Por Fred Carvalho
Transporte Moderno – Na presidência da ABVE, quais são os seus principais objetivos?
Ricardo Bastos – Temos de respeitar o trabalho do meu antecessor Adalberto Maluf nesta entidade. Nossa busca é dar continuidade a algumas das principais lutas na defesa dos elétricos. Cada presidente tem sua marca, mas seguiremos uma linha estratégica. Na ABVE temos várias empresas de diferentes segmentos associadas, então temos de representar desde o pessoal de peças, componentes para veículos elétricos, carregadores e baterias até veículos levíssimos, como patinetes, bicicletas, triciclos e motos elétricas. Além disso, os leves, que são automóveis em todas suas configurações, e os pesados, como os caminhões e principalmente ônibus. A meta de minha gestão é construir pontes com todos envolvidos na questão de descarbonização: Anfavea, Sindipeças, governos, Única e demais produtores de combustíveis renováveis, entre outros.
Transporte Moderno – Na faixa dos leves, importante ressaltar os furgões e caminhões leves.
Ricardo Bastos – Sabemos que tem possibilidade de chegar caminhão elétrico se a gente pensar que o veículo movido a hidrogênio é na verdade um elétrico. Já recebemos alguns sinais de empresas falando de veículos pesados a hidrogênio, ainda em testes no Brasil, mas em algum momento pode ter produção por aqui. Nosso objetivo na ABVE obviamente é não só trazer as tecnologias. Em um primeiro momento elas serão importadas, embora tenhamos empresas importantes no Brasil fabricando já baterias e conjuntos eletrificados.
Transporte Moderno – Quais são os fabricantes de baterias nacionais que já estão produzindo ou se preparando para produzir?
Ricardo Bastos – Hoje existem grandes empresas se preparando como Moura, WEG e Siemens. A WEG já está produzindo as baterias dos ônibus elétricos que estão circulando em São Paulo. Há empresas importantes fazendo investimentos no Brasil e companhias chinesas estão interessada em vir para o país. Ainda não estão associadas na ABVE, mas estão se preparando. Há desde empresas nacionais como a WEG e Moura até empresas maiores produzindo baterias.
Transporte Moderno – Todos possuem um respeito muito grande pela tecnologia da WEG e citam também a Moura. No entanto, dizem que a tecnologia de baterias é extremamente sofisticada e muito avançada, e que hoje só os chineses conseguem entender e ter a tecnologia no estado da arte, apesar de eles saberem melhor que todo mundo que o estado da arte deles hoje…
Ricardo Bastos – Pode amanhã não ser mais.
Transporte Moderno – Em uns três ou quatro meses pode não ser mais porque mudam os minerais que estão fazendo a produção de energia.
Ricardo Bastos – É preciso destacar um ponto importante também nessa gestão. Queremos construir parcerias pois nenhum país sozinho consegue fazer. A China obviamente conseguiu dar um salto gigantesco por conta de pesados investimentos e uma política orientada para o eletrificado. Na China tudo aconteceu por diversos fatores, mas também porque era o único caminho que eles tinham para despoluir as cidades. Acho que o Brasil dá grandes saltos quando começa a produzir. Talvez o momento seja de criar parcerias e buscar transferência de tecnologia. Isso é natural e vai acontecer. Acredito que os investimentos são sólidos. Novas empresas estão vindo para produzir. Algumas para montar fábrica aqui. Já outras querem ter um parceiro no Brasil. Eles sabem que produzir aqui não é fácil, então, mais do que uma empresa chinesa vir e simplesmente se instalar no Brasil, ela vai buscar em um primeiro momento um parceiro que queira fazer investimentos e participar deste processo. Muitas vezes a empresa chinesa já tem o capital e a tecnologia. O que ela precisa é de alguém que conheça esse país e saiba como atravessar as situações que acontecem por aqui.
Transporte Moderno – O exemplo mais típico e surpreendente de todos é exatamente a Great Wall Motors, que chegou aqui, procurou pessoas para entender o mercado, teve uma série de surpresas e foi se adaptando, entendendo a maneira que o Brasil joga, desde a compra da fábrica da Mercedes-Benz até escolher o modelo que surpreendeu todo mundo, porque as apostas eram em um full electric, mas na apresentação tinha um híbrido e os elétricos. Além disso, com mais tecnologia do que se pensava e com preço que ninguém imaginava.
