A falta de motoristas deixou de ser uma previsão e já é realidade no transporte rodoviário, responsável por cerca de 65% da movimentação de mercadorias no país. Em uma década, o Brasil perdeu 1,2 milhão de condutores, segundo Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Com a idade média da categoria em alta e caminhões parados por falta de profissionais, atrair jovens e mulheres virou questão estratégica para a sobrevivência das transportadoras.
Diante desse cenário, algumas empresas decidiram deixar a reclamação de lado e partir para a ação. É o caso de TransJordano, JSL e Jamef, três gigantes da logística que vêm apostando em programas próprios de capacitação, iniciativas de saúde mental, tecnologia embarcada e redes sociais como ferramenta de engajamento. O objetivo é claro: tornar a profissão mais atrativa para uma nova geração.
“Quando sento em mesas com transportadoras que reclamam da falta de motorista, eu já digo: o problema não está na rua, está dentro da empresa”, afirma Joyce Bessa, diretora de estratégia e gestão da TransJordano. “O setor precisa parar de enxergar o motorista como custo. Ele é o ativo mais valioso da operação.”
TransJordano: escola, meditação e protagonismo
A TransJordano, especializada no transporte de produtos perigosos, reduziu a idade média dos seus motoristas para apenas 27 anos. A empresa criou uma escola interna de formação, que funciona duas vezes por ano com turmas de jovens e mulheres sem experiência prévia. A capacitação inclui 20 dias práticos e uma semana teórica, com foco em direção segura e manuseio de cargas especiais.
Além disso, investiu em saúde mental com um programa de meditação mindfulness — e viu resultados concretos. “Teve motorista com crises respiratórias e ansiedade que passou a ter mais controle. Outro disse: ‘vocês estão ajudando a cuidar da minha família’”, relata Joyce. A ação não só aumentou a retenção como atraiu novos candidatos. “A gente posta as ações nas redes sociais, mas o que faz a diferença é que elas são reais. O jovem percebe.”

Hoje, 3,5% dos motoristas da empresa são mulheres — uma marca ainda tímida, mas crescente. Joyce é também embaixadora do curso da Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte – São Paulo (Fabet) desenvolvido exclusivamente à formação feminina. “Tem mulher que sonha em dirigir bitrem, mas nunca teve uma chance. A gente abre essa porta para ela se preparar.”
JSL: a logística da transformação
A maior empresa de serviços logísticos do Brasil também colocou a formação no centro da estratégia. Em 2025, a JSL lançou a Escola de Motoristas, com o apoio do SEST SENAT. A iniciativa foi criada para formar homens e mulheres sem experiência, com 374 horas de conteúdo técnico e comportamental.
Desde 2021, a empresa mantém ainda o programa Mulheres na Direção, que já formou mais de 220 motoristas. Uma das histórias mais simbólicas é a de Eleonara Faria, que teve mais de 800 currículos recusados por falta de experiência e hoje, aos 57 anos, atua como motorista de caminhão na companhia. “Ela é a prova viva de que o problema não está na idade ou no gênero — está na oportunidade”, afirma a empresa.

A JSL também investe pesado em tecnologia para segurança. Câmeras com reconhecimento de distrações, sensores anti-fadiga, simuladores de direção e torres de controle com monitoramento em tempo real integram o sistema da companhia. Resultado? Queda de 20% nos acidentes com colaboradores entre 2021 e 2024.
Jamef: bem-estar como diferencial competitivo
A Jamef, especializada em encomendas expressas, segue o mesmo caminho. A transportadora tem um programa de formação contínua com foco em direção defensiva, condução econômica, gestão de risco e saúde emocional. Os treinamentos incluem simulações realistas e o uso de telemetria embarcada.
O diferencial da Jamef está no ambiente de cuidado. A empresa oferece espaços climatizados de descanso, acompanhamento psicológico, alimentação saudável e ações de integração nas filiais. “Valorizamos cada quilômetro percorrido pelos nossos motoristas. A capacitação é uma das ferramentas mais importantes para garantir qualidade e segurança”, afirma Sérgio Povoa, diretor de gente e gestão.

A estratégia está funcionando: a companhia reportou queda de 60% nos acidentes rodoviários em 2025. “Nosso foco é criar um ecossistema que pense o motorista de forma completa: física, emocional e técnica”, completa Ricardo Gonçalves, diretor de operações da Jamef.
O futuro no retrovisor
A transformação cultural que essas empresas estão promovendo é urgente. O envelhecimento da categoria, a baixa reposição de novos profissionais e o desinteresse das novas gerações já impactam a produtividade do setor. Segundo dados da plataforma Motorista PX, mais de 500 mil motoristas ativos têm mais de 71 anos.
“O jovem quer liberdade, qualidade de vida e propósito. Ele não vai se atrair por uma profissão que exige jornada exaustiva e oferece pouca valorização”, afirma Thiago Alam, diretor financeiro da Motorista PX. Para ele, a saída passa por tecnologia, inclusão e protagonismo. “As transportadoras precisam enxergar o motorista como peça-chave. Caso contrário, o setor vai parar — por falta de quem o mova.”
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