Reposição é a nova engrenagem das autopeças

O mercado de reposição assume papel estratégico no caixa das fabricantes de autopeças, que aceleram em serviços, tecnologia e expansão internacional

Sonia Moraes

Em um cenário em que financiar um caminhão ficou mais caro, a produção de veículos pesados encolheu e as vendas recuaram, mas a indústria de autopeças seguiu na contramão. Puxada pelo mercado de reposição, que tem se mostrado cada vez mais estratégico, não só driblou os efeitos dos juros altos como também acelerou o ritmo de crescimento. O setor encerrou 2024 com desempenho positivo no faturamento nominal, tendo bom resultado proveniente do mercado de reposição, que aumentou 13,6% – com incremento de 16,7% nas vendas para a linha leve e de 1,4% para a linha pesada –, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças).

A curva de crescimento continuou neste ano. Em janeiro, o faturamento das empresas cresceu 18,4% na comparação com dezembro e 20,6% em relação ao mesmo mês do ano anterior, quando as vendas para a reposição aumentaram 13,1%, puxadas pelos veículos pesados que avançaram 39%.

O Sindipeças avalia o resultado de janeiro como o melhor no pós-pandemia, mesmo considerando que o primeiro mês do ano costuma ser atípico por conta das interrupções para ajustes técnicos, revisões do planejamento estratégico, férias de verão, entre outros fatores.

No primeiro bimestre, o faturamento das autopeças teve incremento de 19,7%, com vendas favoráveis em todos os canais de distribuição – montadoras, alta de 18,7%, exportações de 34,7% e reposição de 13,7%. Mas o Sindipeças destaca que o resultado positivo é reflexo da evolução estrutural positiva do mercado da reposição. “Com destaque para o crescimento em termos nominais de 12,8% das vendas para a linha leve e de 18,0% em para a linha pesada.”

No primeiro trimestre, o avanço na receita líquida nominal foi de 17,8% em relação à igual período de 2024, e o crescimento das vendas ao mercado de reposição aumentou 14,31%, destacando a força deste segmento para as empresas.

No primeiro quadrimestre de 2025 o aumento no faturamento nominal foi de 15,0% em relação aos quatro meses do ano passado. Em termos reais o crescimento foi de 11,4%. As vendas diretas para as montadoras garantiram às empresas um incremento de 14,5% – em termos reais, o aumento foi de 10,9%. Ao mercado de reposição o avanço foi de 11,2%.

As exportações em reais contribuíram com 23,4% ao faturamento das empresas nos quatro meses deste ano, quando comparado com igual período do ano anterior. Em dólar, o aumento foi de 6,1%. O Sindipeças atribui esse resultado positivo ao momento favorável por conta da recuperação das vendas automotivas nos países da América do Sul, principalmente a Argentina.

Nos cinco meses de 2025 o avanço no faturamento nominal foi de 15,2% quando comparado com o mesmo período do ano passado. Em reais o crescimento foi de 11,7%. As vendas diretas para as montadoras apresentaram crescimento de 15,6% – em termos reais o aumento foi de 12,1%. O mercado de reposição mostrou um incremento de 10,8%, com elevação de 7,36% da linha pesada. Em reais a alta foi de 7,4%, tendo um avanço de 4,13% da linha pesada.

As exportações em reais garantiram aumento de 19,4% ao faturamento nominal das empresas até maio deste ano, quando comparado com os cinco meses do ano anterior. Em dólar o aumento foi de 3,85%. E as vendas intrassetoriais garantiram crescimento de 13,2%. Em reais o aumento foi de 9,61%.

As fabricantes de autopeças Schaeffler, Continental, Randoncorp e a SKF revelam para a Transporte Moderno quais as expectativas para o mercado de reposição, diante do alto custo para o financiamento dos veículos pesados como reajuste da Selic – taxa de referência da economia – fixada em 14,75% ao ano pelo Banco Central. Esse aumento

já começou a impactar o mercado de caminhões com a queda de 10,6% na produção e de 14,1% nas vendas de modelos pesados de janeiro a maio deste ano.

