Por Fred Carvalho
Transporte Moderno – Quais os caminhos possíveis para a indústria automobilística brasileira para atender as reduções de emissões?
Henry Joseph Junior – Eu acho que a indústria tem alternativas, já mostrou os caminhos, já demonstrou a vantagem e desvantagem de cada um, já mostrou o potencial de cada um dos caminhos, limitação de um dos caminhos. Já mostrou que nós temos alternativas, mas que elas são complementares, não são exclusivas, precisamos fazer coisas que pensem com mais longa distância. Então a indústria já tem a regra da coisa, sabe o que tem de fazer. Agora, está faltando alguém para chutar essa bola no meio do campo, e isso aí entendo que seja a sociedade entre aspas através do seu governo. Acho que está faltando o governo governar. O governo dizer “como que eu quero fazer isso?” Vai ter uma política industrial? Vai ter uma política agrícola para isso? Política ambiental que envolva os diversos atores e começam a determinar como é que são os melhores caminhos. Algumas sinalizações já existem. Mas existem muitas dúvidas. Nós vamos ter potencial para fazer tudo na base do biocombustível? Até quando? Quanto que conseguimos produzir realmente de biocombustível para colocar no mercado e ter preço que faça com que os consumidores sejam convencidos a utilizar o biocombustível? Ninguém vai usar biocombustível só por questões ambientais, morais, não, tem que ter um lado econômico que precisa ser observado. Se fosse assim, todos nós hoje estaríamos usando etanol, porque os carros permitem.
Transporte Moderno – O consumidor não usa porque não quer…
Henry Joseph Junior – Exato. O consumidor não usa por uma questão econômica, por uma questão de preço.
Transporte Moderno – O etanol tinha uma série de problemas em sua fase inicial. Como está este combustível atualmente?
Henry Joseph Junior – Tudo que fazia mal no etanol, hoje as especificações da Agência Nacional de Petróleo já proíbem de ter. Eu diria que hoje o etanol já está no estado da arte do que precisa ser para ser usado como combustível. O único ponto que ainda não está totalmente enquadrado é o teor de água, porque nós temos dois álcoois no Brasil, um hidratado e um anidro. O anidro a gente usa para misturar com a gasolina e o hidratado é o que tem na bomba para abastecer o carro flex quando quer usar etanol. Esse hidratado que tem 7% de água, essa água não queima, é uma porcaria que está lá, se nós tirássemos essa água do álcool, nós teríamos um combustível que seria até mais eficiente.
Transporte Moderno – Seria 100% e não 93%?
Henry Joseph Junior – Isso faria melhorar o consumo dos veículos a álcool cerca de 2,5 a 3%, tem testes comprovando isso. O mesmo carro flex que está na rua e que usa o etanol ou gasolina, poderia usar o etanol anidro no lugar do etanol hidratado que ele está usando hoje, e faria com que andasse 2,5 a 3% mais do que ele anda hoje com álcool hidratado.
Transporte Moderno – E qual o motivo da opção pelo hidratado?