Ricardo Bastos – Verdade. Acho que esse foi um case importante da Great Wall, que estudou por mais de 10 anos o mercado brasileiro e inclusive tentou fazer algumas parcerias no passado. A GWM tem custos mais baixos de produção pois produz boa parte de seus componentes.
Transporte Moderno – E adotou a estratégia de montar uma equipe com muitos brasileiros com poder de decisão, o que é raro.
Ricardo Bastos – Foi acertada a decisão de montar a estrutura da empresa no Brasil e ao mesmo tempo contratar brasileiros e dar poder para decidirem dentro da empresa. Se olharmos o produto que nós temos aqui no Brasil e comparar com o que há na China será possível ver que são completamente diferentes. Desde a parte estética até o powertrain, assim mudando completamente o veículo. Assim, percebemos que os chineses estudam muito o Brasil. Nosso país tem uma parceria estratégica com o governo chinês e isso é reconhecido por eles. Tive a oportunidade de almoçar com o embaixador da China e pude conversar um pouco com ele sobre isso. O segredo é esse: fazer um projeto que atenda realmente os interesses locais para que você faça parte da sociedade. Acho que não é só a produção e o lado econômico. A parte econômica faz a diferença quando você decide produzir no país, mas é importante se relacionar com quem está no Brasil, com as entidades de classe. Nosso relacionamento é construído com várias entidades.
Transporte Moderno – Quais as entidades procuradas?
Ricardo Bastos – Sindipeças, ANFAVEA, Única, SAE, AEA, IQA… Acho que são entidades importantes que são responsáveis por onde chegamos com a indústria automotiva brasileira. Construir essas pontes é muito importante para ABVE. Os associados da ABVE endossam muito essa visão porque muitas empresas são startups que cresceram, algumas conseguiram se deslocar a ponto de até chegar a ter sistemas e novidades sendo colocadas fora do Brasil. Dentro da ABVE, temos empresas que investiram e acreditaram no Brasil, que começaram pequeninas e hoje podem liderar plataformas de integração com investimentos capitados de fora. Tenho me reunido muito com empresas estrangeiras. Companhias norte-americanas e europeias querem se associar à ABVE nos setores de veículos para construção, carros, máquinas e equipamentos…
Transporte Moderno – Para se tornar forte, você não teria que trazer gigantes como Enel e CPFL, ou seja, esses novos players do mercado de veículos que nunca jogaram e agora entraram para o jogo? Inclusive financiando sistemas de ônibus, furgões etc.
Ricardo Bastos – A Enel já está lá com a gente. É uma das empresas mais atuantes na ABVE. Você tocou bem no ponto. Quando falamos de uma entidade, o veículo é importante porque está lá na ponta – seja o automóvel, seja o caminhão, seja o ônibus, mas ele é parte de um processo. Dessa forma, na ABVE está muito claro que não temos que focar só no veículo. O veículo é parte disso e a gente participa junto com outras entidades.
Transporte Moderno – Sem infraestrutura o veículo não existe.
Ricardo Bastos – Exato.Sem infraestrutura não há o elétrico.
Transporte Moderno – O exemplo das empresas que fecharam postos de abastecimento elétrico em uma das principais rodovias paulistas deixa o proprietário do veículo elétrico sem alternativas para seguir viagem.
