodovias. O caso mais emblemático ocorreu no Rio Grande do Sul, onde a recuperação de estradas após as enchentes do ano passado ultrapassou R$ 18 bilhões.
No transporte ferroviário, o calor extremo pode empenar trilhos, enquanto chuvas fortes aumentam o risco de descarrilamento. No aquaviário, o rebaixamento de rios na Amazônia reduziu o deslocamento de mercadorias e passageiros. Já no setor aéreo, tempestades e ciclones intensificaram cancelamentos e atrasos.
Para Érica Marcos, gerente executiva ambiental da CNT, a adaptação passa por engenharia mais robusta, reforço de estruturas em áreas críticas e sistemas mais avançados de monitoramento meteorológico. “As empresas ainda atuam muito mais na reação do que na prevenção”, diz. Ela defende planos de contingência mais integrados, capacitação técnica e parcerias com centros de pesquisa para desenvolver soluções específicas.
Debate desloca foco do longo para o curto prazo
A principal conclusão da sondagem é que o setor já opera em um ambiente climático instável — e que os impactos deixam de ser exceção para se tornar rotina. A CNT defende que governos e empresas avancem na criação de linhas de financiamento voltadas à adaptação e na oferta de seguros climáticos, hoje praticamente inexistentes no segmento.
O estudo indica que, sem uma política pública integrada, o custo das mudanças climáticas continuará sendo absorvido diretamente pelas empresas — e, em última instância, repassado à economia e ao consumidor. “Não estamos discutindo apenas infraestrutura, mas a continuidade do serviço essencial que movimenta o país”, afirma Rezende.
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