Henry Joseph Junior – Porque, primeiro, nós temos tradições no Brasil que são difíceis de se mexer, então nós começamos produzindo no Brasil etanol hidratado. Por que hidratado? Esses 7% é o chamado ponto eutético, quando eu destilo o etanol naturalmente já sai com 6,7% de água, isso é natural, é o chamado ponto eutético. Nesse ponto da destilação sai com 6,7% de água. Se eu quiser tirar essa água, tenho que passar por outro processo e esse outro processo, ou você faz uma destilação com cosolvente, mistura o produto e quando você destila esse produto sai com água e o etanol sai anidro, ou você passa por peneiras moleculares que retém a água e deixa passar o etanol. Mas enfim, você vai precisar de um novo processo para tirar aquela água do álcool. Um novo processo significa um passo a mais e um custo a mais. No Brasil quando se começou a querer colocar álcool na gasolina, tinha-se na época uma visão que álcool e gasolina se fossem hidratados, não misturava, porque achavam que aquele 7% de água não ia misturar direito com a gasolina. E era verdade, porque no passado, a nossa gasolina produzida no Brasil era chamada de gasolina de destilação direta, que é uma gasolina que tem uma composição que se dá mal com a água. Então, naquela época tinha mesmo essa preocupação, se eu colocasse álcool hidratado na gasolina, quando chegasse no posto e ficasse parado um pouco lá, ia separar, a água ia a pra cima e gasolina para baixo. Então, na época se definiu que o etanol para colocar na gasolina deveria ser o etanol anidro. Várias usinas no Brasil investiram para fazer esse etanol anidro, porque ele teria uma remuneração melhor. E até hoje isso persiste, ele realmente tem uma remuneração melhor, a tributação dele é diferente, para os produtos que fazem o etanol anidro, é muito conveniente produzir esse etanol. Por que? Porque ele tem participação obrigatória na gasolina, quem faz o álcool anidro tem um mercado cativo, não interessa se está vendendo carro a álcool, mas quanto vender a gasolina terá adição de 27%.
Transporte Moderno – Aquele etanol de milho feito nos Estados Unidos, qual que é?
Henry Joseph Junior – Anidro. Ninguém no mundo faz álcool hidratado, só o Brasil que faz. E por que continuamos fazendo hidratado? Ah, porque hidratado é mais barato de fazer e sai à vontade, na hora que eu quiser, eu produzo, e ele acaba sendo reflexo do mercado de açúcar. Quando se fala que o preço internacional do açúcar está muito bom, não é o álcool anidro que deixa de ser produzido, é o hidratado que diminui a produção para produzir mais açúcar. Então, o balanço para quem faz o álcool hidratado é o preço do etanol na bomba versos o preço do açúcar no mercado internacional. Aí que nós temos um mercado que esse hidratado não baixa preço nunca, vai ser sempre 70% do preço da gasolina, porque nenhum usineiro é bobo para baixar esse preço…
Transporte Moderno – Ele não teria coragem de baixar para 60% do preço da gasolina….
Henry Joseph Junior – Por que ele faria isso? Se ele sabe que o consumidor faz exatamente esse cálculo, se for 70% o preço da gasolina, até 70% ele usa etanol, se for mais usa gasolina. Essa configuração tem atrapalhado muito esse mercado aqui no Brasil, e por outro lado, nós temos uma tributação diferente. Na produção de etanol, a tributação, o meio de recolher é diferente, já é recolhido na própria usina ah medida que vai sendo distribuído, e o etanol anidro não é recolhido na hora que é produzido, só vai ser recolhido quando for adicionado na gasolina e for comercializado, aí ele passa a ter uma tributação lá pela distribuidora no final. Ou seja, tem todo um mercado por trás que já está estabelecido. Por isso falo que nós temos algumas tradições no Brasil que são difíceis de serem mexidas. Nós temos uma verdade no mercado que já por si só criou algumas barreiras e atrapalha bastante, lógico que atrapalha. Agora se formos pensar do ponto de vista energético, que nem eu falei, se tirasse esses 7% de água do álcool hidratado, o veículo andaria melhor como se estivesse usando só álcool, esse 70% de diferença de preço já começa mudar um pouco, porque o carro vai andar um pouco mais. Para o cara passa a ser muito mais interessante usar o etanol, vai economizar do bolso.
Transporte Moderno – Seria possível resolver em uma virada de chave e atenderíamos as metas de redução das emissões.
Henry Joseph Junior – Não é bem assim. Nós temos produção de etanol suficiente para abastecer a frota toda? Não temos.
Transporte Moderno – O Brasil conseguiria produzir todo o etanol que precisaria mais para dar a virada de chave?
Henry Joseph Junior – Sim. Área para plantar tem, viabilizaria inclusive o etanol de segunda geração. Etanol de segunda geração, tem uma produtividade muito grande, porque você produz o etanol não somente da cana, mas também da própria folhagem da cana. Isso que é o etanol de segunda geração, você consegue produzir a partir da celulose e passa a produzir etanol inclusive de outras plantas, não necessariamente somente da cana-de-açúcar. Qualquer grama poderia ser por um processo de geração capaz de ser matéria prima para produzir etanol.
