Especialistas questionam viabilidade da Ferrogrão em evento na Universidade Federal do Oeste do Paraná

O projeto ferroviário pretende conectar a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao Rio Tapajós, no Pará, mas enfrenta crescente contestação devido a seus potenciais impactos ambientais e sociais

Aline Feltrin

A Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) sediará, na próxima quinta-feira (20/03), um evento para apresentar e debater novos pareceres técnicos independentes sobre a atualização dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA) da Ferrogrão. O projeto ferroviário pretende conectar a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao Rio Tapajós, no Pará, mas enfrenta crescente contestação devido a seus potenciais impactos ambientais e sociais.

Os documentos técnicos analisam a viabilidade socioambiental e econômica da ferrovia e destacam lacunas na metodologia utilizada pelo governo na atualização dos estudos, divulgada em setembro de 2024.

Um dos principais pontos levantados pelos especialistas é a ausência de uma avaliação abrangente dos impactos cumulativos e sinérgicos entre os diferentes empreendimentos do Corredor Logístico Tapajós-Xingú, que inclui a rodovia BR-163, a Ferrogrão e a hidrovia e portos entre Miritituba e Santarém. Segundo Brent Millikan, do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, essa lacuna impede a análise de alternativas que poderiam oferecer maiores benefícios para a sociedade com menores danos ambientais.

A governança territorial também surge como um fator crítico de risco. A professora Bruna Rocha (UFOPA), coautora do parecer sobre o tema, aponta erros e omissões na seção sobre patrimônio arqueológico dos estudos enviados ao Ministério dos Transportes. “O desconhecimento da arqueologia regional é evidente. Talvez o caso mais gritante seja a omissão de Santarenzinho, sítio arqueológico e local sagrado Munduruku, que poderá ser diretamente impactado pelo traçado da ferrovia”, alerta Rocha.

Outro parecer destaca falhas na Análise Socioeconômica de Custo e Benefício (ACB) da Ferrogrão, questionando se os ganhos econômicos previstos justificam o investimento. “A análise mostra que os benefícios estão concentrados em grupos privados, sem um retorno social que justifique o uso de subsídios públicos”, afirma Mariel Nakane (ISA). A pesquisadora também critica a ausência de análises de risco climático e de sobrecustos, apontando que atrasos e aumentos no orçamento podem comprometer a viabilidade do projeto, a exemplo do que ocorreu com a usina de Belo Monte.

Impactos no Rio Tapajós

O debate ocorre em um momento em que crescem as preocupações com os impactos da infraestrutura logística na região. Recentemente, o governo do Pará autorizou a dragagem do Rio Tapajós sem estudos ambientais prévios e sem consulta às comunidades indígenas e tradicionais potencialmente afetadas. Especialistas alertam que a Ferrogrão pode intensificar os impactos sobre o rio, aumentando em pelo menos cinco vezes o fluxo de soja transportado por suas águas.

Para Pedro Martins, da FASE Amazônia, a divulgação dos pareceres técnicos é essencial para garantir transparência e participação social no debate sobre a ferrovia. “Os estudos da Ferrogrão são frágeis, com poucos dados técnicos, abordagens superficiais e uma tendência a minimizar os impactos socioambientais. Essa publicização é fundamental para que a sociedade possa contestá-los antes que seja tarde demais”, avalia Martins.

Projeto suspenso e incertezas futuras

O projeto da Ferrogrão está atualmente suspenso por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), mas segue sendo defendido por grandes players do agronegócio e setores do governo. Desenvolvido pela Estação da Luz Participações (EDLP), o projeto tem sido criticado por desconsiderar o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região.

Pesquisas conduzidas pela PUC-Rio e pela UFMG indicam que a ferrovia poderia causar a destruição direta de mais de 2 mil quilômetros quadrados de floresta nativa e impactar 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas em sua área de influência. Diante desse cenário, os especialistas reforçam a necessidade de um planejamento estratégico mais amplo para a infraestrutura na Amazônia, garantindo que o desenvolvimento econômico ocorra de forma sustentável e respeitosa com o meio ambiente e as populações locais.

Já segue nosso canal oficial no WhatsApp? Clique aqui para receber em primeira mão as principais notícias do transporte de cargas e logística.

Veja também