Na era dos serviços e da tecnologia

A Schaeffler prevê grande crescimento no serviço de reparação de caminhões e ônibus urbanos nos próximos anos, o que deverá impulsionar o mercado de reposição.

“Notamos que a reparação automotiva está crescendo muito e nem teve baixa durante a pandemia, quando foi considerado serviço essencial a manutenção de veículos, principalmente os pesados que fazem entregas”, afirma Rubens Campo, vice-presidente sênior Schaeffer Vehicle Lifetime Solutions (VLS).

Na Schaeffler, a área de reposição tem participação expressiva globalmente, com importância ainda maior na América do Sul, onde a companhia tem alcançado grande crescimento, segundo Campo. O executivo destaca que na linha de veículos pesados é comum entre os grandes frotistas a manutenção preventiva e, para facilitar o trabalho de reparação, a Schaeffler oferece treinamento técnico para capacitar os mecânicos.

Diante das perspectivas promissoras, a Schaeffler prepara para o segundo semestre deste ano o lançamento sensor de óxido de nitrogênio (NOx) ao mercado de reposição. Será o seu primeiro fornecimento após a aquisição, em outubro do ano passado, da Vitesco Technologies, fabricante de componentes eletroeletrônicos para o setor

automotivo. Esse produto, que controla a emissão de gases de caminhões e ônibus, tem 90% de participação nas montadoras no fornecimento global.

No setor automotivo, a Schaeffler é reconhecida pelas marcas LUK, que faz embreagens; INA, que produz motores, e a FAG, que fabrica rolamentos de rodas que equipam caminhões e ônibus no mundo. Para ampliar a participação em todo o ecossistema de reparação, a companhia alemã, conhecida como Schaeffler Automotive Aftermarket, fez alteração global na sua identificação. Desde abril deste ano, passou a ser chamada Schaeffler Vehicle Lifetime Solutions (VLS) para criar valor nos serviços e sistemas de motor, transmissão e powertrain, além de novas tecnologias digitais e modelos de negócios

Mais global e mais forte

A Randoncorp espera um crescimento de mais de 20% das suas empresas de autopeças no mercado de reposição de caminhões e ônibus. Além de diversos lançamentos de produtos, a empresa aposta no bom desempenho dos seus negócios com a aquisição da European Braking Systems (EBS), distribuidora britânica de sistemas de freios para veículos comerciais.

A companhia, reconhecida no mercado brasileiro com a produção de implementos rodoviários, tem as autopeças como grande vetor para o crescimento, com 70% de participação nos seus negócios. Essa divisão é composta pela Suspensys, que faz eixos para caminhões, a Castertech, que produz tambores e discos de freios, a Master, que fabrica freios, e a Jost, que faz a quinta roda e peças de acoplamento dos veículos pesados.

“Com as aquisições feitas pela Frasle e as demais empresas de autopeças, o setor de reposição vem ganhando representatividade na organização”, afirma Ricardo Escoboza, vice-presidente executivo América do Sul da Randoncorp.  “Isso ocorre pelo fato de a empresa estar mais perto dos clientes e detalhar os produtos em diversos canais da cadeia automotiva e junto às montadoras”, explica o executivo.

Com a presença em todas as fabricantes de caminhões e ônibus por meio do fornecimento de peças originais, a reposição se torna um elo bastante forte nessa cadeia automotiva, segundo Escoboza. “Estamos sempre presente para oferecer a melhor solução para os fabricantes de veículos e ter produtos originais para o setor de reparação automotiva.”

Na trilha dos pesados

A SKF, fabricante sueca de rolamentos, está confiante no avanço dos seus negócios no mercado de reposição. A empresa, que tem grande tradição no segmento industrial, avançou bastante no setor automotivo, tendo em todo veículo que sai da montadora 70% de suas peças, tanto rolamento quanto vedações.