Ricardo Bastos – E é preciso pensar na sustentabilidade disso. Dentro da ABVE temos um fórum para discutir tudo isso. Na nossa comissão de leves não estão só automóveis, mas também o pessoal interessado em vender para os automóveis. Temos que conciliar isso tudo lá dentro. É um erro pensar que ABVE está aqui para defender o automóvel. Queremos participar das decisões sobre a política automotiva porque isso impacta nos automóveis eletrificados e em todo o ecossistema dentro da associação, mas não no sentido de excluir qualquer outra tecnologia. Não queremos excluir o motor a combustão ou o híbrido. Pelo contrário: nós temos muitas empresas que produzem veículos híbridos. Isso é um pouco da leitura do que está por trás hoje na ABVE. Estamos posicionando a ABVE hoje junto ao governo e à sociedade, olhando esse caminho de parcerias, de construir pontes. E tudo sem nenhum demérito para outras tecnologias até porque o olhar é da descarbonização. Se temos no Brasil um etanol que é reconhecido, que tem seus grandes méritos, vamos associá-los e vamos trazer juntos. Acho que esse é o caminho. Queremos tentar ajudar até mesmo o etanol a sair do Brasil e chegar em outros países, como já está na Índia. Quem sabe a China possa se interessar?
Transporte Moderno – Quando se fala com ANFAVEA, Sindipeças e Fenabrave, todo mundo diz exatamente a mesma coisa: “A evolução dos carros elétricos, híbridos e novas tecnologias vai depender muito do Governo Federal”. Todos dizem que falam com ministros, com técnicos, mas não existe uma decisão do governo sobre qual o caminho. Temos a evolução do Rota 2030, mas toda hora sofre um adiamento. As empresas querem saber onde estamos, para onde vamos e como vamos. Qual a sua visão sobre esta questão?
Ricardo Bastos – Respeito e acho que tem bastante fundamento na opinião dos seus outros entrevistados, mas eu vou um pouquinho diferente do que eles colocaram. Acho que há um diálogo com vários interlocutores no governo, seja ele federal ou estaduais. Estive recentemente no Rio Grande do Sul para um evento e em São Paulo. Vemos muita oportunidade e uma aceitação muito grande do governo. Lembrando que estamos falando de gestões que começaram agora em janeiro. Para não ficar preso só nos governos recentes, podemos ver a legislação de São Paulo, que está dando um impacto muito grande no mercado de ônibus, principalmente eletrificados. Essa legislação é de 2018 para 2019. A ABVE participou ativamente dessa legislação. Acho que o governo talvez não faça tudo que a gente gostaria, mas acho que não podemos perder oportunidade e essa interlocução tem que existir sim.
Transporte Moderno – As partes estadual e municipal da cidade de São Paulo tomaram a decisão de que a maior parte das entidades da indústria instaladas aqui no país é contra. Seria importar um volume absurdo em detrimento da indústria nacional. Ao mesmo tempo há a dúvida: “Com quem eu falo no Governo Federal? Qual é a porta? Quem é que vai tomar a decisão e quando?”. Seja a decisão do governo anterior ou do atual, ela está atrasada. É necessário ter uma rota. Existe o Rota 2030 que não entra tão profundamente como precisava. Quando você espera ter essas decisões? E como é que vocês estão fazendo para poder tirar alguma coisa assim mais concreta?
Ricardo Bastos – Estamos fazendo uma interlocução com algumas cidades não só em São Paulo, Minas Gerais e Paraná, mas há várias cidades que estão entrando em contato com a gente. Estamos discutindo formas inteligentes de se criar uma política de instalação de carregadores, de mobilidade de levíssimos porque é uma questão que precisamos olhar, seja bicicleta ou patinetes. Não tivemos experiências muito boas até agora, mas as patinetes podem voltar em algum momento com outro conceito. As cidades têm um papel importante e uma interlocução que hoje já está acontecendo. O problema é que ter que falar com cada município individualmente.
