Descarbonização se torna prioridade entre as companhias marítimas em operação no Brasil

Gigantes da navegação, como Maersk, Norsul e CMA CGM, têm planos ambiciosos rumo ao carbono zero e revelam estratégias para alcançar suas metas

Valeria Bursztein

A descarbonização do transporte marítimo é um dos grandes desafios da atualidade e se tornou prioridade para todas as companhias atuantes no setor. Segundo o relatório da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a indústria naval é responsável por mais de 80% do volume de comércio mundial e 3% das emissões globais de gases de efeito estufa.

Pressionados pela contagem regressiva das metas definidas pela Organização Marítima Internacional (IMO), que visam zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa provenientes do transporte marítimo até 2050, os armadores correm contra o tempo para ganhar eficiência energética e operacional.

Na corrida rumo à descarbonização, a Maersk definiu como meta global ser net zero, em toda a sua operação, até 2040 e a Aliança Navegação e Logística também caminha nesse sentido. Tanto a Maersk, como a Aliança foram pioneiras em navegar com embarcações porta-contêineres bicombustíveis movidos a metanol com redução de emissões de GEE no mundo. Hoje, há três embarcações desse tipo navegando pelos oceanos: a Laura Maersk (com capacidade para 2.100 TEUs), que atende clientes no Mar Báltico; a Ane Maersk (com capacidade para 16.592 TEUs), que conecta a Ásia e a Europa; e a Astrid Maersk (com capacidade para 16.000 TEUs), o segundo navio de grande porte movido a metanol, apresentado em abril de 2024.

“Temos um total de 25 navios porta-contêineres que poderão operar com metanol com redução de emissões de GEE, com previsão final de entrega desta frota até 2025″, , revela o vice-presidente de Public Affairs da Maersk para a América Latina, Danilo Veras. Desses, 18 navios são de grande porte, com capacidade de 16.000 a 17.000 TEUs.

Retrofit e biocombustíveis

Além disso, segundo o executivo, a companhia anunciou planos para o primeiro retrofit da indústria, ao converter um navio porta-contêineres movido a combustível fóssil em um navio movido a metanol com redução de emissões de GEE.

“As recentes inclusões de novas embarcações na frota foram feitas com navios bicombustíveis movidos a metanol com redução de emissões de GEE. Ao todo, foram encomendados 25 navios porta-contêineres com motores bicombustíveis que serão capazes de operar com metanol com redução de emissões de GEE”, detalha Vera.

Para garantir o combustível necessário para a navegação das novas embarcações, a Maersk passou a desenvolver um portfólio diversificado de parcerias. “Para o Laura Maersk, o primeiro navio a metanol, e o Ane Maersk, o primeiro grande navio oceânico com motor bicombustível, garantimos os volumes necessários de biometanol de nossos parceiros OCI Global e Equinor, com acordos firmados recentemente”, conta o executivo do grupo.

Em paralelo, a Maersk também tem no radar a redução de emissões da frota no período de atracação. Com esse foco, conta com o projeto Alternative Maritime Power (AMP), disponível em cinco navios da classe Aliança Explorer, no Brasil. Conectados a uma fonte de energia no porto, os navios não precisam manter o motor de combustão ligado enquanto atracados, reduzindo 95% das emissões.

Cabotagem verde

Dedicada à cabotagem, a Norsul é signatária do programa Getting to Zero Coalition, iniciativa do Fórum Marítimo Global que tem como meta a descarbonização total do setor até 2050. Em 2023, a empresa conquistou uma redução de 5,9% na intensidade média de CO2 na frota, quando comparado com 2022 (saindo de 6,10 para 5,74 gCO2/ton*nm).

Norsul conquistou redução de 5,9% na intensidade média de CO2 na frota, em 2023 (Divulgação)

Em 2023, a companhia investiu R$ 7 milhões em sistemas de tratamento de água de lastro e dispositivos para o aumento da eficiência energética das embarcações. “Até pouco tempo fazíamos a gestão do lastro, que é trocar a água de lastro em determinadas regiões para não contaminar determinados locais. Mas essa estratégia tinha a sua margem de erro. Por isso, a Norsul resolveu instalar em todos os navios a planta de tratamento de água de lastro, mesmo não sendo obrigatório na costa brasileira”, conta o gerente técnico de frota da Norsul, João Bottoni.

Além disso, a companhia desenvolveu um plano de pintura especial que reduz a resistência do avanço do navio na água e diminui o consumo de combustível. Esse plano utiliza uma tinta anti-incrustante fabricada pela fusão do hidrogel de silicone ativo com um pequeno percentual de biocida. Essa combinação faz com que o casco do navio ofereça menos atrito, resultando em menor resistência ao avanço, com redução de até 15% de emissão de gases de efeito estufa.

