Mercedes-Benz L-1115: o caminhão que levou o álcool às estradas

Em outubro de 1985, a edição nº 261 da revista Transporte Moderno anunciava o lançamento do Mercedes-Benz L-1115, o primeiro caminhão canavieiro movido a álcool hidratado produzido em série no Brasil — símbolo de uma era de experimentação, otimismo e aposta na energia nacional.

Aline Feltrin

No Brasil dos anos 1980, o ronco dos motores se misturava ao cheiro doce da cana cortada. O país vivia o auge do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado na década anterior para reduzir a dependência do petróleo. O combustível verde era motivo de orgulho, e a indústria automotiva buscava mostrar que podia mover não apenas carros, mas também caminhões com ele.

Foi nesse contexto que a Mercedes-Benz do Brasil apresentou o L-1115, um caminhão canavieiro a álcool hidratado desenvolvido para o setor sucroalcooleiro. A notícia ganhou destaque nas páginas da Transporte Moderno, que via no novo modelo uma tentativa ousada de levar a revolução energética das cidades para o campo e as estradas de terra.

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Um herdeiro do 1113 com alma própria

O L-1115 foi criado como uma evolução natural do lendário L-1113, caminhão que marcou a história do transporte brasileiro. A missão era manter a robustez e a simplicidade mecânica que tornaram o antecessor um ícone, mas incorporando um motor totalmente adaptado ao álcool — um desafio técnico e simbólico para a época.

O novo modelo vinha equipado com motor de seis cilindros baseado no OM-352, especialmente modificado para operar com álcool hidratado, além de eixos reforçados e uma nova caixa de câmbio MB G3/50-5/8,5, que melhorava a tração em terrenos irregulares. Visualmente, mantinha o estilo clássico da série 111, com capô longo e faróis redondos, mas exibia pequenos avanços no sistema de refrigeração e no conforto interno.

O resultado era um caminhão que unia tradição e inovação — um veículo que parecia familiar aos motoristas, mas que trazia sob o capô uma tecnologia que prometia mudar o futuro da energia no transporte.

O canavial como laboratório

O L-1115 nasceu de uma demanda direta das usinas de cana-de-açúcar, que buscavam veículos potentes, resistentes e adequados à mecanização crescente da colheita. O transporte de cana exigia torque, tração e durabilidade — três atributos que a Mercedes pretendia entregar com o novo modelo.

Com cerca de 150 cavalos de potência e força suficiente para tracionar treminhões cheios, o caminhão se mostrou à altura das expectativas. Mas o verdadeiro desafio estava fora da estrada: era o comportamento do motor a álcool diante das variações de temperatura, da corrosão e do consumo elevado.

A Mercedes testou intensamente o modelo em parceria com usinas e fornecedores de combustível, em uma tentativa de ajustar o equilíbrio entre desempenho e economia. Os resultados eram promissores. A Transporte Moderno descreveu o L-1115 como “a versão própria para serviços de apoio nas usinas”, ressaltando a aposta da marca na expansão do combustível renovável.

O auge do Proálcool e a crença no combustível nacional

O lançamento do L-1115 aconteceu no momento mais otimista do Proálcool. O governo incentivava a produção e o consumo de etanol, e as montadoras embarcavam nessa onda. A Fiat, Ford e Volkswagen apresentavam automóveis a álcool; a Mercedes arriscava-se no território mais desafiador — o dos caminhões.

O raciocínio era claro: se o álcool funcionava nos carros de passeio, por que não nos veículos de carga? A resposta, no entanto, dependia de uma equação delicada — o custo do combustível, a durabilidade do motor e a capacidade de abastecimento fora dos grandes centros. Mesmo com limitações, o L-1115 demonstrava que a engenharia nacional era capaz de ousar e de propor caminhos alternativos.

Um caminhão de transição

O L-1115 teve vida curta, mas importância longa. Foi o último representante da linhagem iniciada com o 1113 e o elo entre duas gerações de caminhões Mercedes-Benz. Poucos anos depois, a marca lançaria o L-1116, com motor a diesel mais potente e moderno, encerrando a fase experimental com álcool.

Mesmo assim, o 1115 cumpriu seu papel. Serviu como laboratório de tecnologia, testando materiais, ajustes de compressão e desempenho sob altas temperaturas. No campo, tornou-se o símbolo de eficiência rural, muito presente nas usinas paulistas e mineiras que apostaram na autossuficiência energética.

Memórias de um pioneiro

Hoje, encontrar um L-1115 em bom estado é raro. Muitos foram reconvertidos para diesel ou usados até o limite em frotas agrícolas. Ainda assim, o modelo permanece vivo na memória dos caminhoneiros e mecânicos que o viram nascer. Era o caminhão que unia a força do 1113 à esperança de um transporte movido por combustível brasileiro.

Sua presença nas estradas de terra, com o som característico do motor a álcool e a fumaça quase invisível no escapamento, é lembrada com nostalgia por quem viveu aquela época. O L-1115 representava o Brasil que acreditava no próprio potencial industrial e energético — e que fazia da estrada um campo de testes para o futuro.

Mais do que um caminhão, o L-1115 foi uma ideia em movimento. Ele marcou a transição entre o romantismo do Proálcool e a pragmática realidade do transporte pesado. Provou que era possível mover toneladas com combustível limpo, ainda que os custos e as limitações tecnológicas da época tenham freado a expansão do projeto.

Quer reviver essa história na fonte original?

Leia a reportagem completa publicada na edição nº 261 da Transporte Moderno, de outubro de 1985, disponível em nosso acervo digital. (Clique aqui).

(Acervo digital: OTM Editora)

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