Transnordestina: a promessa é transformar a logística do Nordeste

Com investimento de R$ 15 bilhões e mais de 1.200 km de extensão, ferrovia começa a transportar cargas em fase de testes e deve criar um dos corredores logísticos mais estratégicos do país

Valeria Bursztein

Após quase duas décadas de promessas, a Ferrovia Transnordestina começou a operar suas primeiras locomotivas de carga em fase de testes. A autorização concedida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) marca um novo capítulo em um dos projetos de infraestrutura mais esperados do país — a ligação do interior do Nordeste aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE), criando um corredor logístico estratégico que deve reduzir custos, ampliar a competitividade e atrair novos investimentos para a região.

O trecho inicial liberado tem 679 quilômetros entre São Miguel do Fidalgo (PI) e Acopiara (CE), passando por Salgueiro (PE). Nesta etapa, as composições — com duas locomotivas e 20 vagões — devem transportar grãos, algodão, minérios, gesso e contêineres, movimentando até 1 milhão de toneladas por ano. O regime de comissionamento, etapa de ajustes técnicos e operacionais, será conduzido pela Transnordestina Logística S.A. (TLSA), concessionária controlada pela CSN.

Projeto com mais de um século de história

A ideia de conectar o sertão nordestino ao litoral não é nova. O traçado original da Transnordestina remonta ao século XIX, quando Dom Pedro II sonhava com uma malha ferroviária capaz de impulsionar o desenvolvimento da região. Mais de um século depois, o projeto voltou à pauta como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2006, com previsão inicial de 1.728 km de trilhos, conclusão em 2011 e custo de R$ 4,5 bilhões.

A realidade, porém, foi outra: mudanças de escopo, disputas políticas e contingenciamentos orçamentários atrasaram a obra por mais de 15 anos. O traçado foi reduzido para cerca de 1.200 km e o orçamento triplicou, superando R$ 15 bilhões. O trecho até o Porto de Suape — considerado essencial para ampliar a competitividade do projeto — foi abandonado pela CSN e agora depende do governo federal, que o incluiu no Novo PAC.

Operação plena prevista para 2029

O projeto da Nova Transnordestina tem dois ramais principais. O Ramal do Pecém, que liga Eliseu Martins (PI) ao porto cearense, está com cerca de 75% das obras concluídas. A primeira fase deve ser entregue até 2027, e a conclusão total é prevista para 2029, desde que não ocorram novas paralisações.

Já o Ramal de Suape, que interligará Salgueiro (PE) ao porto pernambucano, ainda está na fase de estudos técnicos e recebeu R$ 450 milhões do Novo PAC. A obra não tem data prevista para começar. Outro projeto estratégico — a ligação com a Ferrovia Norte-Sul, que conectará a Transnordestina à malha ferroviária nacional — também depende de projetos e financiamento.

Impacto logístico: um novo corredor para o agronegócio

Mesmo com operação inicial limitada, os impactos da Transnordestina devem ser profundos. Ao conectar a produção agrícola e mineral do interior do Nordeste aos portos e, futuramente, à malha nacional, a ferrovia formará um dos principais corredores logísticos do Brasil. Isso deve reduzir custos de transporte e aumentar a competitividade de produtos como grãos do Matopiba, gesso, minérios e cargas industriais.

A infraestrutura também estimula investimentos complementares. Em Quixeramobim (CE), um terminal intermodal está em construção e funcionará como porto seco e centro de distribuição ao longo da ferrovia. A conexão com a Ferrovia Norte-Sul será fundamental para ligar o Nordeste ao Centro-Oeste e ao Sudeste, abrindo novas rotas de exportação e ampliando a presença do Brasil no comércio global.

Desafios e gargalos ainda no caminho

Apesar dos avanços, especialistas alertam que o projeto ainda enfrenta desafios importantes. A consultoria MacroInfra destaca que, sem o ramal até Suape, a Transnordestina pode operar abaixo de seu potencial. “A ligação com o porto pernambucano ampliaria a competitividade e diversificaria a matriz de cargas, criando alternativas logísticas estratégicas para a exportação de grãos e a importação de fertilizantes”, avalia Luiz Fernando Alves Ferreira, sócio-fundador da MacroInfra.

Outro gargalo é a capacidade portuária. Suape e Pecém precisam de novos terminais para suportar o volume de granéis agrícolas previsto. Além disso, interrupções nas obras e mudanças de escopo precisam ser superadas para garantir a plena operação, especialmente nos trechos que ainda não possuem estudos técnicos nem financiamento.

Cargas com maior potencial e efeitos esperados

As maiores beneficiadas serão as cargas do agronegócio, como grãos para exportação e fertilizantes para importação. O transporte ferroviário também deve impulsionar o abastecimento de combustíveis no interior nordestino e viabilizar projetos de mineração — como a mina de minério de ferro de Paulistana (PI) — que hoje enfrentam barreiras logísticas.

O setor gesseiro do interior pernambucano também ganhará com a nova ferrovia, podendo escoar sua produção por via ferroviária até as regiões metropolitanas de Fortaleza e Recife, e depois pelo transporte cabotagem a partir dos portos.

“A Transnordestina tem potencial para mudar a competitividade do modal ferroviário no Nordeste em relação ao rodoviário. A redução dos custos logísticos permitirá atrair cargas hoje transportadas por caminhões, que ainda são o principal concorrente no transporte inter-regional de mercadorias”, conclui Ferreira.

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