Acidentes em rodovias federais voltam a subir e revelam fragilidades estruturais no país

Estudo da Fundação Dom Cabral mostra aumento da severidade das ocorrências entre 2018 e 2024, com pistas simples e grandes corredores logísticos concentrando os maiores riscos

Valeria Bursztein

A Fundação Dom Cabral (FDC) divulgou uma análise sobre a segurança viária nas rodovias federais brasileiras entre 2018 e 2024 —período marcado por oscilações nos volumes de tráfego, pela retomada econômica pós-pandemia e por alterações no perfil da circulação de cargas e passageiros.

O estudo revela que, embora a taxa de acidentes tenha variado ao longo dos anos, o país encerra 2024 com um patamar elevado tanto de ocorrências quanto de gravidade, indicando que os fatores estruturais da malha rodoviária continuam a pressionar os índices de segurança.

Segundo os dados consolidados pela FDC, as rodovias federais com Volume Médio Diário Anual (VMDA) acima de 1.000 veículos registraram 358.217 acidentes ao longo do período analisado. Entre eles, 64.525 foram classificados como de alta severidade — categoria que considera a combinação entre número de vítimas e o tipo de ocorrência — e 15.324 resultaram em feridos graves. O número de mortes também se manteve expressivo, com variações anuais, mas sempre acima das 4 mil vítimas, mesmo nos anos de menor mobilidade.

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Crescimento da sinistralidade e concentração em corredores logísticos

A evolução do número de acidentes mostra uma curva ascendente. 2024 registrou mais de 56 mil ocorrências, acima dos 51,4 mil de 2018. A análise por rodovias indica concentração em trechos de maior fluxo logístico, como BR-101, BR-116 e BR-381, que lideram o ranking de acidentes em todos os biênios estudados.

O fenômeno pode ser explicado pelo aumento do transporte rodoviário de cargas — que segue sendo responsável por mais de 65% da matriz logística brasileira — e pelo adensamento urbano ao longo desses corredores.

A taxa de acidentes (TAC), que neutraliza a influência do volume de tráfego, também apresenta tendência de alta. Já a taxa de severidade (TSAc) ― indicador que pondera o tipo de acidente ― chega ao fim do período com 9,88, acima do patamar de 2018. O número reforça que não apenas os acidentes cresceram, mas também sua gravidade relativa.

Pistas simples concentram maior risco

A infraestrutura da malha rodoviária segue sendo um fator central. Pistas simples respondem por 52,4% dos acidentes totais e lideram com folga as taxas de severidade, especialmente em colisões frontais e laterais.

Nas vias de pista dupla, apesar do volume de tráfego maior, a severidade é significativamente menor, indicando o impacto direto do padrão geométrico no risco viário. Trechos com traçado em “reta” (tangente) concentram 46,4% dos acidentes, mas curvas e declives apresentam maior proporção de ocorrências graves e fatais, evidenciando os desafios críticos de segurança que a geometria viária ainda impõe.

Noite e madrugada seguem mais letais

A distribuição por fase do dia indica que 54% dos acidentes ocorrem no período diurno, mas é à noite que a severidade se intensifica. As ocorrências em plena noite e no amanhecer concentram proporcionalmente mais mortes e feridos graves — combinação de baixa visibilidade, fadiga do motorista e menor fiscalização.

As condições meteorológicas reforçam a mesma tendência: 59,4% dos acidentes acontecem em céu claro, mas chuva e garoa elevam o risco de colisões graves, sobretudo entre veículos pesados.

Automóveis e caminhões-tratores lideram acidentes graves

O estudo mostra que automóveis representam 40,8% dos acidentes, mas os caminhões-tratores — veículos articulados e de maior porte — concentram 13,5% das ocorrências e aparecem de forma desproporcional nos acidentes severos.

Nos registros com vítimas fatais, eles ultrapassam a participação dos automóveis em diversos tipos de acidente, como tombamentos e colisões traseiras, reforçando o impacto do transporte de cargas no risco rodoviário. Motocicletas, embora representem 16,3% das ocorrências, são responsáveis por parcela significativa de feridos graves.

Recomendações

A FDC destaca que os dados revelam um quadro que exige respostas simultâneas em três frentes. A primeira é a infraestrutura: ampliar faixas adicionais em trechos críticos, duplicar corredores de alto fluxo e corrigir curvas, declives e interseções que concentram eventos de alta severidade.

A segunda é a gestão: reforçar a fiscalização direcionada, priorizar horários e trechos críticos e expandir programas de monitoramento inteligente. A terceira envolve comportamento e capacitação: ampliar campanhas educativas, programas para motoristas profissionais e políticas que enfrentem fadiga e excesso de jornada.

A entidade conclui que, sem intervenções coordenadas, a tendência é que o crescimento do fluxo logístico e da motorização mantenha os acidentes em patamar elevado e sugere: em um país onde mais de 60% do transporte de cargas depende das rodovias, a agenda da segurança viária precisa ser tratada como parte estratégica da competitividade nacional.  

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