Transporte Moderno – A única mudança no etanol no curto prazo é tirar a água.
Henry Joseph Junior – É a mais significativa, porque os restos de componentes contaminantes do etanol, até hoje são tratados. Hoje o etanol não tem mais contaminação como tinha no começo do Proálcool, tinha cátions, tinha contaminação de cálcio, sódio, potássio, tinha contaminação de outros compostos juntos, aldeídos e cetonas juntos. Isso com o tempo, tanto se discutiu o que poderia melhorar, isso foi sendo removido e hoje o processo de produção do etanol é de tal modo calibrado que o etanol sai sem esses contaminantes. Então, ele é um produto hoje que não tem o que mexer, eu diria que dos combustíveis comercializados o que tem melhor característica hoje é o etanol. Ele tem uma composição constante, tem baixíssimas contaminações, o que ele tem de contaminação com água é um problema de aumentar o consumo do veículo.
Transporte Moderno – E o motor? Como foi a evolução? Foram investidos centenas de milhões para melhorar o motor em relação ao etanol. Tem ainda melhorias possíveis ou não?
Henry Joseph Junior – Eu diria que não.
Transporte Moderno – Chegou no limite?
Henry Joseph Junior – Chegou. Muitas das características são limitadas hoje pelo fato do motor ser flex, um mesmo o motor que vai queimar etanol, vai queimar gasolina, e tem algumas características de queima que são diferentes, então o motor tem que considerar que existe essa possibilidade. Se fosse somente etanol, o motor teria um rendimento melhor, teria uma performance melhor, um consumo melhor? Provavelmente melhoraria sim. Teria alguma coisa que poderia melhorar, provavelmente o ponto de ignição ficaria melhor acertado, a taxa de compressão poderia ser um pouco melhor do que a que é usada hoje, porque tem que se respeitar a gasolina. A injeção do próprio combustível, ficaria uma injeção mais pulverizada, porque aí dá para usar um injetor somente pensando no etanol, a própria vela de ignição vai ter uma temperatura mais ajustada para detonação do etanol. Talvez até o próprio desenho da câmara de combustão, anéis, tivessem um perfil melhor e o motor teria uma performance um pouco melhor, só que ele deixaria de poder usar gasolina. Então isso foi o que parou muito essa questão, se você faz um motor que é etanol, tem que convencer quem vai comprar que ele terá um motor que só vai poder usar etanol.
Transporte Moderno – O que que falta, o que precisa ser feito e quem tem de fazer as medidas para a descarbonizacao? É o governo que entra agora e dá as diretrizes de como chegar em 2030 ou 2040 ou é a indústria que através de um outro ou de um prolongamento do Rota 2030 vai indicar para onde estamos caminhando? É a indústria que decide ou o governo que fala “segue o rumo”?
Henry Joseph Junior – Excelente pergunta, porque me dá oportunidade de falar o seguinte: o aquecimento global é causado somente pelos automóveis? Não é. Então a colaboração do Brasil como um país para diminuir o aquecimento global passa a atacar os automóveis? Não. Estudos que nós temos aí mostram que o transporte, incluindo trens, aviões, motocicletas, caminhões e outros, são 13% das emissões do Brasil, 13% é responsabilidade do transporte. Mas nós temos outros atores aí que são muito mais importantes, principalmente a parte florestal, a parte agrícola é uma parte importante nessa história, a parte industrial é uma parte importante nessa história. As gerações de energia para outros usos, não somente para automóveis, geração de energia elétrica ainda que o Brasil seja muito limpo, mas tem também umas pequenas partes de geração de diesel que também entram nessa conta. Ou seja, nós temos vários atores que têm responsabilidade nessa história. Então quando você fala assim, o que o governo tem que fazer? O governo antes de mais nada tem que dizer qual é a parcela que cada um desses segmentos tem que fazer para que tudo dê certo. Não adianta chegar e falar “O automóvel, você tem que diminuir 70%” Ok, vamos diminuir, mas vai resolver o problema? Óbvio que não vai resolver o problema, e daqui 10 anos chegar e falar que todo mundo tem que diminuir pela metade. O automóvel já diminuiu 70%, como vamos diminuir mais ainda? É uma preocupação forte. Ele precisa estabelecer quais são as metas para cada um dos segmentos da sociedade, como cada um tem que agir, como tem que chegar.
