A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do roubo de cargas foi instalada no Congresso Nacional em 16 de maio de 2000 e nascia com uma missão ambiciosa: lançar luz sobre um crime que, à época, já somava mais de 5 mil ocorrências anuais no Brasil e avançava rapidamente para além do eixo Rio–São Paulo. Reunindo deputados federais e senadores, a CPI prometia investigar um dos principais gargalos da logística nacional no início dos anos 2000.
Com prazo inicial até 8 de setembro daquele ano — e desde o começo cercada por expectativas de prorrogação —, a comissão era composta por 22 parlamentares e tinha poderes para convocar representantes de toda a cadeia logística, além de policiais, autoridades públicas e suspeitos de receptação. Ao fim dos trabalhos, poderia indiciar envolvidos e encaminhar os casos ao Judiciário.
Na época, a Transporte Moderno entrevistou o relator e autor do requerimento da CPI, o então deputado federal Oscar Andrade (PFL-RO). A conversa ajuda a entender o clima da época e os desafios enfrentados pelo setor de transporte em um momento de forte expansão do roubo de cargas no País.
Andrade reconhecia que a CPI, sozinha, não resolveria o problema, mas defendia seu papel estratégico. Segundo ele, a comissão poderia apontar caminhos, sugerir mudanças na legislação, convocar depoentes e preparar o terreno para a atuação do Ministério Público, da Polícia e do Judiciário. “A CPI deixa tudo pronto para que o Estado aja”, afirmou.
Embora cerca de 75% das ocorrências ainda se concentrassem no eixo São Paulo–Rio de Janeiro, o crime já se espalhava, em 2000, para Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia e outros estados do Nordeste. Para lidar com essa pulverização, Andrade defendia diligências fora de Brasília e a atuação conjunta com CPIs estaduais, como a já instalada no Paraná.
Um ponto central do debate era o papel do receptador, visto pelo relator como a engrenagem-chave do crime. Para ele, mais importante do que prender o executor do roubo era identificar quem encomendava, financiava e distribuía as cargas. Em segmentos como produtos químicos e defensivos agrícolas, a receptação era concentrada em poucas empresas. Já em mercadorias como cigarros, bebidas e eletroeletrônicos, o destino final era mais pulverizado, o que dificultava o combate.
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Prejuízos do roubo de carga
Os números impressionavam. Segundo dados citados na entrevista, o prejuízo com roubo de cargas havia saltado de cerca de US$ 11 milhões em 1992 para quase US$ 300 milhões em 1999, um crescimento superior a 2.000% em menos de uma década. Diante desse cenário, Andrade defendia mudanças na legislação e chegou a apresentar um projeto para enquadrar o roubo de cargas e a receptação como crimes hediondos.
A reportagem também refletia uma crítica recorrente do setor naquele período: a transferência da responsabilidade pela segurança para as empresas de transporte, especialmente diante do aumento dos assaltos a depósitos urbanos. Para o relator da CPI, a segurança deveria ser garantida pelo Estado. Ele citava casos em que a presença de CPIs federais em determinadas regiões havia provocado queda expressiva — ainda que temporária — nos índices de roubo.
Talvez o trecho mais duro da entrevista tenha sido o que tratava da infiltração do crime organizado nas próprias estruturas públicas. Andrade mencionava o envolvimento de autoridades políticas e policiais e classificava a situação como “de uma gravidade sem tamanho”. “Quem deveria estar combatendo o crime está fazendo o crime”, afirmou à época.
Ao final, o deputado reconhecia as limitações da comissão, mas apostava no poder da exposição pública. Para ele, ao levar o problema ao debate nacional e escancarar os impactos humanos e econômicos do roubo de cargas, a CPI poderia pressionar o Executivo e o Judiciário a agir. “Conseguimos instalar a CPI. Agora é ir em frente”, disse.
Passados 25 anos, a leitura dessa reportagem de maio de 2000 mostra como muitos dos desafios discutidos naquele momento continuam presentes na agenda do transporte e da logística no Brasil — um retrato fiel de um passado que insiste em dialogar com o presente.
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