TM – Como a ATP avalia as recentes tarifas de importação impostas pelos EUA a produtos brasileiros?
Gabriela Costa – A Associação de Terminais Portuários Privados (ATP) entende que grandes alterações nas regras do comércio internacional, como a recente imposição de tarifas de importação por parte dos Estados Unidos e as contramedidas adotadas por outros países, configuram movimentos que devem ser analisados com cautela sob a ótica dos riscos e das oportunidades que oferecem.
Nesse contexto, é fundamental que o Brasil adote uma postura estratégica, considerando os impactos potenciais sobre cadeias produtivas nacionais que concorrem diretamente com o setor produtivo norte-americano em mercados relevantes. É o caso, por exemplo, da soja e de outros cereais exportados em larga escala para a China, bem como do suco de laranja, que tem o mercado europeu como um dos principais destinos.
Tais medidas podem, em determinadas circunstâncias, alterar fluxos comerciais internacionais e abrir espaços importantes para a inserção ampliada de produtos brasileiros. Cabe, portanto, ao Brasil compreender com precisão as dinâmicas geopolíticas e comerciais em curso, atuando de forma coordenada na formulação e negociação de acordos comerciais que aumentem a participação do país em mercados estratégicos.
TM – Já é possível identificar impactos práticos nos volumes de exportação das empresas associadas? Quais setores representados pela ATP foram mais diretamente afetados até o momento?
Gabriela Costa – Ainda que seja prematuro mensurar com precisão os efeitos de médio e longo prazo das novas tarifas impostas pelos Estados Unidos, já é possível observar alguns reflexos práticos sobre a logística internacional.
Um dos principais efeitos percebidos é a escassez de contêineres, causada pelo aumento expressivo da demanda para embarques antecipados a partir da Ásia, especialmente da China, na tentativa de evitar os custos adicionais decorrentes das novas tarifas. Essa pressão sobre a infraestrutura logística pode gerar gargalos nos portos de origem e dificuldades no reposicionamento de unidades vazias, criando um ambiente de incerteza e instabilidade para o comércio exterior (situação similar ao ocorrido durante a covid-19)
Além disso, essa conjuntura pode provocar elevações significativas nos custos de frete dos navios porta-contêineres, o que pode afetar diretamente a competitividade de segmentos exportadores que utilizam majoritariamente esse tipo de transporte.
TM – As empresas associadas já estão reavaliando suas estratégias de exportação em função dessas medidas? Há movimentações para diversificar mercados ou redirecionar cargas a outros destinos?
Gabriela Costa – As empresas associadas à ATP acompanham com atenção o cenário internacional, mas ainda se encontram em fase de análise frente a um contexto marcado por elevada incerteza. As recentes tarifas impostas pelos Estados Unidos vieram acompanhadas de medidas espelhadas por parte de outros países, o que torna essencial compreender, com precisão, quais dessas ações são direcionadas exclusivamente a produtos ou cadeias ligadas aos EUA, e quais podem afetar cadeias globais de forma mais ampla.
Neste momento, as decisões estratégicas — como a diversificação de mercados ou o redirecionamento de cargas — dependem de uma leitura apurada das medidas já anunciadas, bem como daquelas que ainda estão sendo delineadas no plano internacional.
Adicionalmente, destaca-se a publicação da Lei nº 15.122/2025, ocorrida em 14 de abril, que institui um mecanismo jurídico de resposta a medidas unilaterais adotadas por países ou blocos econômicos que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira. A nova norma autoriza o Poder Executivo, em articulação com o setor privado, a suspender concessões comerciais, compromissos de investimentos e obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual, a título de contramedida.
Ainda não é possível aferir com clareza os efeitos práticos dessa legislação sobre as estratégias empresariais, mas sua promulgação insere-se em um movimento mais amplo de reposicionamento do Brasil frente às transformações do comércio internacional, o que deve ser considerado na formulação de eventuais ajustes de rota por parte dos exportadores nacionais.
TM – Os terminais privados têm capacidade logística e infraestrutura para essa eventual readequação de fluxos comerciais?
Gabriela Costa – Essa é, sem dúvida, uma questão importante e que deve ser analisada com cautela. Muitos Terminais de Uso Privado (TUPs) no Brasil já operam com cadeias logísticas bem definidas e estruturadas, com fluxos de importação e exportação altamente especializados e, em alguns casos, integrados. É o caso, por exemplo, de terminais que exportam aço para os Estados Unidos e, na mesma rota de retorno, realizam a importação de carvão oriundo do Alabama, aproveitando os mesmos navios.
Essa lógica operacional foi sendo consolidada ao longo do tempo, permitindo a montagem de uma estrutura logística eficiente, com redução de custos, otimização de ativos e maior previsibilidade para os usuários. Além disso, determinados terminais já atendem a requisitos regulatórios e operacionais específicos de seus mercados de destino, como as certificações exigidas pelo governo norte-americano para embarcações com destino aos EUA — especialmente no que se refere à segurança. Essas certificações visam mitigar riscos e reduzir o tempo de permanência dos navios nos portos de destino.
Transporte Moderno — Quais são os desafios logísticos e regulatórios envolvidos na readequação dos terminais portuários brasileiros diante de mudanças nos fluxos comerciais internacionais?
Gabriela Costa – Eventuais readequações nos fluxos comerciais — seja por alteração de mercados compradores, por mudanças na política internacional ou por restrições operacionais — exigiriam, inevitavelmente, um processo de readaptação dos terminais, tanto do ponto de vista logístico quanto regulatório. Seria necessário avaliar os novos padrões técnicos exigidos por outros países, potenciais ajustes nas certificações já adotadas e os impactos operacionais dessa transição.
Portanto, embora os terminais privados brasileiros demonstrem elevada capacidade operacional e flexibilidade, a readequação de fluxos comerciais não é trivial e envolve custos, tempo e uma análise técnica e jurídica criteriosa para assegurar a continuidade e a eficiência das operações.
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