Transporte Moderno – Indústria, comércio, agrícola…
Henry Joseph Junior – Indústria, comércio, energia, plantação agrícola, produção de carne, tudo. Todo mundo tem que entrar nessa história e definir qual é a parcela que cada um tem que fazer, tempo e qual é o processo. A hora que ele fizer isso, aí sim começa. Vamos falar do setor industrial. Nós do setor automotivo temos duas parcelas nessa história, uma é pelo produto, o automóvel, o que nós temos que fazer, falamos agora da eletrificação, falamos de biocombustível, enfim, esse é o produto. E tem o outro lado também que é o processo, a produção, então nós temos que pensar também no nosso processo industrial o que terá que fazer. Quando nós tratamos do processo industrial, a indústria automobilística está dentro de um setor industrial que é um setor de manufaturados, setor que tem uma parcela grande na indústria do país. Isso tudo, precisaria dizer para esse setor industrial “meus amigos desse setor, vocês até a data tal tem que fazer tal coisa e reduzir tal coisa”.
Transporte Moderno – Tem que fazer o efeito cascata, ou seja, você pega o fornecedor de aço, fornecedor de plástico, você vai na cadeia inteira.
Henry Joseph Junior – Isso, não adianta eu pegar só lá na ponta da fábrica e falar assim “vou gerar energia elétrica limpa” e usar um monte de aço que fez problema no meio do caminho. A indústria está totalmente mapeada para isso, ela já sabe desde os seus fornecedores, como é essa cascata, como é que tudo isso deveria ser, pelo menos ela sabe. Tem o que se chama inventário, o inventário das emissões de toda cadeia…
Transporte Moderno – Ter a noção exata de onde ela pode mexer. E como é que ela pressiona para ter
Henry Joseph Junior – Ela não pressiona, se ela pressionar livre e espontânea vontade ela vai simplesmente encarecer o produto dela. Algumas coisas dão para fazer, você consegue induzir os seus fornecedores a trabalhar e pensar com alguma coisa, isso já está acontecendo, alguns fornecedores que são geradores de resíduos, geradores muito grandes, você começa estabelecer critérios para que ele possa melhorar o processo dele e dar prazos para que ele faça aquilo. Quando são muitos fornecedores de um mesmo produto, é fácil fazer isso, porque você estabelece uma concorrência entre seus fornecedores e fala que só vai comprar de fornecedor que melhorar isso. Eles se matam para conseguir fazer aqui. Quando você vai para um fornecedor que é exclusivo, ele te manda pentear macaco. “Não quer comprar de mim, então vai procurar onde você quer comprar”. Essa é uma dificuldade do mercado.
Transporte Moderno – É igual fornecedor de chip, né?!
Henry Joseph Junior – Então, isso é uma questão que só na hora de estabelecer critérios e metas para todas. Não sou eu que tenho que dizer para o meu fornecedor, ele vai ter que comprovar aquilo para poder estar no mercado, ele vai ter que fazer aquilo para não pagar multa, e eu vou dizer para ele “não tenho nada a ver com isso, você tem que se adequar” “Ah, mas vou ter que aumentar o preço do meu produto”, para mim não, não tenho nada a ver com isso. Aí se ele aumentar o preço do produto, chego para o meu governo e falo “Escuta, o preço do meu insumo aumentou, porque você determinou que ele tem que fazer tal coisa, então alivia minha carga tributária para compensar esse aumento que eu tive, pois não tenho culpa, o meu consumidor não pode ser penalizado por causa disso”. Então, são ferramentas que precisam ser colocadas na mesa como você pode avaliar muita discussão que vai surgir. Por isso que eu falo, a questão hoje não é a indústria, a questão hoje tem que ser levada para um outro nível. Quando fala que o Brasil é o melhor, o Brasil, a matriz, o biocombustível, ótimo, estão todos os atores, todo mundo pronto para entrar em cena, só que precisa definir como isso vai acontecer. Precisa começar a criar os diálogos, precisa começar a criar metas, criar organização.
