Luiza Bublitz, CEO da Aliança Navegação e Logística: “O incentivo do programa BR do Mar trouxe regras mais claras, permitindo mais armadores e navios no mercado”

Apesar do crescimento recente, transporte marítimo doméstico ainda é pouco explorado, segundo a CEO da Aliança, que destaca segurança, previsibilidade e sustentabilidade do modal

Aline Feltrin

Transporte Moderno — A cabotagem ainda representa uma fatia pequena na matriz de transporte nacional. Por que ela te move tanto?
Luiza Bublitz — A cabotagem me move porque eu acredito que ela é o futuro da logística brasileira. É um modal estratégico, sustentável e com um potencial enorme de crescimento. O Brasil tem uma costa de 8 mil quilômetros e 80% da população vive a até 200 quilômetros do litoral. É um desperdício não aproveitar essa vantagem natural.

Transporte Moderno — Hoje, a cabotagem responde por menos de 5% do transporte de contêineres. O que explica esse número ainda pequeno?
Luiza Bublitz — É uma questão cultural. O Brasil foi construído sobre rodas, e mudar essa mentalidade leva tempo. No rodoviário, você liga e a carreta está na sua porta no dia seguinte. A cabotagem exige planejamento — na produção, no fornecimento, na venda. Mas quando as empresas entendem o ganho de previsibilidade, segurança e sustentabilidade, elas não voltam atrás.

Transporte Moderno — Como é o trabalho de convencimento dos clientes para aderirem à cabotagem?
Luiza Bublitz — É um trabalho educativo e de proximidade. Nosso time de vendas vai até a indústria, entende os fluxos logísticos, identifica gargalos e oportunidades. Montamos soluções sob medida, integrando todos os modais — rodoviário, ferroviário, marítimo e até aéreo, se necessário. O cliente pode transportar um contêiner ou até uma caixa. Ele não precisa se preocupar com a complexidade: nós coordenamos tudo.

Transporte Moderno — Essa integração facilita muito o processo. Vocês se definem como um integrador logístico?
Luiza Bublitz — Exatamente. A Aliança é um integrador logístico completo. A gente busca que o cliente foque no seu negócio e deixe a operação conosco. Por exemplo, uma TV fabricada em Manaus pode sair de lá de carreta, seguir de navio até Santos, ir de trem até Jundiaí e ser entregue na loja final — tudo sob nossa coordenação.

Transporte Moderno — Você comentou sobre novos tipos de cargas migrando para o modal marítimo. Que segmentos têm aderido recentemente?
Luísa Bublitz — Temos visto cada vez mais alimentos, bebidas, partes e peças de maior valor agregado. Antes, era mais comum transportar produtos de baixo valor unitário. Agora, com a confiança crescente e a melhora dos serviços, os embarcadores estão migrando cargas mais sensíveis e valiosas para a cabotagem.

Transporte Moderno — Essa migração tem relação direta com a segurança do modal?
Luiza Bublitz — Totalmente. Uma carga de alto valor que rodaria 5 mil quilômetros pelas estradas passa a percorrer apenas cerca de 200 até o porto. No navio, não há risco de roubo, não há buracos, há estabilidade. O resultado é menos avarias, menos perdas e menor custo.

Transporte Moderno — Em que momento os clientes começam a perceber esses benefícios?
Luiza Bublitz — Geralmente na primeira operação. É muito comum o cliente testar uma rota e se surpreender. Ele vê rapidamente o ganho de eficiência, a redução de custo e o aumento da competitividade da sua indústria. A partir daí, vai ampliando o uso da cabotagem e convertendo mais cargas.

Transporte Moderno — Quais são os principais gargalos ainda existentes para o crescimento do modal?
Luiza Bublitz — O planejamento é um deles, mas o maior obstáculo é a percepção de que a cabotagem é complexa. Muitos comparam ao comércio exterior, achando que há burocracia. E sim, existe burocracia, mas ela é toda nossa. O cliente fala com um único ponto de contato e nós cuidamos de tudo. Quando ele percebe essa simplicidade, se surpreende.

Transporte Moderno — A sustentabilidade tem se tornado um argumento forte na escolha dos modais. Quanto a cabotagem reduz em emissões de CO₂?
Luiza Bublitz — Em média, pelo menos quatro vezes menos emissões de CO₂ em comparação com o transporte rodoviário. É um ganho enorme. Nosso grupo tem a meta global de ser net zero até 2040, e a Aliança faz parte dessa jornada. Estamos adaptando navios para usar energia elétrica no porto, construindo balsas preparadas para combustíveis verdes como etanol e metanol, e testando biocombustíveis e veículos elétricos nas pontas.

Transporte Moderno — Vocês já estão testando caminhões elétricos?
Luiza Bublitz — Sim, estamos em fase de testes em Santa Catarina e São Paulo, com rotas de até 230 quilômetros. Ainda são poucas carretas, porque a infraestrutura de recarga é limitada. Mas a pauta verde é uma prioridade para nós — nos navios, nas carretas, nos combustíveis e nas operações portuárias.

Transporte Moderno — A transição energética no setor marítimo é desafiadora. Qual é o cronograma da Aliança?
Luiza Bublitz — Hoje ainda usamos o combustível bunker, mas começamos a transição em 2028. É uma mudança complexa, que exige investimento e inovação, e precisa ser feita com cuidado para não perder competitividade. O rodoviário, que domina a matriz, ainda não faz esse movimento — então, não é uma concorrência equilibrada. Mesmo assim, não vamos postergar essa transição.

Transporte Moderno — A BR do Mar trouxe avanços para o setor?
Luiza Bublitz — Sim, foi um marco importante. A legislação trouxe clareza e flexibilidade para o afretamento de navios, o que aumenta a oferta e reduz custos. Mais navios significam mais frequência, o que ajuda o cliente a planejar melhor. Antes havia uma ou duas saídas semanais de Santos; hoje há até seis. Isso muda completamente a atratividade do modal.

Transporte Moderno — E qual o papel da Aliança nesse contexto?
Luiza Bublitz — A Aliança é pioneira na cabotagem brasileira. Há mais de duas décadas desbravamos esse mercado e hoje temos o maior número de portos atendidos na costa. Fazemos questão de chegar a regiões onde outros não chegam, conectando o Brasil de ponta a ponta — do Sul até a Zona Franca de Manaus. Faz parte do nosso DNA ampliar a integração logística do país.

Transporte Moderno — Vocês fazem parte do grupo Maersk. Como essa relação se traduz na operação?
Luiza Bublitz — A Maersk é o nosso grupo controlador e compartilha conosco o propósito de transformar a logística global. Isso significa acesso a tecnologia, inovação e sustentabilidade em escala global, mas com uma operação 100% adaptada à realidade brasileira. A Aliança continua sendo uma empresa nacional, próxima dos clientes e com o olhar voltado ao desenvolvimento do Brasil.

Assista a entrevista completa no episódio 20 do Videocast Transporte Moderno:

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