Falando na esfera estadual, estamos trabalhando muito forte na questão do IPVA. Já temos estados como Rio de Janeiro e Distrito Federal com 5 anos de IPVA zero para veículos eletrificados. Ou seja, temos exemplos do que já acontecendo. A ABVE foca muito no IPVA e em medidas pontuais como ter o transporte público eletrificado. Além disso, olhando para a produção nacional, o Brasil já produz ônibus, então não há necessidade de importar. No governo federal, temos Geraldo Alckmin como vice-presidente e como Ministro do Desenvolvimento, que possui uma interlocução fantástica com a indústria automotiva. O presidente Lula veio da origem automotiva, de São Bernardo, então é uma pessoa sensível a esse tema, tanto que sobre algumas questões ele conversa, aponta soluções, além de permitir maior acessibilidade ao governo. As conversas com o ministro Alckmin apontam direções sobre o futuro dos projetos de descarbonização e essa interlocução com o governo não é de um canal só, mas o principal e é onde está a possibilidade do Rota 2030 fase 2. Não estamos parados. Temos também trabalhado em uma política de imposto de importação para os automóveis. Não será para os caminhões e ônibus porque temos fabricação local, mas para os automóveis que não produzimos localmente ou que temos produção ainda incipiente ou usando uma tecnologia de 20 anos atrás. Assim, mostramos para o governo que precisamos de mais tempo para trazer veículos híbridos e elétricos importados com alíquota reduzida. A agenda da ABVE em Brasília está muito extensa e nem entramos na área ambiental. Lá temos o ex-presidente da ABVE, Adalberto Maluf, fazendo um importante trabalho junto com a ministra Marina Silva.
Transporte Moderno – Com 37 ministérios, sendo que vários mexendo com questões de emissões e descarbonização, não fica mais complexo o trabalho de vocês? Tem muitos ministérios trabalhando em cima da mesma coisa, do mesmo produto. Isso não complica um pouco o trabalho de apresentar projetos?
Ricardo Bastos – Eu acho que tem que haver uma adequada leitura sobre os caminhos que facilitam o trabalho. Quando precisamos resolver algo de meio ambiente temos que passar pela ministra Marina, mas também falar com o Alckmin.
Transporte Moderno – Eles fazem os ajustes com os diferentes ministérios e autarquias?
Ricardo Bastos – São eles que têm que entrar em um acordo para definir o que o governo vai fazer. Fui ao Ministério das Relações Exteriores, que está trabalhando com a COP 30 que é em 2025 em Belém do Pará. Nessa interlocução com o Ministério das Relações Exteriores, quando apresentei a ABVE, eles falaram que deveríamos trabalhar juntos para deixar um legado de descarbonização ambiental na cidade de Belém do Pará. Eles coordenam porque a COP é responsabilidade deles, mas obviamente o Ministério do Desenvolvimento e do Meio Ambiente vão estar dentro também. Quando a gente fala em deixar o legado, o conceito é muito amplo. Podemos deixar desde uma frota de ônibus eletrificados, como a produção de algo ou qualquer coisa que gere receita, renda, emprego, enfim riquezas para as pessoas. Aí, o Ministério das Relações Exteriores, que tem a COP na mão, vai obviamente trazer para a mesa o Ministério do Desenvolvimento e o Ministério do Meio Ambiente que vão mostrar suas ações e projetos. Afinal estaremos em Belém, no meio da Amazônia.
Transporte Moderno – Outras empresas chinesas pretendem, tal como a Great Wall e BYD, trazer produção para o Brasil?
Ricardo Bastos – Não sinto nenhuma dificuldade de empresas chinesas trazerem produção para o Brasil.
Transporte Moderno – Não houve um erro de algumas indústrias do setor automotivo de criar uma gigantesca confusão entre descarbonização e eletrificação? Afinal, quando a ONU reuniu todo mundo em Paris, deixou claro o objetivo da busca da emissão zero. Ou seja, descarbonização. Algumas indústrias do setor premidas por dificuldades do mercado resolveram inventar algo que seria uma oposição para a descarbonização. Debaixo do chapéu de descarbonização vem gás, etanol, motores a combustão interna com combustíveis renováveis, híbridos, elétricos até chegar na célula de combustível. Quando a indústria automobilística, transportadoras, shoppings, universidades e residências colocam sistemas de energia fotovoltaica, fazem o reaproveitamento e redução do consumo de água e de resíduos mostram que tem várias maneiras de você reduzir a pegada, mas isto foi esquecido. O motor a combustão virou um monstro. Falta uma acurada análise dos elétricos, as suas vantagens e problemas: desde recarregar veículos em países que produzem energia com carvão ou alternativas fosseis até questões relacionadas à bateria, desde a mineração em busca dos elementos para sua produção e a questão da disponibilidade do elétrico até o descarte, daqui alguns anos, de milhões de baterias.