Transporte Moderno – E não esculhambar como fizeram com a aditivação do diesel.
Henry Joseph Junior – Não, não vai resolver nada.
Transporte Moderno – Aliás só vai quebrar motores…
Henry Joseph Junior – Só vai quebrar e se começar a ter muita gracinha, começar querer fazer as coisas sempre sem pensar, vão começar a encarecer o produto brasileiro, nossos produtos de mercado e vai ter um gênio querendo importar de tal lugar, porque lá o produto é muito mais barato, “Olha como o produto daquela região é muito mais barato que o nosso”. Lógico, o cara produz lá sem ter que obedecer a coisa nenhuma, sem tem que dar nenhuma contribuição adicional, muitas vezes nem paga questões trabalhistas, nada, o produto dele vai ser muito mais barato do que aquele outro que para produzir tem que obedecer a uma série de critérios, requisitos, leis, limites e tal. Exatamente. Então é um jogo, mas esse jogo para ser jogado precisamos que todos…
Transporte Moderno – Nós estamos atrasados nesse jogo?
Henry Joseph Junior – Muito, muito, muito. Temos exemplos enormes que podemos colocar. Quando se fala do produto chinês, muito bem, a China é o maior produtor de veículos elétricos do mundo, verdade. A maior frota de veículos elétricos do mundo, é verdade. Maior produtor de baterias do mundo, é verdade. Maior reciclador de baterias do mundo, verdade. O que tem por detrás disso daí? Tem uma política industrial estabelecida pela China nos anos 90, que começou a definir os caminhos que a China e os produtos deles deveriam ter. Falaram assim “não vou competir para fazer carro de combustão interno com alemão, americano, japonês, que fazem isso há muito mais tempo e melhor que eu. Quero entrar em um jogo que seja novo e esse jogo vai ser a eletrificação”. Então a China tomou como decisão governamental de política industrial, incentivar a tecnologia da eletrificação em toda sua cadeia, desde a produção da célula da bateria até a produção do produto final. E passou também pela fase de produção da própria energia elétrica, estabeleceu isso, começou criar incentivos, fazer acordos internacionais, acordos de empresa, todas as empresas chinesas no começo tinham parceria com empresas de outros lugares. Nós sabemos que os produtos que são fabricados na China, daquelas marcas europeias e americanas que estão lá…
Transporte Moderno – É tecnologia deles.
Henry Joseph Junior – Sim, levaram a tecnologia, mas tiveram que ser sócios de chineses, o governo chines era sócio de todas essas empresas. Houve transferência de tecnologia, que hoje mostra o que está acontecendo. Essa foi uma decisão governamental na China, estabeleceu uma política.
Transporte Moderno – Baseado na excessiva poluição, em busca de deixar a China como responsável pela grande mudança dos elétricos.
Henry Joseph Junior – Vamos para a Europa. A Europa também estabeleceu uma política nesse sentido, ela estabeleceu uma política lá atrás de eficiência energética de diminuição de emissões de gases de CO2. Os limites europeus de CO2 por quilômetro, que era quantas gramas de CO2 pode emitir. Começou com 130g “Nossa, os nossos carros emitem 200 e o europeu emite só 130”, depois baixaram esse 130 para 90, “Nossa, esses alemães são loucos, olha onde chegaram”. Foram políticas, atrás disso daí teve programas de incentivo, programas de financiamento, programas tributários, teve uma série de coisas. E além disso se trabalhou muito na consciência pública de que tinha que reduzir os gases de emissões, sabe como? Você declarava o seu imposto de renda com o carro que você tinha, se o seu carro emitia muito CO2 você ia pagar mais imposto de renda, se emitisse menos CO2, você pagava menos imposto de renda. Olha como o público foi convencido de que CO2 é um problema.
