A atividade econômica do Brasil está indo bem, mas os indicadores financeiros se comportando desfavoravelmente e o grande desafio do governo em 2025 é ajustar as contas públicas, segundo Antonio Lanzana, economista e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).
Em sua palestra sobre a “Situação Atual da Economia Brasileira e Expectativas e Desafios para 2025”, durante evento de confraternização do Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários (Simefre) realizado em São Paulo, o economista destacou que o cenário fiscal do Brasil vem se agravando. O gasto público está crescendo acima de 7% em termos reais e a dívida pública subiu de 71,7% em dezembro de 2022 para 78,6% em setembro de 2024 e as previsões são que chegue a 84% do PIB no final de 2026.
Segundo Lanzana, o governo vai ter que tomar medidas pesadas para conseguir uma queda brusca da taxa de câmbio e a viabilização de corte da taxa de juros. “O governo vai ter que cortar o excesso de demanda e no primeiro momento o instrumento é subir a taxa de juros que deve atingir 12% em 2024 e em meados de 2025 (até o final do primeiro trimestre) vai para 14%. No final do ano que vem começa a cair, ficando em 12,5% ao ano, porque o impulso fiscal será menor.”
A previsão do economista ficou abaixo do índice fixado pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) para a Selic (taxa de juros da economia), no dia 11 de novembro, que foi para 12,25%, com o aumento de um ponto percentual, enquanto se esperava alta de 0,75%.
Na análise do professor, a inflação deve fechar em 4,5% em 2025. “O câmbio depende muito de medidas que o governo vai anunciar na área fiscal. Se o governo adotar novas medidas, a nossa expectativa é que o câmbio tenha redução, chegando a 5,70%. E o PIB vai crescer 2%.”
Lanzana explicou que a desaceleração que o país terá no próximo ano é necessária. “Mas não vejo nenhum risco de queda de atividade e recessão. É uma reacomodação em um patamar um pouco mais baixo porque o Brasil não tem investimentos suficientes para crescer 3% e 3,5% ao ano.”
2024 em dois períodos
O economista dividiu 2024 em dois períodos – de janeiro a setembro e de outubro a dezembro – devido ao comportamento diferente da economia ao longo desses trimestres. De janeiro a setembro o Brasil houve um crescimento muito forte do PIB, de 3,3%, em comparação com o mesmo período de 2023. “Esse crescimento poderia ter sido maior se não fosse o resultado negativo da agricultura, em menos 3,5%. Não é que a agricultura está estrangulada é que fatores climáticos derrubaram a produção, mas em 2025 vai se recuperar”, afirmou Lanzana.
Os demais setores industriais tiveram bom desempenho, com crescimento de 3,5%. A indústria extrativa mineral cresceu 2%, de transformação 3,2%, construção civil 4,1%, de eletricidade e gás 6,1%. O setor de serviços expandiu 3,8%, tendo 3,5% de alta no comércio, 3,6% nas atividades imobiliárias, 4,3% nas instituições financeiras, 1,9% administração, saúde e educação públicas e 3,4% em outros, conforme mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Lanzana comentou que háum crescimento generalizado na indústria no Brasil de janeiro a outubro de 2024 em relação ao mesmo período de 2023. Bens de capital cresceu 8,3%, bens intermediários 2,6%, bens de consumo duráveis 9,8% e bens de consumo não duráveis 3,4%.
Um ponto destacado pelo economista são os impactos das transferências do governo sobre as vendas do comércio, com o maior número de transferências no Norte e no Nordeste. “As vendas do comércio no norte e nordeste estão crescendo muito mais rapidamente do que o restante do Brasil e boa parte desse crescimento tem a ver com as transferências governamentais, via bolsa família, benefícios de prestação continuada e aposentadorias.”
O que tem impulsionado a atividade econômica neste ano é a política fiscal extremamente expansionista. “O governo antecipou R$ 90 bilhões de precatórias, antecipou 13º dos aposentados, tem reajustado o salário mínimo acima da inflação. O benefício de prestação continuada (BPC), que é a transferência que o governo faz para as pessoas que têm dificuldade para trabalhar e não contribuíram com o INSS, cresceu 20% acima da inflação.”
As medidas do governo impulsionaram fortemente a atividade econômica e hoje o Brasil tem um mercado de trabalho bastante aquecido e com falta de mão de obra. “O mercado aqueceu com este cenário, a massa de rendimento está crescendo muito acima da inflação, acima da produtividade. Foram criados 2,1 milhões de empregos formais de janeiro a outubro de 2024 e outro fator que está impulsionando é o crédito, que cresceu 11% em outubro em relação ao mesmo mês de 2023, além do programa desenrola criado pelo governo”, detalhou Lanzana.
O economista separou o quarto trimestre em dois momentos – o lado real e o lado financeiro da economia. “Do lado real a atividade do país continuou crescendo no quarto trimestre, alguns indicadores de outubro de 2024 em relação a outubro de 2023, mostram que o PIB vai crescer perto de 3,5% este ano. A indústria cresceu 5,8%, autoveículos 24,7%, a quantidade de importados aumentou 34,2% e as vendas reais da Black Friday em 6,1%”, comparou Lanzana.
Mas, se de um lado a variável real da economia continua boa, do lado financeiro os indicadores preocupam. “Houve uma frustração enorme com as medidas fiscais anunciadas pelo governo, o que fez o dólar atingir R$ 6, as ações caírem 4,5%, os juros futuros irem para 14,5%, com o risco Brasil subindo para 5,4%”, detalhou o economista.
