Transporte Moderno – A indústria de autopeças fechou 2022 com déficit de US$ 11,3 bilhões, com as importações superando as exportações mesmo com o dólar em alta. A que o Sindipeças atribui esse aumento das importações no momento em que o dólar está elevado?
Cláudio Sahad – Vários são os fatores que podem justificar o aumento das importações. Destaco alguns: – Mudança na arquitetura dos veículos mais comercializados no país atualmente, como é o caso dos SUV. Em razão da busca das montadoras pelo aumento do ticket médio dos veículos, surgiu a necessidade de maior volume de conteúdo importado;
– Alteração no comportamento dos atores que compõem a cadeia automotiva, provocado pelos impactos da pandemia. A nosso ver, a maneira de se fazer gestão do supply chain mudou. Para se prevenir de ameaças no fornecimento que podem ocorrer por conta do recrudescimento ou de novas variantes da Covid-19, as empresas estão aumentando o volume de componentes importados, enquanto analisam oportunidades de localização no país. A transição do off-shore para on-shore leva tempo e isso pode explicar essa reação defensiva por parcela expressiva de montadoras e fabricantes de autopeças;
– Ainda que saibamos que o dólar se encontra elevado, a possibilidade de se fazer algum tipo de arbitragem com taxa de juros, que também está muito elevada, permite que as empresas compensem, se não na totalidade, ao menos em parte, os custos mais altos das importações por meio de operações no mercado financeiro;
– Uma questão mais complexa, que está sendo estudada pela entidade, tem a ver com a redução das tarifas de importação em gestões anteriores. A concessão de ex-tarifários e outros benefícios legais, que permitem redução das tarifas de importações, cresceram nos últimos anos. Em parte, isso também pode ser um fator que explicaria o que vem ocorrendo.
Transporte Moderno – Os componentes importados são itens que as multinacionais trazem de suas fábricas no exterior para finalizar a montagem dos produtos no Brasil ou há importações realizadas por empresas nacionais também?
Cláudio Sahad – As importações são feitas por montadoras, fabricantes de autopeças, estrangeiros e brasileiros, e também por distribuidores de autopeças para o segmento da reposição.
Transporte Moderno – O que o setor de autopeças pode fazer para reverter esse resultado negativo?
Cláudio Sahad – Com o aumento de tecnologia embarcada nos veículos montados no Brasil, as importações cresceram muito nos últimos anos. Em 2021, ano atípico pelos efeitos da pandemia, o aumento foi de 109%. No ano passado, o aumento das importações foi de 14,9%, percentual bem inferior a base elevada de 2021. Este ano, a previsão do Sindipeças é de queda de 10,7% nas importações. Os resultados da balança comercial brasileira de autopeças são bastante dinâmicos, como em todos os setores internacionalizados. Para que possamos exportar mais e aproveitar as oportunidades trazidas pelo chamado nearshoring, temos de ser ainda mais competitivos.
Transporte Moderno – Como melhorar a competitividade da indústria de autopeças?
Cláudio Sahad – O setor de autopeças é bastante competitivo e exporta para mais de 150 países. Porém, há muitos entraves à competitividade da nossa indústria que são de ordem macroeconômica. Para eliminar esses entraves, precisamos que os poderes executivo e legislativo façam sua parte, eliminando a burocracia tributária, aumentando a estabilidade fiscal e nos garantindo segurança jurídica para a realização de novos investimentos. Sem essas medidas, mesmo sendo competitivas da porta para dentro, as empresas brasileiras perdem essa competitividade da porta para fora. O Sindipeças tem feito a sua parte, desenvolvendo ações diretas para elevar a competitividade do setor. Cito como exemplos o Instituto Sindipeças de Educação Corporativa, que oferece mais de cem títulos de cursos, bem como o Inova Sindipeças, programa que, resumidamente, amplia nos associados a cultura de inovação para novas ideias, novos modelos de negócio, novos produtos e serviços, auxiliando no aumento de competitividade das empresas e na busca da inserção do setor nas cadeias globais de valor.
Outra ação muito importante do Sindipeças é a organização do Encontro da Indústria de Autopeças, já na quarta edição este ano. Em 24 de abril − véspera da abertura ao público da Automec − vamos reunir presencialmente dirigentes de montadoras, representantes de toda a cadeia de produção de autopeças (sistemistas e pequenas e médias empresas) e especialistas do segmento da reposição, para discutir a importância da inovação para a cadeia automotiva no Brasil. As vantagens competitivas e comparativas do país podem atrair investimentos nessa área do conhecimento e elevar sua relevância nas decisões de empresas mundiais.
Transporte Moderno – A pandemia abriu oportunidades para as empresas?
Cláudio Sahad – Existe uma mudança no mindset das empresas estrangeiras, que sofreram muito com a crise de abastecimento causada pela pandemia e pela guerra no Leste Europeu. A globalização começa a dar lugar ao nearshoring, ou seja, ao relacionamento com fornecedores próximos (preferencialmente locais) e amigáveis. É claro que o principal fator de decisão do comprador continua sendo a competitividade do produto fornecido.
Transporte Moderno – Quais são os desafios para que as fabricantes brasileiras passem a ocupar espaço na cadeia de fornecimento global?
Cláudio Sahad – Para aumentar nossa participação na cadeia de fornecimento global, precisamos continuar investindo em inovação dos processos produtivos e de gestão e na capacitação de nossos colaboradores. Também é muito importante participar de feiras e eventos internacionais e ver o que tem sido feito em outros países. Para isso, o Sindipeças oferece às indústrias de autopeças, associadas ou não, a participação no projeto Brasil Auto Parts, desenvolvido em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Conheça em detalhes.
Transporte Moderno – Como o Sindipeças avalia a situação atual do setor de autopeças e quais as perspectivas para 2023?
Cláudio Sahad – Nossas previsões para este ano apontam crescimento de faturamento de 6%, na ordem de R$ 202,7 bilhões. Todos os indicadores podem ser consultados nessa tabela, que é revista algumas vezes ao ano, caso haja necessidade de ajustes. Sobre as condições macroeconômicas, que afetam grandemente todos os setores econômicos, gostaria de destacar alguns pontos. Primeiramente, na questão tributária. A nossa carga é de 33%, contra 18% no México. Além disso, somos mais burocráticos: estamos na 124ª posição no ranking de facilidade de fazer negócios, enquanto o México está no 80º lugar. Além desses pontos, também entendo que precisamos trabalhar no combate à corrupção, na melhoria da segurança jurídica e nos investimentos em infraestrutura, para escoar a produção da indústria de forma competitiva. Feita essa lição de casa pelo país, criamos condições para que empresas decidam localizar os componentes, até então importados. Nesse contexto, inclusive, muitas empresas estrangerias, fornecedoras de montadoras ou de sistemistas, podem se aproximar de Tiers 2 brasileiros, buscando união da capacidade tecnológica, existente em um dos lados, ao profundo conhecimento da legislação brasileira, dos clientes, fornecedores e do país, detido pela outra parte. Isso poderá favorecer o fortalecimento das pequenas e médias empresas brasileiras e elevar nossos indicadores. Porém, na busca desse círculo virtuoso, entendo que também é muito importante buscar a estabilidade econômica e institucional. Para isso, temos de lutar pela manutenção do controle dos gastos públicos (com o teto de gastos ou outro mecanismo equivalente), a manutenção ou aprimoramento das leis trabalhistas, o controle das estatais e a independência do Banco Central. Isso fará com que a inflação ceda e possibilitará a redução da taxa de juros, trazendo de volta a segurança jurídica e, consequentemente, os investimentos para a indústria.