Transporte Moderno – Como na China foram convencidos pelo financiamento.
Henry Joseph Junior – Exato.
Transporte Moderno – Quer comprar o elétrico? Está pronto.
Henry Joseph Junior – Não quer, entra na fila.
Transporte Moderno – Não quer entra na fila para pegar daqui a um ano.
Henry Joseph Junior – Um ano na melhor das hipóteses e sem financiamento…
Transporte Moderno – Além disso, você paga 6 mil dólares de taxa circular com ele, e não pode parar em estacionamento no centro da cidade.
Henry Joseph Junior – Então, são exemplos que mostram que políticas públicas quando pensadas, quando introduzidas através de um planejamento funcionam. Obviamente houve discussão, não foi um gênio que acordou e falou vou fazer assim. Obviamente houve uma série de discussões, são importantes, por isso quando você pergunta se o Brasil está atrasado, está, nós não estamos discutindo nada. Nós ficamos aí na base, “Olha como a matriz é bonita, olha como somos maravilhosos, olha como não sei o que”, mas não tem nenhuma ação efetiva.
Transporte Moderno – A Rota 2030 que vem lá detrás…
Henry Joseph Junior – Que vem com outras características, começou copiando o programa europeu, porque era, a gente fala em megajoule por quilômetro, mas na realidade era a mesma coisa de CO2 por quilômetro, exatamente igual. A primeira meta do Rota, aliás, nem era o Rota, era do Inovar Auto, era os mesmos 130 gramas europeus.
Transporte Moderno – Hoje o Rota está quanto?
Henry Joseph Junior – Hoje a gente já está na faixa de 90 e pouco. E estamos indo para uma fase agora que vai chegar a 84 provavelmente. Mas só que hoje a gente considera do poço à roda aqui, o que é muito bom, porque a Europa quando fala em 90, ela não está considerando do poço à roda, está considerando escapamento do veículo. Se ela meter nessa conta o quanto ela gera de CO2 para produzir aquele combustível que está sendo colocado no carro, esses 90 chegam fácil a 130, 140.Então nós temos realmente vantagens muito grandes. Nós estamos atrasados realmente nesse aspecto, tanto que não sabemos onde estamos ou queremos ir. Você viu aquele estudo da BCG que a Anfavea? Nós traçamos lá três cenários, certo? Um cenário se não fizer nada, só com as legislações que já tem, um cenário tomando decisões de que deve investir na eletrificação e começar a determinar coisas que para a eletrificação. E um terceiro cenário se o governo falar que não vai na eletrificação, vai mais no biocombustível, começar a trabalhar para que aumente 15 pontos percentuais o consumo de biocombustível no Brasil. Não é que nós estamos falando que vai triplicar, não, lá mostrou que o governo poderia trabalhar para aumentar 15 pontos percentuais o consumo de combustível no Brasil. Se hoje estamos consumindo, sei lá, todo o combustível líquido do Brasil 30% é etanol, nós chegaremos a 45% de etanol. Pois bem, nesses três cenários que foram levantados, mostrouse que o melhor seria realmente o biocombustível, por causa da frota que nós temos que já pode usar etanol. Então ao invés de trocar carro de combustão interna barato por carro elétrico caro, é muito mais rápido você meter mais etanol no mercado com os carros que já estão podendo usar, só aumentar a oferta e consumo de etanol. Volta no começo nosso aqui, estávamos falando como melhorar o etanol, tira água, começa fazer coisa, pinta de cor de rosa, quem usar etanol vai entrar no céu, sei lá. Fala alguma coisa que convence os caras. A coisa mais efetiva e rápida de nós reduzirmos nossas emissões de gás de CO2 dos veículos, volto a insistir nesse ponto, é isso. Vai resolver o problema do Brasil? Lógico que não. Nós podemos melhorar o CO2 daquilo que eu falei que é 13% de todo CO2 do Brasil. Na verdade o transporte rodoviário é 11%, o transporte como um todo é 13 e o rodoviário é 11. Então se a gente melhorar aí, vai melhorar o 11. De 11 baixa para 10,8, e o resto não sei. Por isso que precisa fazer alguma coisa assim, colocar…
Transporte Moderno – Se o governo não determina, se não ocorre nada, o que a indústria faz? Você tem uma indústria que precisa começar a planejar a sua produção… A indústria sempre precisou de um horizonte. Para onde eu vou? Eu vou seguir o que? Ou seja, vou começar a desmontar minhas fábricas onde produzo combustão interna, começo produzir híbrido ou elétrico, faço igual a GM falo que não vou produzir isso, só aquilo.
