Reunidos na 28ª edição do Seminário da Reposição Automotiva e da ExpoDay, realizado na sede da Fecomercio-SP, os representantes das principais entidades ligadas ao setor destacaram a importância da Carta de Fortaleza, manifesto que propõe a união e a busca de maior representatividade para o aftermarket automotivo em defesa dos interesses do setor. O evento também abordou o “Right to Repair”, movimento que prevê a liberdade de escolha dos consumidores dos locais onde deseja realizar a manutenção ou reparação de seus veículos, bandeira global iniciada por Estados Unidos e Europa, além de tendências para o futuro da mobilidade.
“A união que o setor automotivo construiu, ao longo dos anos, pavimenta a trajetória de trabalho da reposição”, afirmou Claudio Sahad, presidente do Sindipeças, citando alguns dos resultados positivos do aftermarket. Em 2021, a frota circulante somou 47 milhões de veículos, volume que movimentou as vendas de autopeças. “O aftermarket representa 16% das vendas totais da indústria de autopeças”, comentou. Já sobre o faturamento destacou que, de janeiro a julho de 2022, cresceu 10,7% sobre o mesmo período de 2021. “A curva é ascendente no setor”, disse.
Além de citar a Carta de Fortaleza e o “Right to Repair”, Rodrigo Carneiro, presidente da Associação Nacional dos Distribuidores de Autopeças (Andap), ressaltou também a importância do setor para a sociedade. “Conseguimos, com resiliência, manter a frota circulando durante a pandemia, não interrompendo a circulação de ambulâncias, transporte coletivo, veículos da segurança pública e o escoamento da produção”, falou Carneiro, citando também números que o setor só no Brasil tem – 2,5 mil warehouses, 40 mil pontos de venda e 90 mil pontos de aplicação. Também destacou a criação da Uniafter, universidade voltada ao aftermarket.
Alcides Acerbi Neto, presidente do Sindicato do Comércio Atacadista Importador, Exportador e Distribuidor de Peças, Rolamentos, Acessórios e Componentes para Indústria e para Veículos no Estado de São Paulo (Sicap), acrescentou alguns fatores que criam oportunidades para o setor, como a queda nas vendas de veículos zero km e o envelhecimento da frota, com idade média de mais de dez anos; e preço mais estável do combustível.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Veículos de Peças e Acessórios para Veículos (Sincopeças Brasil), Ranieri Leitão, comentou sobre a necessidade de união e de focar em quatro pilares: Inspeção Técnica Veicular, movimento “Right to Repair”, combate à falsificação de autopeças e formação de mão de obra.
“O Brasil tem o quarto maior mercado de aftermarket no mundo”, afirmou Antonio Fiola, presidente do Sindicado da Reparação de Veículos e Acessórios (Sindirepa Brasil), e destacou que é o relacionamento de toda a cadeia que promove este resultado. Assim como Ranieri do Sincopeças Brasil disse que a Inspeção Técnica Veicular também é a bandeira do Sindirepa Brasil e ressaltou que a idade média da frota já chegou a 17 anos, trazendo muitas oportunidades para o setor.
Futuro da Mobilidade –
Everton Lopes da Silva, diretor de tecnologia e responsável pelo Tech Center da
Mahle Metal Leve para a América do Sul, destacou algumas megatendências globais que estão guiando as novas tecnologias da indústria automotiva, entre elas, a economia não fóssil, a volatilidade econômica, a digitalização e o Metaverso, a urbanização (megacidades), e a sustentabilidade e seus impactos – eletrificação, maior volume de softwares nos veículos, direção autônoma, mobilidade como serviço e energia de baixo carbono. Mas, lembrou: “Cada região tem sua característica e que a política energética determina a rota tecnológica”.