Ricardo Bastos – Cada empresa é responsável por sua estratégia. Os elétricos terão uma entrada gradativa no mercado. Em um primeiro momento o que mais se vende são os denominados eletrificados, caso típico dos híbridos. O preço dos elétricos ainda é muito elevado para o poder aquisitivo do brasileiro – em torno de R$ 150 mil. Estamos ainda naquele trabalho de divulgar, de uma forma lógica e racional, as novas tecnologias do universo dos eletrificados: híbridos plug-in, híbridos não plug-in e elétricos. Tem hoje um debate muito mais claro para auxiliar o consumidor. Desde a autonomia até as vantagens e desvantagens de cada tecnologia. O híbrido flex – o consumidor gosta da alternativa de escolher – é uma das alternativas mais rápidas para atender a descarbonização. A gente sempre defende a compra racional, então o veículo elétrico é muito gostoso de dirigir, silencioso, tem uma série de benefícios, além do meio ambiente. Uma das vantagens também é a manutenção depois que você compra. O quilômetro rodado é mais barato seja pelo custo da energia ou custo da manutenção. A dificuldade está quando você tem que comprar. Quando há condições ou políticas públicas te direcionando para esses veículos na cidade, como foi o caso da China. Lá tiveram que tomar uma decisão por questões de poluição. Definiram que teriam elétricos e híbridos plug-in, mas com uma certa autonomia. Tomaram a decisão porque as cidades estavam insuportáveis. Hoje você vê gente vindo da China que anda em grandes cidades e fala que a cidade não faz barulho nenhum porque está dominada pelos modelos elétricos, que não fazem barulho. Ou seja, vamos ter outros ganhos da tecnologia. A compra racional é importante, principalmente quando se fala de Brasil. Não é dar incentivo para uma tecnologia apenas. É manter a janela de ter elétrico aberta.
Transporte Moderno – Se você vê o tamanho da bateria do elétrico e do híbrido, é um salto brutal.
Ricardo Bastos – Há uma diferença grande. Hoje tem combinações diferentes dentro dos híbridos, híbridos plug-in com um pouco mais de bateria permitindo você usar 1,2 ou até 3 dias no modo elétrico, mas você pode fazer uma viagem de 1.000km sem se preocupar com onde vai carregar. Existem condições para se programar com essas tecnologias. Olhar obviamente na parte de onde vem a energia, temos o biocombustível e defendemos na ABVE que estejam dentro da discussão a nossa energia, a nossa matriz energética.
Transporte Moderno – 87% é renovável, mas na Alemanha a maior produção é exatamente do combustível que não deveria ser utilizado: carvão. No entanto, aparecem carros alimentados com energia produzida por carvão.
Ricardo Bastos – Fui recentemente para a minha cidade com veículo híbrido. Visitei a fazenda de amigos que plantam soja, milho e criam gado. Os clientes deles tinham veículos da concorrência. Fui lá mostrar o carro como empresa. Gostaram, mas a fazenda deles tinha uma estrutura de painéis solares, controlavam pelo celular e ganhavam dinheiro com a geração de energia. Também conversei com um secretário de Agricultura aqui no Brasil, que me contou que estava cuidando de painéis solares. Vale dizer que com hidrogênio também será assim. Estamos vendo um mercado para veículos de carga muito interessante em que você tem o Brasil fazendo investimentos e olhando para a exportação do hidrogênio. Se construirmos de forma bem-organizada, é possível ter frotas de caminhões e de ônibus, e rotas com postos de abastecimentos de hidrogênio. Não precisa ter um posto em cada esquina porque é caro. Dá para ter um posto a cada 500 ou 600 km. Estamos falando de energia.
Transporte Moderno – Descarbonização é energia.
Ricardo Bastos – Por último é a descarbonização. Agora a energia é fundamental. É preciso ter energia limpa e renovável. Não adianta ter só motor.
Transporte Moderno – Dentro do chapéu de descarbonização parece que há uma briga (gás, fuel cell, carro elétrico, carro híbrido…) em vez de pensarem em caminhar juntos. Há um problema de descarbonização mundial. Como não há um planeta B – só tem o A – é importante trabalhar juntos para chegar em 2050 atingindo as metas porque a gente não tem a alternativa de não atingir. O que a gente faz?