Henry Joseph Junior – Excelente pergunta, porque esse no meu modo de ver é o ponto crítico de tudo isso que nós estamos falando. Primeiro, essas indústrias que estão aqui são todas multinacionais, elas devem explicações a suas matrizes.
Transporte Moderno – Matrizes com interesses muito fortes, de escala, de lucratividade. E que devem explicações a suas matrizes.
Henry Joseph Junior – Matrizes com interesses obviamente muito fortes, de escala, de lucratividade, de região, de geolocalização. As matrizes têm as suas políticas e não é brincadeirinha. Então, o que acontece com a indústria nacional, cada vez que ela vai discutir com a sua matriz um programa de investimento e ela leva o projeto, a matriz quer primeiro as justificativas para o projeto da filial. E quais são os investimentos necessários.
Transporte Moderno – Que são centenas de milhões de dólares.
Henry Joseph Junior – E cada vez está mais difícil justificar o projeto, porque você não tem o horizonte, não tem nenhuma previsibilidade, não consegue chegar na sua matriz e falar que precisa investir na fabricação do motor híbrido tal, porque é bonito, porque o mundo vai precisar, porque o Brasil vai querer. “Mas esse motor precisa ser feito lá?” Começa essas discussões, por que preciso fazer esse projeto lá? Por que não posso levantar um outro projeto aqui? “Não, mas lá tem etanol” e vem a pergunta de quais os mercados onde venderei o carro a etanol. Por consequência, como nenhum dos executivos das fábricas aqui do Brasil são bobos ou burros, eles sabem que tem que aumentar a sua escala, sabe que tem que aumentar sua produção, seu volume de venda. Se o mercado brasileiro não dá a ele nenhuma visão de como pode aumentar esse volume de venda, porque ele não consegue justificar um caminho ou outro, ele vai pensar em exportação. Vai começar a querer justificar sua produção no mercado brasileiro justificando que daqui ele vai produzir e exportar para México, porque nós temos um acordo de livre comércio, Colômbia que nós temos acordo de livre comércio, Argentina que está naquela situação ruim, mas que é Mercosul. E ele vai começar a justificar. Por que são esses os mercados que ele vai começar a falar? Porque não consegue chegar para a matriz e falar assim “Eu vou exportar carro para os Estados Unidos”, a matriz vai falar que não precisa porque já tem uma planta no México que faz isso, outra em Detroit que faz isso, para lá não. Para a Alemanha também não, tá doido?
Transporte Moderno – Como está a indústria automobilística instalada no Brasil?
Henry Joseph Junior –A indústria automobilística está em uma situação muito difícil, ela está realmente em uma encruzilhada e precisa tomar decisões, porque a implantação de uma decisão desta indústria leva de 3 a 5 anos no mínimo, certo? Ela não sabe o que leva para o governo, não sabe o que leva para a matriz, enfim.
Transporte Moderno – Então a indústria atualmente está dividida.
