Mercado de caminhões elétricos enfrenta desafios, mas futuro é promissor

A projeção de avanço para o setor é de 1,3% ao ano, com acentuado crescimento em centros urbanos; evolução depende de infraestrutura para recarga e desenvolvimento de baterias em estado sólido

Aline Feltrin

As vendas de caminhões elétricos ainda têm crescimento tímido no Brasil, embora o número de emplacamentos tenha alcançado 821 unidades em 2024, segundo levantamento da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Para Gustavo Bonini, vice-presidente da entidade, a eletrificação já é uma realidade no segmento de caminhões leves, que atendem principalmente a última milha de entregas urbanas, mas o maior obstáculo está na infraestrutura de recarga e no custo elevado dos veículos. “No entanto, o Brasil enfrenta desafios significativos para a expansão da eletrificação no setor de caminhões pesados, especialmente pela falta de infraestrutura adequada e pela limitada cobertura das rodovias, com apenas 12% delas asfaltadas.”

Bonini destaca que a transição para a eletrificação no setor de caminhões é gradual. “A eletrificação de veículos pesados ainda está em estágio inicial, mas há um movimento crescente em direção a alternativas sustentáveis, como o uso de biocombustíveis, além da eletrificação.”

Ele calcula que a projeção de crescimento do setor de caminhões elétricos no Brasil é de 1,3% ao ano, com a expansão sendo mais acentuada nos centros urbanos e em empresas que já possuem infraestrutura de carregamento.

Na visão de Antonio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre as vantagens mais notáveis dos caminhões elétricos estão a redução de custos operacionais e de manutenção. “Enquanto um motor a combustão possui cerca de 4 mil peças, um motor elétrico usa apenas aproximadamente 200, o que diminui significativamente os custos com reparos e manutenção”, diz. Isso facilita a utilização mais intensiva dos veículos, tornando-os uma opção interessante para empresas que dependem de grandes volumes de combustível fóssil.

Infraestrutura e baterias

A infraestrutura de recarga, por outro lado, ainda representa um grande desafio no Brasil. Embora mais comum em veículos leves e em empresas com infraestrutura própria, as estações para caminhões pesados são limitadas e demandam grandes investimentos. “O crescimento dessa infraestrutura está diretamente relacionado ao aumento da demanda por caminhões elétricos, tornando-se mais viável conforme o mercado se expande.”

Martins destaca que o mercado de caminhões elétricos no Brasil tem grande potencial de crescimento, especialmente à medida que as baterias se tornam mais eficientes. A limitação atual das baterias, que possuem uma vida útil limitada, é um obstáculo, mas Martins acredita que a pesquisa em baterias de estado sólido pode resolver esse problema, aumentando a durabilidade e reduzindo os custos de reposição. As baterias em estado sólido utilizam um eletrólito sólido (em vez de líquido), o que as torna mais seguras e eficientes, com maior capacidade de armazenamento e vida útil mais longa.

Participação de vendas

Ricardo Alouche, vice-presidente de vendas e marketing da Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO), relembra que a eletrificação de caminhões também enfrentou obstáculos em mercados globais. “Na Europa e nos Estados Unidos, o crescimento do setor foi abaixo do esperado devido à falta de infraestrutura e ao alto custo dos veículos. A competição de fabricantes asiáticos também impactou as projeções, e a insegurança no mercado global afetou o crescimento a longo prazo”, avaliou.

Apesar disso, a Volkswagen observa que nenhum cliente desistiu da adoção do modelo elétrico, e o interesse por soluções elétricas segue em alta. “Nos mercados em que atuamos, nossos clientes estão cada vez mais interessados em investir”, afirma Alouche.

Segundo ele, a expectativa para o futuro da eletrificação no Brasil é positiva, embora não se espere uma aceleração abrupta do processo. “A eletrificação é algo gradual, com o crescimento acontecendo de forma progressiva a cada ano. Em 2025, a tendência é de expansão contínua, especialmente entre as grandes e médias empresas”, ressalta Alouche, que segue apostando no crescimento desse setor, tanto em vendas quanto em locação de veículos elétricos.

