Transporte Moderno – A Bosch está aumentando o volume de componentes importados para formar estoque e garantir atendimento para as montadoras ou os produtos que fabrica no Brasil têm 100% de conteúdo nacional?
Rafael Barreto – Temos aproximadamente 50% de conteúdo local, com plano de aumentar nos próximos anos. Não estamos aumentando o volume de componentes importados. O que ocorreu no passado foram ações pontuais de assegurar estoques estratégicos de alguns materiais, independentemente se locais ou importados.
Transporte Moderno – Como a empresa enfrentou o período difícil causado pela pandemia para manter a linha de produção ativa com o descompasso global na cadeia de suprimentos?
Rafael Barreto – Mapeamos toda cadeia de fornecimento até os precursores das matérias-primas consideradas críticas em nível local ou global. Para os produtos que utilizavam esses materiais que estavam em escassez, procuramos elevar temporariamente os estoques e fizemos um acompanhamento de perto, com times de compras e logística trabalhando juntos em modelo de força-tarefa. No caso de matérias-primas e componentes que são comuns a outros países em que a Bosch está presente, houve um trabalho global de alocação, coordenado de forma central, olhando o supply chain até a ponta do cliente final.
Transporte Moderno – A Bosch também teve dificuldades com a falta de alguns componentes?
Rafael Barreto – Sim, ao longo da pandemia houve falta de alguns insumos críticos como aço, resinas plásticas e eletrônicos. Trabalhamos de forma coordenada, conseguindo evitar maiores impactos em nossa produção e, principalmente, em nossos clientes.
Transporte Moderno – Como está o ritmo de produção nas fábricas da Bosch instaladas no Brasil?
Rafael Barreto – Até o momento, mantemos a produção industrial próxima dos níveis do ano passado e estamos monitorando as movimentações das montadoras com possíveis reduções de produção.
Transporte Moderno – A empresa está conseguindo manter o fornecimento de peças para as montadoras?
Rafael Barreto – Apesar de continuarmos com alguns pontos referentes aos componentes eletrônicos, a Bosch está mantendo todo o fornecimento necessário na cadeia logística. Não temos, no momento, restrições de fornecimento aos nossos clientes.
Transporte Moderno – Quais as novidades da empresa para 2023?
Rafael Barreto – A Bosch tem atuado no desenvolvimento de tecnologias que visam uma mobilidade urbana cada vez mais autônoma, conectada, eletrificada e limpa. Isso inclui diversos sistemas, sensores e softwares que aumentam a segurança, o conforto e eficiência, bem como a redução de CO2. Podemos destacar que a conectividade abre novas oportunidades para desenvolver e melhorar veículos e serviços de mobilidade e um exemplo disso é a nova solução para gestão de frotas: a telemetria para caminhões, que tem como objetivo facilitar a operação dos gestores, fornecendo informações transparentes e na hora certa, além de recomendações que podem auxiliar a reduzir custos operacionais. Isso não só ajuda a economizar, mas também fornece ferramentas necessárias para a tomada de decisões mais seguras e precisas durante a operação logística.
Transporte Moderno – Tem investimentos programados para este ano e ampliação de linha de produtos?
Rafael Barreto – A Bosch continuamente investe em tecnologias e soluções para os mercados em que atua. No campo da mobilidade, entendemos que nos próximos anos as áreas de crescimento irão se concentrar no que chamamos de SPACE: Software, Personalizados, Autônomos, Conectividade e Eletrificação. Para o mercado nacional, dentro desse conceito SPACE, há muito ainda para seguir, mas já há iniciativas voltadas para atender as demandas locais como, por exemplo, veículo híbrido-flex, que é uma solução competitiva para o mercado brasileiro graças ao etanol ser um combustível limpo e renovável. Há também o caminhão 100% elétrico produzido no Brasil, o WV e-Delivery, no qual a Bosch atuou no desenvolvimento da unidade de controle veicular, nos pacotes de software e na calibração do powertrain. Além disso, já estão disponíveis no mercado diversos sistemas de segurança ativa e assistência ao condutor que promovem mais segurança e conforto ao motorista, como o Programa Eletrônico de Estabilidade (ESP), freios ABS para motocicletas, Frenagem Automática de Emergência (AEB), entre outras tecnologias.
Transporte Moderno – Quais as tecnologias desenvolvidas pela empresa para atender o mercado de veículos elétricos?
Rafael Barreto – A Bosch tem desenvolvido diversas soluções em eletrificação, como os motores elétricos e a eletrônica de potência, focando em alto rendimento para aumentar a autonomia ou reduzir a necessidade de bateria. Também possuímos diversos componentes como direção, sensores, conectores e acionadores para atender as mais exigentes normas de segurança focadas em eletrificação. Ademais, destacamos a unidade de controle veicular (VCU) com maior poder de processamento exigido para os veículos elétricos, fabricada na nossa planta em Campinas (SP).
Transporte Moderno – Como a Bosch avalia o cenário atual do setor automotivo?
Rafael Barreto – O cenário automotivo atual é de bastante incerteza. Por um lado, os problemas na cadeia de suprimentos global parecem estar mais controlados do que no passado, porém existem desafios do lado da demanda, especialmente por conta das altas taxas de juros e restrição no crédito. O setor automotivo apresentou, no primeiro trimestre, um crescimento expressivo com relação a 2022, porém, ainda assim, foi um dos piores inícios de ano da última década, e uma recuperação ao longo de 2023 dependerá do controle da inflação e retomada do consumo e investimentos, que poderiam ser impulsionados por ações governamentais de isenção de impostos ou ofertas de crédito aos segmentos de leves e pesados.
Transporte Moderno – A demanda pelos produtos da empresa aumentou com a retomada da produção de veículos pelas montadoras ou as encomendas ainda estão abaixo do esperado?
Rafael Barreto – No segmento de pesados, a demanda está bem abaixo de 2022, por conta da transição de legislação de emissões. Com relação aos componentes fornecidos para veículos leves, houve um aumento da demanda, porém algumas montadoras seguem anunciando paradas de produção e fechamento de turnos, o que indica um sinal de alerta para os próximos meses.
Transporte Moderno – O que a empresa espera para 2023, quais os principais desafios?
Rafael Barreto – O principal desafio no aspecto técnico, não somente para 2023, como para o futuro de toda a cadeia produtiva nacional, é fazer a transição tecnológica de acordo com o que é esperado para um veículo nos dias de hoje, que são altos níveis de segurança e conectividade, além da redução dos níveis de emissões. Esses aspectos exigem cada vez mais eletrônica embarcada, o que a indústria local ainda não é capaz de prover, então o desafio é aumentar o nível de localização de componentes em um ambiente em que há uma tendência de aumento da demanda por produtos que ainda não são fabricados no país. Soma-se ainda o fato de que a eletrificação dá sinais claros de não ocorrer na mesma velocidade que em outras regiões, com tendência de uma passagem para veículos híbridos. Esse cenário desafia a indústria local a suportar essa defasagem tecnológica. No aspecto econômico e comercial, o desafio é harmonizar a cadeia de impostos, bem como as evoluções tecnológicas com o poder de compra local, passando por uma necessária redução de taxa de juros e maior disponibilidade de crédito.