Henry Joseph Junior – Existem posições divergentes pelas características da maneira de operar no Brasil. Existem aquelas com forte produção local, outras importam bastante, enquanto outras são, por enquanto, apenas empresas chinesas que estão entrando fortemente no mercado brasileiro. A depender do tipo de operação local e também do planejamento da matriz existe um posicionamento da filial. Além disto, muitas vieram para o Brasil com perspectivas de mercado acima de 4 milhões. A realidade, nos últimos anos, foram de números pouco acima das dois milhões de unidades. E com este tamanho fica difícil ter escalas de produção factíveis, viáveis. Além disto existe capacidade ociosa no mundo de produzir carros de quase 20 milhões de unidades por ano. Qual matriz vai justificar investimentos em um lugar se tem capacidade de produzir aquilo em outro lugar?
Transporte Moderno – É verdade que apenas as normas de emissões do Proconve e as obrigatoriedades do Rota 2030 obrigam a eletrificação?
Henry Joseph Junior –Aquele cenário que eu chamava de cenário inercial, ele considera as legislações que já estão implantadas no Brasil e já considera prever que essas legislações vão ter alguma atualização nesse período. Então, o Proconve por si só já vai exigir eletrificação.
Transporte Moderno – O híbrido já está garantido e o elétrico lá na frente vai ter que ter.
Henry Joseph Junior –Vai ter que ter, porque o fabricante tem que atender uma média de emissões, com a média da venda dele ele tem que atender um limite de emissões, se ele não estiver vendendo algum carro elétrico lá, não consegue na média dele atender.
Transporte Moderno – Em realidade, você está dizendo que lá na frente cada um dos fabricantes aqui instalados quase que obrigatoriamente terão de produzir ou importar algum veículo elétrico?
Henry Joseph Junior – Ele tem que vender, se é local ou não…
Transporte Moderno – Ele tem que chegar para o ministério do comércio e falar “Está aqui no relatório que 10% das minhas vendas foram importantes para neutralizar os outros produtos”
Henry Joseph Junior – É isso aí. O inercial mostra que com isso daí, nós vamos estar chegando lá na frente com 32% das vendas de veículos eletrificados, não elétricos, veículos eletrificados.
Transporte Moderno – Agora, o híbrido tem como produzir aqui fácil?
Henry Joseph Junior –É o mais fácil de ser produzido.
Transporte Moderno – Tipo o que a Toyota está fazendo.
Henry Joseph Junior –Tipo o que a Toyota está fazendo e outras fabricantes também, botando o híbrido no mercado. Por que? Porque o híbrido, primeiro que não depende de uma rede de recargas de veículos elétricos.
Transporte Moderno – Depende de nada, só da vontade de produzir.
Henry Joseph Junior –Segundo que o híbrido tem uma eficiência muito melhor do que um veículo de combustão, sem dúvida. Terceiro que o híbrido emite menos CO2 que o veículo de combustão, sem dúvida, e é mais barato do que um veículo a bateria.
Transporte Moderno – E estupidamente mais barato.
Henry Joseph Junior –Então, essa condição faz com que o Brasil seja um natural, um polo natural de produção de veículos híbridos, é o que vai acontecer.
Transporte Moderno – Muito mais que o elétrico?
Henry Joseph Junior –Muito mais que o elétrico, porém, confrontando aquilo que nós estávamos falando, se a própria indústria brasileira não conseguir continuar justificando investimentos para desenvolver esses híbridos e colocar isso aqui no mercado nacional, vai ter que começar trazer elétrico, e vai começar importar elétrico para colocar no mercado brasileiro.
Transporte Moderno – Em vez do híbrido.
Henry Joseph Junior – Em vez do híbrido, porque o híbrido na Europa também não tem muita vantagem, a Europa está indo para elétrico, o cara quer o carro só bateria, não tem que abastecer em lugar nenhum. Lembra daqueles que falamos há pouco, 20 milhões de unidades de capacidade ociosa que tem no mundo? É isso que o cara vai falar “opa, manda esses carros pra lá”, certo? Quando a gente fala de desindustrialização, é sério.