Chineses vão avançar, mas rede e pós-venda ainda protegem as marcas tradicionais, diz executivo da Mercedes-Benz

Para além do preço de compra, incerteza sobre o valor de revenda dos caminhões chineses entra no cálculo do transportador e pode influenciar o ritmo de adoção das novas marcas no país

Aline Feltrin

A chegada das montadoras chinesas ao mercado brasileiro de caminhões é vista como inevitável por Jefferson Ferrarez, vice-presidente de vendas, peças e serviços da Mercedes-Benz do Brasil. Diferentemente do que ocorreu no segmento de automóveis, porém, a disputa nos veículos comerciais tende a ser mais lenta e complexa, abrindo uma janela de reação para as fabricantes já estabelecidas no país.

“Eu acredito, sim, que a China vai vir forte, não tenho dúvida disso, como está indo em vários países”, afirma Ferrarez. “Mas o veículo comercial é diferente do automóvel. Aqui, o cliente precisa de uptime. Ele não pode correr o risco de ficar com o caminhão parado aguardando manutenção, revisão ou peça.”

Segundo o executivo, essa exigência operacional funciona como uma barreira relevante à entrada de novos competidores. Experiência em pós-venda, capilaridade da rede de concessionárias e capacidade de atendimento técnico seguem como vantagens competitivas das marcas tradicionais. “As empresas que estão aqui há mais tempo sabem lidar com essa necessidade do cliente. Isso ainda nos dá uma vantagem, mas não dá para se acomodar”, diz.

Ferrarez destaca que estruturar uma rede de concessionários voltada a veículos comerciais exige investimentos elevados e um perfil de investidor distinto daquele do mercado de automóveis. “É difícil ter investidor de caminhão para atender tecnicamente a necessidade do cliente. É um negócio muito mais complexo”, afirma.

Valor de revenda e custo total

Outro ponto de atenção, na avaliação do executivo, é o valor de revenda dos caminhões chineses no mercado brasileiro. “Ainda é muito cedo para saber como isso vai funcionar. Mas o cliente faz essa conta para todas as marcas, e vai fazer para o chinês também”, diz.

Para o transportador, o preço de aquisição é apenas uma das variáveis. O que pesa, segundo Ferrarez, é o custo total de operação ao longo do ciclo de vida do veículo. Nesse contexto, a ofensiva chinesa pressiona as fabricantes tradicionais a ajustarem suas estratégias. “Isso nos dá um pouco mais de tempo para pensar em como reagir. Mas, no final, a gente vai ter que ganhar. Não tem jeito.”

A resposta, segundo ele, passa por escala, eficiência e produtos mais competitivos. “No preço, não vai dar para competir. Então temos que competir em eficiência.” Ao comentar a nacionalização como instrumento de competitividade, especialmente frente às marcas chinesas, Ferrarez pondera que qualquer decisão depende de escala.

No caso dos caminhões elétricos, ele é direto: “O Brasil não tem mercado para caminhão elétrico hoje. Daqui a cinco anos, pode até existir um mercado pequeno, mas não chega a 10% do total. Isso não viabiliza nacionalização.”

Ofensiva chinesa ganha corpo

Fabricantes como Sany, JAC Motors e Foton avançam com planos industriais, ampliação de portfólio e, no caso de Sany e Foton, aposta em eletrificação, o que pode redesenhar o transporte de cargas no país.

Em entrevista ao portal Transporte Moderno, o coordenador de cursos automotivos da Fundação Getulio Vargas (FGV), Antonio Jorge Martins, afirmou que a estratégia das chinesas segue uma lógica clara. “Elas chegam porque têm escala, tecnologia e urgência em expandir”, diz.

A escala ajuda a explicar a agressividade comercial. A Foton, por exemplo, produz cerca de 600 mil caminhões por ano na China — volume equivalente a aproximadamente seis vezes todo o mercado brasileiro. Essa capacidade industrial reduz custos unitários e amplia o espaço para competição via preço.

A JAC Motors retorna ao Brasil em nova fase, com operação própria focada em caminhões a diesel, enquanto a divisão de elétricos permanece sob gestão do empresário Sérgio Habib. O plano inclui a instalação de uma fábrica CKD ou SKD até 2027 e a expansão da rede para cerca de 60 concessionárias em menos de três anos.

Já a Foton encerra 2025 com seu melhor desempenho histórico no país, acelera a montagem local em Caxias do Sul (RS) e prepara a expansão da capacidade produtiva para 14 unidades por dia até o fim de 2026. Com apoio logístico da Cosco, uma das maiores operadoras marítimas do mundo, a empresa planeja transformar o Brasil em um hub industrial e logístico para a América Latina.

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