Ricardo Bastos – Aqui é preciso olhar realmente para o jogo. Primeiro, acho que vai haver um movimento de barateamento da tecnologia elétrica.
Transporte Moderno – Mesmo com o estudo que saiu em Wall Street que para construir uma nova mineração leva 16 anos? Como se faz isso?
Ricardo Bastos – Acho que talvez tenha oportunidades com tempo menor do que esse, mas em outros países… No entanto, não é isso que vejo dentro de quem está hoje nos municiando de estudos. Acho que vai baixar o preço do carro elétrico, eletrificado, com híbrido sempre. Quando falo eletrificado inclui os híbridos. É um movimento natural. Hoje você já está vendo híbridos competindo com carros a combustão.
Transporte Moderno – O híbrido sim.
Ricardo Bastos – Vamos chegar lá. Primeiro a gente tem que dar os passos. Não é ser contra o elétrico. Ele está aí, existe e vai circular. Não vai ser o campeão de vendas, seja pelo preço, pela infraestrutura, pelas questões que ele ainda não entrega, mas está melhorando e vai ser mais barato. O elétrico é muito simples quando você populariza…Acho que as oportunidades para os eletrificados possam se aplicar nos híbridos, mas acho que o preço precisa baixar até porque já vão aparecendo combinações de baterias olhando o interesse do consumidor. O híbrido com um pouco de bateria vai permitir que o fazendeiro abasteça na tomada da fazenda dele, com a energia solar dele. Fica mais barato do que usar o diesel, além de evitar os problemas de qualidades do diesel.
Transporte Moderno – Os motores elétricos têm vantagens em relação ao diesel?
Ricardo Bastos – O motor elétrico tem um torque instantâneo. O diesel é muito usado no transporte de carga principalmente pelo torque, pela força, e o motor elétrico tem isso. Acho que teremos de construir esse veículo. E ainda tem a vantagem de ser amigável com o ambiente. Precisamos dar esse passo.
Transporte Moderno – A ABVE tem esse papel político de convencer as pessoas a fazer direito?
Ricardo Bastos – É isso. Nós estamos fazendo isso. O Brasil é grande. Estamos falando com as cidades, com o governo. É muito difícil hoje você falar para que o Rota 2030 tenha uma política de carregadores. Acho que aqui no Brasil precisamos entender que o poder público não tem que pôr dinheiro nisso. Precisa regulamentar.
Transporte Moderno – Incentivar, regulamentar.
Ricardo Bastos – Exatamente. Quem põe dinheiro são as empresas. No começo a gente tinha carregador que demorava dez horas para carregar o carro e esse era o padrão. Atualmente a WEG produz carregadores muito mais rápidos. Já existem empresas fazendo parceria e oferecendo esses carregadores a um custo reduzido para os seus clientes. Para atender a todos os modelos e marcas de elétricos, desde as de luxo até as normais. Mas os carros precisam ter a tecnologia para receber carregamento rápido. Hoje já tem marcas trazendo carros híbridos que podem ser carregados em 40 minutos.
Transporte Moderno – Sem reduzir a vida útil da bateria?
Ricardo Bastos – Sem reduzir a vida útil, sem comprometer. Estamos em uma corrida. A bateria tem garantia: oito anos mais ou menos. Se a bateria deu algum problema a curto prazo, tem que trocar. A bateria deve durar o mesmo tempo que a vida do carro, assim como o motor. Você não compra um carro se perguntando quando é que vai ter que retificar o motor. As pessoas sabem que se comprar um carro de oito anos podem ter problemas no motor e podem ter problemas na bateria. Então se faz uma avaliação técnica e verifica o real estado dela. Se tem 80%, dá para a comprar. Caso contrário, será necessária uma nova. Se a capacidade está ruim, pode virar um armazenador de energia. Ainda tem vida econômica e é útil para a sociedade. Esta bateria só vai ser descartada depois que não tiver mais condições de ser usada em nada. Então, o momento do descarte ou da reciclagem é quando a bateria sofreu um acidente ou porque realmente chegou o momento em que ela não serve para mais nada.