“A empresa vem tendo um ganho expressivo na reposição”, afirma Mauricio Ribeiro, gerente nacional de vendas da SKF para reposição automotiva no Brasil.

Hoje, metade do que a SKF vende no mercado automotivo é para reposição e o segmento de pesados, que antes representava 8% dos negócios, tem hoje 20% de participação. “Foi uma virada de chave muito grande com a minha chegada na companhia porque eu venho do segmento de pesados e foi um potencial enorme que encontrei aqui”, comenta Ribeiro.

“No mercado de pesados, a empresa tem concentrado grande foco na linha de rolamentos e vedações. Vivenciamos um momento mais favorável e estamos complementando o portfólio com produtos que fazem parte do DNA da companhia, a qual é o rolamento. Estamos trazendo da Europa o produto com as configurações dos veículos feitos no Brasil”, revela o gerente.

Ribeiro ressalta que a SKF não quer toda a fatia do mercado de reposição, mas disponibilizar produtos para veículos com eixo tracionado e eixo do baú, por considerar que a qualidade e a segurança estão na tração. “A SKF tem boa perspectiva para o mercado de reposição porque a frota está envelhecendo e a inflação pressionou muito o orçamento das empresas e temos no Brasil mais de 850 mil homens que vivem do seu caminhão. E esse pessoal foca muito no quesito preço”, destaca o gerente.

No centro da estratégia

Na Continental, a reposição tem ganhado relevância, respondendo atualmente por 30% das suas vendas, e a empresaestá confiante na expansão deste mercado. De 2019 a 2023, o faturamento da companhia dobrou no mercado de reposição e a projeção é crescer 300% até 2028.

“O Brasil tem uma frota de veículos pesados relativamente antiga e uma taxa de juros aumentando, dificultando o financiamento. Com os dois fatores combinados, esperamos um incremento expressivo na reposição de veículos pesados, com aumento no nível de reparo dos caminhões”, afirma Ricardo Rodrigues, diretor de veículos comerciais da Continental no Brasil.

O executivo também conta com a retomada forte da agricultura para ampliar o serviço de manutenção e manter os caminhões em dia.“A Continental está olhando muito para isso. Investindo, inserindo novos produtos, digitalizando a rede de apoio, trazendo soluções mais tecnológicas e mais modernas aos clientes para que eles possam atender melhor os seus clientes e tirar dali o melhor para os seus negócios”, diz Rodrigues.

Um dos produtos que a empresa espera grande crescimento na reposição é a linha de tacógrafos. O seu mais recente lançamento para atender as montadoras e o mercado de reposição é o tacógrafo digital BVDR 2.0, da marca VDO. Esse componente atua como uma “caixa preta” do caminhão ou do ônibus, registrando os dados de desempenho e de comportamento do veículo e do motorista, incluindo velocidade, distância percorrida e período de condução. E as informações poderão ser utilizadas em treinamentos de condutores, para determinar as causas e responsabilidades em casos de irregularidades ou acidentes, além de atenderem às normas de trânsito vigentes.

Com a sua fábrica instalada em Guarulhos (SP), a Continental produz tacógrafos, painéis de instrumentos para veículos leves e pesados, além de itens de reposição sob as marcas VDO, utilizada para linhas de injeção eletrônica, temperatura, relés, instrumentação e sensores, e ATE, usada para sistemas de freios. 

O diretor da Continental avalia que a regulamentação do Mover, com US$ 19,2 bilhões de recursos para os próximos cinco anos, sendo US$ 6,8 bilhões para este ano, permite incrementar os desenvolvimentos e investimentos em engenharia aplicada às demandas do mercado brasileiro. “É um fomento positivo que fará a companhia trazer mais engenharia para o Brasil, além de investimentos em novas linhas, em novas tecnologias associadas à sustentabilidade”, afirma Rodrigues.

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