Sonia Moraes
Transporte Moderno – Como o Sindipeças avalia o Mover, nova política industrial aprovada pelo governo federal que substitui o Rota 2030?
Cláudio Sahad – Em primeiro lugar, gostaria de destacar que o Sindipeças participou, desde o início, da elaboração do programa Mover, junto ao governo federal e outros elos da cadeia de produção automotiva. Esse programa é um dos melhores do mundo com esse objetivo e vai dar continuidade ao que foi iniciado pelo Rota 2030, ou seja, inserir o país nas cadeias globais de valor pelos caminhos da inovação e da competitividade. Destaco algumas características importantíssimas do Mover: valorização da matriz energética brasileira, previsibilidade, ênfase na descarbonização com qualquer rota tecnológica, pesquisa desenvolvimento e inovação (PD&I) com investimentos viáveis, localização de componentes, entre outros.
Transporte Moderno – Qual o impacto que o Mover trará para a indústria de autopeças?
Cláudio Sahad – O principal impacto é o estímulo ao investimento em inovação. Linhas de financiamento não têm sido gargalos para o nosso setor. Hoje existem muitas disponíveis, principalmente para PD&I. Nesse sentido, é importante destacar os projetos prioritários do programa Rota 2030, devem continuar no âmbito do Mover. Eles são fundamentais, principalmente para as pequenas e médias empresas (PMEs) do setor.
Transporte Moderno – Como as autopeças já estão se preparando para acompanhar os investimentos anunciados pelas montadoras?
Cláudio Sahad – O setor de autopeças está preparado para acompanhar o ciclo de investimentos anunciado pelas montadoras. Quando há previsibilidade (demanda), nossas empresas também elevam seus investimentos. O volume previsto para 2024 é de cerca de R$ 6,2 bilhões, 6,5% superior ao do ano anterior, com fortes possibilidades de aumentar nos próximos meses.
Transporte Moderno – Entre as pequenas fabricantes de autopeças, como está a movimentação para continuar participando da cadeia de fornecedores e não correr o risco de fechar as portas por não ter investido em inovação para enfrentar a transição energética?
Claúdio Sahad – O setor de autopeças é formado por empresas de vários portes e origens de capital, desde pequenas e médias, nacionais e familiares, até grandes e gigantes multinacionais. Nossas PMEs são as fabricantes de componentes e, portanto, constituem base da cadeia de fornecimento automotivo. Como gostava de definir Paulo Butori, ex-presidente do Sindipeças, elas são “os pés do gigante” e, sem pés fortes, o gigante pode cair. Os investimentos em inovação, necessários em qualquer opção de rota tecnológica, são feitos de forma sistemática e constante. Os PPPs do Rota 2030 eram e devem continuar sendo fundamentais para inserir as empresas menores na rota do desenvolvimento, pois não há possibilidade de fazer parte dessa engrenagem complexa se não houver saúde financeira para investir. Até hoje, apesar dos entraves à competitividade – que todos os setores da economia têm de enfrentar no Brasil –, o setor de autopeças tem cumprido rigorosamente seus compromissos de fornecimento e nunca foi gargalo para a produção da cadeia automotiva nacional.
Transporte Moderno – Como a transformação da indústria automobilística rumo a descarbonização vai afetar a indústria de autopeças, pois os veículos elétricos terão a metade de peças que são usadas hoje?
Claúdio Sahad – Em virtude da grande diversidade de nossa matriz para a produção de energia limpa, o Brasil pode ocupar um lugar de muito destaque nas decisões mundiais acerca da descarbonização no setor dos transportes. A título de informação, é importante citar que o ciclo de produção de um veículo no Brasil emite cerca de um terço do CO2 produzido na Europa. De fato, se tivermos políticas públicas para explorar adequadamente esse potencial, nossa indústria de transformação pode dar um salto de qualidade. Defendemos a coexistência de várias rotas tecnológicas pró-descarbonização, que levem em conta as especificidades de cada mercado, pois o mundo é muito diverso, assim como são as fontes de energia.
Transporte Moderno – Como você avalia o avanço da eletrificação?
Claúdio Sahad – A eletrificação é um dos meios para redução da emissão de carbono, e pode coexistir com outros. No Brasil, considerando-se nossas especificidades e até mesmo as condições socioeconômicas, podemos ser grande fabricante de veículos híbridos flex, abastecidos com etanol. Também podemos nos tornar importante hub produtor e exportador de motores e veículos a combustão, que não devem ser mais produzidos na União Europeia e nos EUA e ainda terão longa vida adiante, principalmente nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Essa oportunidade é também grande desafio para toda a cadeia de produção. Uma das missões do Sindipeças é acompanhar as mudanças, a fim de manter seus associados bem informados e com capacidade para refletir e tomar decisões acerca do futuro de seus negócios.