Transporte Moderno – Qual é o impacto direto do Arla adulterado no sistema do veículo?
Everton Minatti – O sistema tenta injetar mais Arla, porque não está conseguindo fazer a redução correta dos gases. Ele entra num looping, aquece demais, começa a gerar problemas no chicote, queima a bomba, e ainda tem o risco de perda do catalisador. É um efeito cascata. E isso acontece porque o aldeído, que está presente na ureia agrícola, não faz parte da formulação do Arla 32.
Transporte Moderno – E além de não limpar, ainda gera custo e risco?
Everton Minatti – Exato. Não só não faz a lavagem dos gases corretamente, como também gera desgaste prematuro de peças, entupimento do catalisador, perda do catalisador, e a manutenção se torna muito mais cara.
Transporte Moderno – Como vocês chegaram à conclusão de que 50% do Arla nas rodovias está adulterado?
Everton Minatti – Chegamos a esse número a partir do nosso controle de qualidade. Sempre que recebemos uma reclamação, abrimos um registro de não conformidade, coletamos amostras e fazemos testes. Quando vemos aumento de casos em determinada região, percorremos as rodovias comprando Arla em vários postos. Em alguns levantamentos, de 50 amostras, 27 estavam contaminadas com aldeído. Isso nos deu base para afirmar que, em média, metade do Arla vendido nas rodovias está adulterado.
Transporte Moderno – Vocês conseguem identificar em quais rodovias há mais casos?
Everton Minatti – É difícil cravar, porque o mercado é muito dinâmico. A compra é rotativa, e isso atrapalha até a fiscalização.
Transporte Moderno – Quem fiscaliza?
Everton Minatti – Hoje quem atua na fiscalização são a Polícia Federal, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEM) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Eles fazem operações nas estradas e também em fabricantes, especialmente quando há denúncia.
Transporte Moderno – Essa adulteração começa no fabricante?
Everton Minatti – Sim, quem adultera é o fabricante. Para ser fabricante de Arla 32, é preciso ter registro no Inmetro e uma certificação de um Organismo de Certificação de Produto (OCP). No site do Inmetro, qualquer pessoa pode consultar quais fabricantes estão homologados, se estão ativos ou se tiveram o selo bloqueado em algum momento.
Transporte Moderno – Ou seja, o motorista ou o frotista pode checar se o fornecedor está regular?
Everton Minatti – Perfeitamente. É público. Basta consultar no site do Inmetro.
Transporte Moderno – Mas os postos costumam fazer isso?
Everton Minatti – Na prática, poucos fazem. Alguns fornecedores perdem o selo do Inmetro, mas continuam vendendo enquanto recorrem. É por isso que o cliente — seja posto, empresa de ônibus ou transportadora — precisa sempre conferir a procedência.
Transporte Moderno – E o autônomo, que abastece no posto, fica ainda mais vulnerável?
Everton Minatti – Sem dúvida. Ele não tem acesso à cadeia de suprimento, como tem uma grande frota que compra direto do fabricante. Por isso, desenvolvemos um reagente para detectar aldeído, que será lançado no segundo semestre.
Transporte Moderno – Como funciona esse teste?
Everton Minatti – É um teste rápido. Em minutos você sabe se aquela ureia é grau Arla ou ureia agrícola. Funciona como o teste de combustível: o posto, o motorista ou o frotista pode testar antes de descarregar o produto.
Transporte Moderno – Esse teste já é regulamentado?
Everton Minatti – Está na norma da ABNT, que eu ajudei a construir, mas ainda não é obrigatório. Esse é o nosso próximo desafio.
Transporte Moderno – Se não for obrigatório, você acredita que o posto vai adotar?
Everton Minatti – Infelizmente, muitos não. Porque mesmo comprando Arla adulterado, eles vendem ao mesmo preço do produto correto. Então não há incentivo econômico para mudar.
Transporte Moderno – Ou seja, o motorista não consegue perceber nem pela diferença de preço?
Everton Minatti – Exato. Já fiz levantamento na Dutra onde todos os postos vendiam o Arla a R$ 2,99, tanto o adulterado quanto o bom. Quem compra mais barato não repassa essa diferença para o motorista.
Transporte Moderno – E como o transportador pode se proteger?
Everton Minatti – As grandes frotas têm tanques próprios e podem testar. Já o autônomo fica refém dos postos. O aldeído deixa rastro — enquanto a norma permite no máximo 5 ppm, o Arla feito com ureia agrícola chega a ter de 2.000 a 3.000 ppm.
Transporte Moderno – E quando o Arla é ruim, ele muda até de cor?
Everton Minatti – Sim, com o reagente, se tiver aldeído, ele escurece. A pessoa bate o olho na tabela de cores e já sabe se o produto está contaminado.
Transporte Moderno – O posto compra muito mais barato o adulterado?
Everton Minatti – Sim, mas não repassa. Às vezes vemos diferença de mais de 10% no preço do Arla. Quando acontece isso, é um alerta.
Transporte Moderno – E quais são os efeitos no caminhão?
Everton Minatti – A luz do sistema acende, começa a reduzir potência, pode queimar o chicote, a bomba e até o catalisador. Se continuar usando, o dano se acumula.
Transporte Moderno – Se acendeu a luz, adianta só trocar o Arla?
Everton Minatti – Não. O sistema já está contaminado. Tem que levar na concessionária ou numa oficina especializada e fazer uma limpeza completa. Senão, vai continuar dando problema.
Transporte Moderno – Perde-se um catalisador em quanto tempo?
Everton Minatti – Depende do nível de contaminação. Se for ureia de varredura de porto, com resíduos de outros produtos, em três ou quatro abastecimentos já pode danificar chicote, bomba e catalisador.
Transporte Moderno – As montadoras estão fazendo algo?
Everton Minatti – Estão se mexendo. Recentemente, ajudei uma grande montadora a criar um teste para detectar se um catalisador danificado foi por uso de ureia agrícola. Mas uma coisa que eu defendo é: se existisse um sensor de aldeído no escapamento, como tem de NOx, o caminhão poderia bloquear automaticamente.
Transporte Moderno – E lá fora, na Europa, esse problema existe?
Everton Minatti – Não. Porque lá não faz sentido. Não tem subsídio para ureia agrícola. Aqui no Brasil, a ureia agrícola custa até 30% menos que a ureia grau Arla. Isso incentiva o uso indevido.
Transporte Moderno – Existe alguma proposta para coibir isso?
Everton Minatti – Sim. Estamos propondo a criação de um NCM específico para a ureia grau Arla. Hoje, todas as ureias — agrícola, pecuária e automotiva — têm o mesmo código fiscal. Isso precisa mudar.
Transporte Moderno – Conte um pouco sobre Usiquímica.
Everton Minatti – A Usiquímica tem 82 anos. É uma empresa familiar, na quarta geração. Começamos no setor de produtos químicos industriais e, desde 2012, estamos no mercado automotivo com Arla 32, aditivos de arrefecimento e lubrificantes. Temos cinco plantas de Arla no Brasil, com uma capacidade de 6 milhões de litros por mês na unidade de Guarulhos. Nossa operação é 100% automatizada, com laboratório próprio que faz todos os testes exigidos pela norma.
Transporte Moderno – E para fechar: quais os três conselhos para o transportador se proteger do Arla adulterado?
Everton Minatti – Primeiro, verificar no Inmetro se o fabricante está homologado. Segundo, observar o movimento do posto: se tem muitos caminhões abastecendo, a chance de ser confiável é maior. E terceiro, fidelizar poucos postos. Se der problema, você tem como voltar e cobrar.
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