Transporte Moderno – Como você avalia o momento atual da cabotagem de contêineres no Brasil?
Fabiano Lorenzi – O momento é extremamente positivo. A chegada da Norcoast aconteceu em um ponto em que o mercado estava sedento por novidades. Havia cerca de uma década sem entrada de novos operadores, e o setor vinha sendo atendido apenas pelos incumbentes. Nossa estreia trouxe uma oxigenação, uma energia nova. O impacto foi imediato: praticamente todo o crescimento do mercado — e até um pouco mais — acabou sendo absorvido pelos volumes que movimentamos. O ano passado foi histórico para nós e para a cabotagem de contêineres, com um avanço que confirmou o quanto esse modal ainda tem espaço para crescer.
Transporte Moderno – A Norcoast nasceu de uma combinação de forças entre empresas de perfis diferentes. Como foi essa construção?
Fabiano Lorenzi – É uma parceria muito sólida. De um lado, a Norsul, com 60 anos de história e profundo conhecimento do mercado brasileiro, especialmente na cabotagem de granéis. De outro, a Hapag-Lloyd, um armador centenário, global, com tecnologia, escala e eficiência operacional. Essa junção criou uma base robusta. A Norcoast surge com um DNA que une a tradição nacional com o alcance internacional. Essa composição é o que nos dá musculatura para competir e crescer num mercado desafiador como o brasileiro.
Transporte Moderno – Como tem sido o desempenho da Norcoast desde o início das operações?
Fabiano Lorenzi – Foi um começo muito promissor. O primeiro ano foi além das expectativas. A receptividade dos clientes tem sido excelente, nosso market share cresce de forma consistente e estamos conseguindo consolidar nossa marca como uma alternativa real de transporte costeiro. A cabotagem é um negócio sensível a variáveis econômicas, climáticas e operacionais — não há dois anos iguais —, mas conseguimos manter um desempenho muito próximo do planejado, mesmo diante de desafios como a seca severa de 2023, que impactou os níveis do Rio Amazonas. Este ano, as condições são mais favoráveis, o que traz otimismo. O segundo semestre é sempre forte, especialmente com a Black Friday e o aumento do consumo. A expectativa é fechar 2025 com volumes superiores aos do ano passado.
Transporte Moderno – Você participa do setor há 20 anos. O que mudou de lá para cá?
Fabiano Lorenzi – Mudou muita coisa. Em 2005, o Brasil movimentava cerca de 400 mil TEUs (contêineres de 20 pés). Em 2024, ultrapassamos 1,5 milhão de TEUs. Ou seja, o mercado praticamente triplicou em 20 anos. Isso mostra o amadurecimento do modal. Mas ainda há um enorme potencial pela frente. A cabotagem de contêineres representa apenas 3% da matriz de transporte nacional, enquanto o modal como um todo chega a 11%. Ou seja, estamos só arranhando a superfície. Há espaço para dobrar essa participação com planejamento, investimentos e conscientização do embarcador.
Transporte Moderno – Por que o embarcador brasileiro ainda hesita em usar a cabotagem?
Fabiano Lorenzi – Parte disso vem de uma questão cultural e de planejamento. A cabotagem exige uma organização logística diferente. É preciso pensar em estoque, fluxo e janelas de embarque. Durante muito tempo, o caminhão foi visto como sinônimo de agilidade e flexibilidade. Mas essa visão vem mudando. Os operadores evoluíram muito — tanto em infraestrutura quanto em qualidade de serviço — e os embarcadores se profissionalizaram. Hoje, cerca de 70% das cargas da cabotagem já operam no modelo porta a porta, contra 30% em 2005. O cliente quer simplicidade e previsibilidade, e é isso que oferecemos.
Transporte Moderno – E como a Norcoast atua nesse modelo porta a porta?
Fabiano Lorenzi – Nós cuidamos de toda a cadeia logística. Fazemos a contratação do transporte terrestre, do porto, do armazenamento e da entrega final. O embarcador fala apenas conosco e acompanha tudo pelo nosso portal, com rastreabilidade total. Somos integradores logísticos. Isso traz conveniência, visibilidade e redução de custos. E reforço: o caminhão é nosso parceiro, não concorrente. Ele é fundamental nas pontas, garantindo a agilidade do processo. A combinação entre modais é o que torna o sistema eficiente.