Transporte Moderno – Os módulos da bateria podem ser trocados?
Ricardo Bastos – Exatamente. Você poder fazer a manutenção mais simples. Hoje o processo de reciclagem não é um problema. Quem vai cuidar da bateria é o fabricante do veículo, o fabricante da bateria porque a legislação é essa. E já se está trabalhando com outras empresas interessadas nesta bateria. A dificuldade do elétrico puro é precisar de muita bateria. Quando você aumenta a bateria, o peso sobe e o preço sobe. Assim, efetivamente o carro se torna mais caro para um cliente realmente premium. Mas se isso for feito olhando só uma foto de hoje, o raciocínio não está errado. Agora, é preciso ver a tendência disso no futuro. Vai abandonar? O elétrico está baixando de preço e permitindo combinações diferentes de baterias que o Brasil experimenta hoje graças ao imposto de importação reduzido e diferentes combinações de uma mesma tecnologia. Nós temos produções aqui de bateria de níquel. Os que estão vindo importados são com baterias de lítio, de outra durabilidade, de outra autonomia. Acho que o Brasil deveria manter esse imposto de importação para permitir que essas tecnologias cheguem. O custo em termos de importação é baixo. Foram menos de 10 mil unidades plug-in importadas no ano passado. É muito pouco. Vale a pena continuar abrindo mão de uma parte desse imposto de importação? Lembrando que esse imposto não é arrecadatório, mas regulatório. A finalidade não é colocar dinheiro no cofre, mas regular, sendo usado para o Brasil ficar conectado às novas tecnologias, e não perder esse salto que tem acontecido no setor.
Transporte Moderno – O que pode acontecer com empresas que resolveram apostar só no elétrico?
Ricardo Bastos – Vão sofrer. Não tem viabilidade vender só elétrico. Só se o negócio tiver escala pequena. Ainda temos muitos obstáculos para serem vencidos, mas acho que falta diálogo com a sociedade. Temos de avisar que viemos gerar empregos, recolher impostos, trazer tecnologia e colaborar fortemente com a descarbonização.
Transporte Moderno – Estamos atrasados na definição de quais são os caminhos. Aonde queremos chegar, quais as estratégias, investimentos e pesquisas nas alternativas mais viáveis. Claudio Sahad, presidente do Sindipecas, já alertou que se tivermos competitividade, teremos uma oportunidade de ouro no fornecimento de peças e componentes para o mercado de reposição do mundo inteiro (algo próximo das 2 bilhões de unidades).
Ricardo Bastos – Em épocas de mudanças fortes, talvez exista um equívoco em culpar uma crise conjuntural com algum ataque da eletromobilildade, que, em realidade, não está acontecendo. Precisamos entender a filosofia dos chineses e a visão para o futuro. O embaixador chinês no Brasil disse que a China olha para o Brasil com um olhar de complementação, um olhar de parceiros estratégicos porque o Brasil tem coisas que eles não possuem na China. A energia brasileira é um exemplo para o mundo. Ele comentou que se a China tem a tecnologia para consumir essa energia brasileira de veículos eletrificados, híbridos ou elétricos, o Brasil tem energia. Isso é governança também. Tenho interesses diferentes dentro da ABVE. Existem empresas que só querem o elétrico. O que tentamos fazer na ABVE? Primeiro, descaracterizar completamente a questão comercial, uma verdadeira batalha. Já realizei várias reuniões para conversar sobre isso. Nós temos de tirar o lado comercial porque se entrar nessa discussão, não fecharemos acordos e aí a entidade não tem posição e vai cada um para um lado. Mas esse movimento de barateamento do carro elétrico em geral deve acontecer. Com o híbrido já está acontecendo.
Transporte Moderno – Esse discurso de que vai baratear já ouvimos há muitos anos. A bateria sobe, o carro sobe. Não estão conseguindo atender a demanda de materiais para produzir as baterias.
Ricardo Bastos – A China fez avanços nos últimos cinco anos. Não tinham esse volume e essa escala de hoje. Temos vários desafios para enfrentar, como a conquista do mercado brasileiro e produzir no Brasil uma picape eletrificada 4×4 mais barata do que a diesel.