“Temos uma deterioração de expectativas no último trimestre em função das medidas fiscais. O anúncio fiscal mostrou que a ala política do governo se sobrepõe à área econômica. Os cortes de gastos foram superestimados. Há uma pressão muito grande de despesa com saúde, educação, salário mínimo, previdência. Não desindexou nada disso. Então o mercado se frustrou.”
Lanzana citou também a taxação de itens que juridicamente são isentos de imposto de renda, como a distribuição de dividendos, Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letra de Crédito Imobiliário (LCI). “As medidas do governo não são suficientes para parar de crescer os gastos públicos e as expectativas de inflação estão piorando. Este ano a inflação vai passar do teto, já está em 4,80%, a meta é 4,50%. A taxa de câmbio em R$ 6,00 está fora de lugar devido a um movimento de especulação, mas ela cede um pouco no fim do ano para R$ 5,90.”
Na avaliação de Lanzana, a economia brasileira vive hoje um excesso de demanda. “Temos no Brasil ‘dois pilotos dentro do carro, um acelerando e outro pisando no freio’, mas o efeito de quem acelera está maior do que o contrário. A política fiscal do governo gasta e a política monetária do Banco Central segura.”
Este quadro, segundo o economista, está começando a se agravar porque está expandindo a demanda, mas a oferta da economia brasileira é limitada. “A taxa de investimento do Brasil, de janeiro a setembro, é de 17% do PIB. Para crescer 3,5% a 4% é preciso investir de 21% a 22% do PIB. Um dos fatores é o baixo investimento público. A produtividade no Brasil está estagnada 10 anos.”
Os indicadores que mostram que a demanda está muito grande no Brasil é o aquecimento do mercado de trabalho. “A dificuldade de contratar mão de obra é generalizada. Temos a menor taxa de desemprego da série da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 6,2%, no mês de outubro. Mas, por outro lado temos as exportações perdendo fôlego. De janeiro a outubro ficou em 0,5%, mas em outubro o índice de crescimento foi negativo em 0,7%, enquanto as importações estão subindo muito, fecharam janeiro a outubro em 9,5% de crescimento e somente em outubro o avanço foi de 22,5%.”
Segundo Lanzana, isso ocorre porque há excesso de demanda e a oferta não responde. “Então, se reduz as exportações e aumenta as importações. Em quantidade de produtos o Brasil importou em outubro 34,2% a mais, do que o país importava há um ano. Tudo isso é indicador de que estamos enfrentando excesso de demanda. A indicação do nível de utilização da capacidade instalada na indústria é a maior dos últimos 10 anos.
Cenário mundial
Lanzana mostrou em sua apresentação que a inflação muito forte no mundo logo depois da pandemia está cedendo e isso cria um espaço importante para os governos reduzirem as taxas de juros. “Os Estados Unidos são a maior referência, mas os juros estão caindo também na Europa, na China e em outros países. O mundo está crescendo, algo próximo do que vai crescer o Brasil também, mas cresce menos do que o período da pré-pandemia porque ainda tem ajustes, excessos de gastos por causa da pandemia, que precisam ser corrigidos.”
Juros caem em níveis menores nos Estados Unidos
Segundo Lanzana, nos Estados Unidos os juros não vão cair nos níveis que estavam caindo anteriormente. “A economia americana continua aquecida (PIB cresceu 2,8% no terceiro trimestre), mas o governo americano tem um déficit público de 6% do PIB e a dívida PIB dos Estados Unidos vai continuar subindo – em 2024 deve ser de 123% e a expectativa é de 134% em 2029. Esse cenário com déficit elevado e dívida crescente tende a se agravar com a política de Donald Trump. Ele quer reduzir imposto para atrair empresas, vai aumentar tarifa de importação principalmente da China, vai ter pressão forte sobre imigração, que tem peso relevante na mão de obra do país. “O que vai gerar dúvida maior e qual é a intensidade e o prazo dessas medidas. Se vai haver alguma negociação antes de tomar as medidas anunciadas, ou se ele vai impor rapidamente.”
Argentina: expectativa de crescimento em 2025
Em 12 meses – dezembro de 2022, 2023 e outubro 2024 – a inflação está caindo em todas as regiões do mundo. Na zona do euro, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Argentina, Turquia e Brasil. “O que chama a atenção é a queda da inflação ainda lenta na Argentina, de 211,4 em dezembro de 2023 para 193,0 em outubro de 2024. “Mas a Argentina tem um processo bem feito. Vai custar caro no primeiro momento, mas deve conduzir a uma arrumação na economia e, depois de dois anos de recessão, a expectativa é que a reforma do governo Javier Milei vai alavancar crescimento em 5,0% em 2025”, disse Lanzana.
China: processo de desaceleração da economia
Em sua apresentação o economista destacou quehouve um arrefecimento de crescimento da economia mundial, que deve crescer 3,2% em 2024 e 2025. “Boa parte desse arrefecimento no crescimento vem da menor expectativa de crescimento da China. Não vamos ter mais a China crescendo 7%, 8%, 9% e 10% – o PIB cresceu 4,6% no terceiro trimestre de 2024 em cima de uma base muito baixa. Não é recessão, mas a China vai entrar em processo de desaceleração econômica com crescimento oscilando entre 4% e 4,5% ao ano.
Segundo Lanzana, a China tem um problema estrutural proveniente da queda no preço do imóvel. Estimam-se que as províncias devem cerca de US$ 10 trilhões. “O governo reduz a taxa de juros e não consegue estimular consumo porque as famílias tiveram seu patrimônio fortemente reduzido com crise do mercado imobiliário.”