Transporte Moderno – Quais tipos de carga passaram a migrar para a cabotagem?
Fabiano Lorenzi – Temos exemplos interessantes. Transportamos chocolate e margarina, que exigem controle de temperatura e estabilidade. Muita gente duvidava que produtos sensíveis pudessem ser movimentados por navio, mas com os contêineres refrigerados e planejamento adequado, conseguimos provar o contrário. O resultado foi ótimo: menos avarias, qualidade preservada e mais economia. Esses casos ajudam a quebrar paradigmas e atrair novas cargas.
Transporte Moderno – O custo é um dos grandes atrativos?
Fabiano Lorenzi – Sem dúvida. Em alguns casos, o custo por tonelada pode ser até 50% menor que o do transporte rodoviário. É lógico que há variações — as operações portuárias e o tempo de trânsito impactam —, mas na média, a cabotagem é muito competitiva. E quando o embarcador entende que o tempo é parte do planejamento, o ganho é expressivo. Além disso, há um componente de segurança que pesa muito na decisão.
Transporte Moderno – Falando nisso, o índice de roubo é praticamente zero?
Fabiano Lorenzi – Exatamente. Essa é uma das grandes vantagens. O nível de roubo na cabotagem é praticamente nulo. Em um país em que o roubo de carga rodoviária ainda é um problema sério — principalmente de eletroeletrônicos, vindos da Zona Franca de Manaus —, a cabotagem oferece tranquilidade total e reduz o custo com seguro. É um diferencial decisivo para muitas empresas.
Transporte Moderno – E quanto ao aspecto ambiental, a cabotagem tem uma vantagem clara, certo?
Fabiano Lorenzi – Sim, uma enorme vantagem. A cabotagem emite de quatro a cinco vezes menos CO₂ por tonelada transportada do que o rodoviário. Em alguns casos, a redução chega a 89%. Esse dado é poderoso, especialmente para embarcadores comprometidos com metas ESG e redução do chamado escopo 3 das emissões. O simples fato de transferir parte das cargas do asfalto para o mar já representa um ganho ambiental imenso.
Transporte Moderno – Há espaço para dobrar a participação do modal na matriz?
Fabiano Lorenzi – Eu acredito que sim. Passar de 3% para 6% seria extraordinário, e é plenamente possível. Mas há dois grandes gargalos: infraestrutura portuária e mão de obra qualificada. Nossos portos já operam muito próximos do limite, e ainda enfrentamos problemas de acesso, pátios e retroáreas. Além disso, há um déficit de tripulantes e oficiais. Um navio de 3.500 contêineres precisa de 42 pessoas a bordo, e hoje não temos formação suficiente para atender essa demanda. Estamos trabalhando com a Marinha e a ABAC para desenvolver programas de formação e reposição de profissionais.
Transporte Moderno – Esse gargalo de mão de obra já é sentido na prática?
Fabiano Lorenzi – Sim. Há uma geração de profissionais experientes se aposentando e uma lacuna de novos talentos chegando. Precisamos formar oficiais, tripulantes, pessoal de apoio técnico — é uma estrutura complexa. A cabotagem cresceu rápido e a oferta de mão de obra não acompanhou na mesma velocidade. Felizmente, o diálogo com a Marinha tem sido muito positivo, e há iniciativas sendo desenhadas para preparar o setor para esse novo ciclo.
Transporte Moderno – A BR do Mar trouxe avanços para a cabotagem?
Fabiano Lorenzi – Trouxe, sim. A Lei 14.301, que criou o programa BR do Mar, foi um marco. Ela deu segurança jurídica para o investidor, clareza para os operadores e previsibilidade para o setor. Hoje o desafio não é mais regulatório, e sim físico: precisamos de mais infraestrutura e de uma rede de apoio logística que permita o crescimento sustentável. A regulação é um pilar importante desse tripé, que também inclui investimento e qualificação profissional.
Confira a entrevista na íntegra na edição nº 529 da Transporte Moderno, que já está no ar! Acesse aqui
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