Em 2024, a empresa alcançou 480 unidades vendidas do e-Delivery, consolidando 49% de participação no segmento de caminhões elétricos. Segundo Alouche, a aceitação tem sido muito positiva, especialmente entre grandes empresas que buscam alternativas sustentáveis para suas frotas.

O e-Delivery foi lançado em 2019 e, desde então, experimentou um crescimento constante. Em 2022, a Volkswagen vendeu 687 unidades, um número que caiu para 356 em 2023, mas que voltou a crescer em 2024.

A locação de caminhões elétricos também está ganhando força. Segundo Alouche, o modelo permite que as empresas invistam de maneira mais acessível, com uma proposta de baixo custo de manutenção e operação. “A Volkswagen também investe em serviços de pós-venda, como o VolksCare, que oferece manutenção e conectividade 24 horas por dia, garantindo a continuidade das operações.”

Além da Volkswagen, diversas outras marcas estão investindo no mercado de caminhões elétricos no Brasil, como BYD, Ford, Foton, Iveco, JAC Motors e XCMG que já disponibilizam modelos para vendas. As montadoras Mercedes-Benz, Scania e TEVX Higer estão conduzindo testes para avaliar a aceitação e viabilidade de seus modelos no mercado nacional. Já a Volvo oferece caminhões elétricos por meio de locação.

Marcia Pinna Ford E-Transit, modelo elétrico da Ford lançado em 2024 (Divulgação)

Apetite para investir

Para Eduardo Ghelere, CEO da Ghelere Transportes, o caminhão elétrico é o futuro das operações de curtas distâncias. Embora a empresa ainda não invista em veículos elétricos pesados devido à ausência de rotas fixas, ele acredita que os veículos leves já são uma realidade em grandes centros urbanos. Ghelere destaca que, apesar do alto custo inicial, o gasto operacional dos caminhões elétricos é muito mais baixo, especialmente com o uso de energia renovável, como painéis solares, nas empresas.

“O mercado de caminhões elétricos para curtas distâncias é visto como viável e, com o tempo, a tecnologia se tornará mais acessível, com as baterias se tornando cada vez mais eficientes e duráveis. A tendência é que, à medida que o setor de transporte urbano se eletrifique, a demanda por esses veículos cresça, impulsionando o desenvolvimento de soluções de recarga e serviços de manutenção”, finaliza.

A transportadora Anacirema conta com algumas unidades de caminhões elétricos em sua frota, porém realiza esse tipo de investimento mediante a pedidos dos seus clientes. José Alberto Panzan, diretor da empresa, diz que o setor ainda estpa em fase de consolidação, porém, acredita que os caminhões elétricos poderão representar de 5% a 8% das vendas totais de caminhões novos no país, impulsionados principalmente por políticas públicas de incentivo e pela crescente conscientização ambiental. Ele acredita que a infraestrutura de recarga se expandirá consideravelmente nos próximos anos, especialmente nos grandes centros urbanos e nas principais rotas de transporte, devido a parcerias público-privadas.

Segundo Panzan, as principais vantagens dos caminhões elétricos no Brasil são a redução de emissões dióxido de carbono (CO2) e o incentivo à criação de novos postos de trabalho. Ele acredita que o Brasil tem potencial para se tornar um hub de produção de veículos elétricos na América Latina. No entanto, reconhece que a adoção dessa tecnologia dependerá de melhorias significativas na infraestrutura de recarga e da redução do alto custo inicial dos veículos, que ainda é um obstáculo para muitos investidores.

“Em 2025, a expectativa é de que o Brasil já tenha avançado significativamente na implementação de infraestrutura de recarga e que os caminhões elétricos representem uma fatia ainda maior do mercado”, afirma. Para ele, o setor deve continuar a crescer principalmente nas grandes capitais e áreas metropolitanas, onde a demanda por soluções de transporte urbano sustentável está aumentando.

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