Em parceria com a startup BioRen, Norsul conseguiu otimizar a eficiência energética das embarcações com a aplicação de uma tecnologia de combate à bioincrustação, que faz uso de passagens de corrente elétrica randômica pelo casco das embarcações para evitar a colonização e crescimento de organismos em superfícies submersas.

Economia de energia

Uma outra iniciativa da Norsul é a implementação do Propeller Boss Cap Fins (PBCF), dispositivo de economia de energia projetado para melhorar a eficiência dos propulsores dos navios. Ele consiste em um cubo de hélice equipado com pequenas pás adicionais, chamadas de aletas. Essas aletas são inclinadas de maneira a converter a energia do vórtice, que normalmente se forma no cubo da hélice, em torque adicional e empuxo, contribuindo para aumentar a propulsão em até 5%.

“A meta de zerar emissões até 2050 é um desafio enorme que se impõe para todos que fazem parte da indústria marítima”, diz o diretor comercial da companhia, Fabiano Lorenzi. Por isso, combustíveis alternativos, menos poluentes também são foco de atenção da Norsul.

Redução de 30% das emissões

Outra companhia marítima que incorporou o desenvolvimento sustentável ao core de suas atividades e estratégias é o grupo CMA CGM, que definiu como meta ser uma empresa Net Zero Carbon até 2050.

A CMA CGM anunciou que prevê reduzir  30% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e de 80% até 2040. “O grupo vem moldando uma forma mais consciente de fazer negócios. Por isso, tem avançado, significativamente, na descarbonização de suas atividades marítimas e tem como meta ser Net Zero Carbon até 2050 em todas as suas atividades”, comenta a CEO da CMA CGM do Brasil, Neusa Marcelino.

A CMA CGM prevê reduzir  30% das emissões até 2030 (Divulgação)

O grupo tem se concentrado em pesquisa, desenvolvimento e implementação de Inteligência Artificial para otimizar processos, rotas e gestão de frotas. “A transição energética depende da complementaridade. Isso significa que as interações tendem a ser mais permanentes entre todos os setores da economia. Por esse motivo, o grupo desenvolve novas parcerias, coalizões e compartilhando experiências com especialistas e outras indústrias”, conta Neusa.

Player global em soluções marítimas, terrestres, aéreas e logísticas, o grupo CMA CGM investiu perto de US$ 15 bilhões na descarbonização de sua frota e mais de 200 milhões na modernização de suas embarcações existentes nos últimos 10 anos. Em 2022, anunciou a criação do PULSE, CMA CGM Energy Fund, com orçamento de US$ 1,5 bilhão em cinco anos para acelerar a descarbonização das atividades de transporte marítimo, terrestre, aéreo e logística no mundo.

Tais investimentos viabilizarão à CMA CGM ter mais de 120 embarcações capazes de usar combustíveis descarbonizados até 2028. As embarcações movidas a gás de combustível duplo funcionam com GNL, melhorando a qualidade do ar ao evitar até 99% da emissão de enxofre, até 92% da emissão de óxido de nitrogênio e 91% de partículas. O motor implantado nesses navios já tem capacidade técnica para usar biometano e e-metano, reduzindo as emissões de CO2 em 67% e 85%, respectivamente, em comparação com o combustível convencional.

Energia marítima alternada

Dos 26 navios próprios da Transpetro, empresa de logística de petróleo, derivados e biocombustíveis, 25 já incorporam dispositivos para soluções verdes, resultando em redução nas emissões de gases de efeito estufa. O último navio passará ainda este ano por melhorias projetadas para aumentar a eficiência energética. Em 2023, a companhia registrou uma redução de 8,3% nas emissões de gases de efeito estufa em relação ao ano anterior. O consumo de combustível dos navios também caiu 8,3% no último ano, resultando em uma economia de mais de 8 mil toneladas de bunker (combustível de navios).

O consumo de combustível dos navios da Transpetro caiu 8,3% no último ano (Divulgação)

Em nota, a empresa informou que avalia a instalação de Energia Marítima Alternada em sua frota de navios, tecnologia que visa reduzir a poluição do ar produzida pelos geradores a diesel dos navios, substituindo-os pela energia elétrica fornecida pela terra. 

A companhia possui uma área dedicada para os estudos e a implementação dos projetos de eficiência energética voltado para sua frota de navios. Nos últimos anos, investiu mais de R$ 20 milhões em projetos dessa natureza e para os próximos anos prevê um orçamento em torno de mais R$ 40 milhões.

Entre as melhorias implantadas na frota da Transpetro, estão a utilização de apêndices hidrodinâmicos de casco, propulsor e leme; a otimização de equipamentos com foco na melhoria da combustão; o monitoramento e controle da velocidade dos navios por meio de software; e a limpeza de casco e aplicação de tinta especial, impedindo a formação de incrustações que impactam o desempenho da navegação.

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