No Brasil, os direcionadores tecnológicos são: legislação, Rota 2030 com as reduções de emissões de gases de efeito estufa; Proconve e a saúde pública, com reduções de emissões de gases nocivos; Renovabio e energia renovável; Programa de Combustível do Futuro; e National Hydrogen Program e o desenvolvimento do mercado, tecnologias e estratégias com células de hidrogênio.
O diretor da Mahle Metal Leve citou a diversidade da mobilidade no futuro, que vai desde e-bike, passa por scooter, subcompacto, compacto, caminhões leves, médios, pesados, utilitários, entre outros. “Disponibilidade energética, metas ambientais e fatores econômicos determinam a tecnologia”, disse Silva, acrescentando que as distâncias percorridas também definem a tecnologia e a energia.
Ele sobre a disponibilidade energética no Brasil. O petróleo, carvão e gás somam 55% da fonte energética no país, enquanto biomassa, hidráulica, solar e eólica contabilizam 45%. No mundo, estes percentuais são 86% e 14%, respectivamente. Mas, segundo Silva, as regiões desenvolvidas estão focando na redução da dependência de combustíveis fósseis, especialmente, carvão e petróleo.
Entre as soluções para a redução das emissões de carbono, o executivo observou que na Europa há o elétrico leve e célula a combustível de hidrogênio para pesados, nos Estados Unidos, biocombustível e elétrico para leves e biocombustível e célula a combustível de hidrogênio para pesados; na China, elétrico para leves e célula a combustível de hidrogênio para pesados; e no Brasil, biocombustível para leves e pesados. “A mobilidade contará com maior uso de etanol, biodiesel, HVO (diesel verde), biogás e hidrogênio em longo prazo, dependendo das aplicações e disponibilidade de energia de cada região”, comentou.
O diretor afirmou que segundo a previsão da Associação Nacional do Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), em 2035, a frota deve somar 3,2 milhões de veículos elétricos. “Para suportar esta frota precisaria de 154 mil carregadores públicos, demandando investimentos de R$ 14 bilhões de infraestrutura”, alertou Silva, lembrando que ainda será preciso gerar a energia. Explicou que, se o Brasil tiver um crescimento maior que 1,5%, não terá energia suficiente nem para as indústrias. “Os estudos desconsideram a transmissão de energia, com distribuição e linhas antigas, limitadas”, disse.
Para Silva, os veículos elétricos ainda são muito caros. Por isso, no Hemisfério Sul, veículos de entrada não serão elétricos por bom tempo. A eletrificação só será adotada em veículos premium e, no futuro, deverão chegar a 5% ou 6% das vendas. “Tecnologias de motores a combustão continuarão crescendo em participação nos próximos anos, sempre buscando a otimização, maior eficiência e menor redução de emissões de gases poluentes, enquanto a eletrificação será lenta, mas crescente, por isso, é fundamental criar competência local sobre o tema”, comentou o gerente, ressaltando também a maior participação de biocombustíveis. Já no segmento de pesados, ocorrerá popularização dos híbridos.
Silva citou com exemplos do que a Mahle tem pesquisado e desenvolvido para suportar a mobilidade sustentável do futuro na região sul-americana, como motores focando eficiência e combustíveis renováveis, bombas elétricas, controladores para auxiliares, gerenciamento térmico para sistemas eletrificados, componentes elétricos para HVAC, sistemas de tração elétrico de baixa e alta tensões.
Veículos conectados e inteligentes –
A tendência dos veículos elétricos e eletrificados ganha espaço no mercado mundial. Só na China, conforme apresentação de Clóvis Pedroni Jr., diretor presidente da Alfatest e membro da Aliança dos Fornecedores de Equipamentos para Reparação (Afer), há 300 fabricantes de veículos elétricos e a Tesla já comercializou mais de três milhões de unidades, entre outros dados que mostram o avanço dessa tecnologia. Seja elétrico, eletrificado ou híbrido, essas mudanças trazem desafios para a reparação de veículos. Com mais conectividade, as montadoras já conseguem controlar as informações e dificultar o acesso aos reparadores.
Segundo Pedroni, no Brasil, os híbridos devem dominar, e vários modelos de veículos ganham versões com essa tecnologia. Com dados coletados nas oficinas sobre diagnósticos de serviços, a Alfatest estuda o comportamento do tipo de reparos mais frequentes nas oficinas que utilizam o equipamento da marca. A parte de powertrain ainda é a que gera mais demanda, totalizando 84,3% do total de diagnósticos realizados, mas isso deve mudar com o avanço dos híbridos. Com a conectividade presente nos veículos e banda larga 5G, as transformações acontecerão e as montadoras terão o controle dos dados para efetuar os diagnósticos, bem como deverão cobrar pelas informações, situação que já começa a ser realidade em alguns países.
Ao participar de uma reunião com representantes de entidades do aftermarket do Brasil e de outros países e também com associações de fabricantes de equipamentos, Pedroni avaliou que a preocupação com relação ao acesso a informações do veículo para o diagnóstico é compartilhada por todos.
Aqui no Brasil, o empresário reforça a importância de o setor trabalhar o tema junto ao governo e como membro da Afer participa ativamente da Aliança do Aftermarket Automotivo Brasil, que reúne as entidades do setor de reposição: Andap, Sicap, Sincopeças Brasil, Sindirepa Brasil e Conarem. Para Pedroni, é preciso levantar a bandeira do“Right to Connect”e convencer o dono do carro que será o mais impactado com a retenção dos dados para a realização do diagnóstico. “Só com a força do consumidor que conseguiremos mobilização para criar condições para que o tema ganhe relevância junto aos órgãos públicos.”
Dimensão do mercado –
Marcelo Gabriel, da Aliança do Aftermarket Automotivo Brasil, falou sobre a real dimensão do mercado de reposição automotivo e suas características. “A rede é complexa e intrincada e milhares de agentes econômicos se conectam”, disse Gabriel, citando alguns dos agentes, entre eles, fabricantes de autopeças, importadores, atacadistas, varejistas, retíficas e oficina.
O executivo ressaltou que há muitos desafios para dimensionar o mercado, pois, além de os dados serem predominantemente secundários, a intersecção de atividades é ampla, e existe discordância de conceitos, tornando o setor “invisível”.
Sobre o problema da discordância em conceitos ressaltou: “O que não definimos, não mensuramos”. Relatando dificuldade para inclusão da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) adequada no “atacarejo” e centro automotivo. “Sem dimensionamento, não há reconhecimento”, disse Gabriel, lembrando da questão da invisibilidade do setor. Mas, destacou importantes iniciativas para buscar a dimensão do mercado de reposição, como os anuários do Sindipeças, Sincopeças Brasil e Sindirepa Brasil.
De acordo com números oficiais (Sindipeças), o faturamento do setor de autopeças em 2020 somou R$ 126 bilhões, sendo 57,3% para montadoras, 19,5% na reposição, 19,1% na exportação e 4,2% intrasetorial. O número de empresas do atacado somou 7.188 e no varejo 62.153, com base na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2020. Seguindo a proporção da RAIS, haveria 8,65 varejos para cada atacado. “A proposta de segmentação do Sincopeças Brasil, pelo porte da empresa, visa levar equilíbrio entre ramos de atividade e porte. Uma busca pelas discrepâncias provocadas pelos CNAE alternativos”, comentou. Tem como resultado do dimensionamento 45307/01 – 1.328 empresas e 45307/03 – 10.721. Com correção de diferenças regionais, estes números são 1.328 empresas e 18.803, respectivamente.
A transformação do aftermarket no Brasil –
“Em 2022, há uma nova composição na Supply Chain, com uma complexidade de agentes, incluindo fabricante, distribuidor nacional e regional, varejo, atacarejo nacional e regional, internet, importador, concessionária, rede de varejos, atacarejo local e ‘desmonte’, além da oficina, com demanda de peças da ordem de R$ 49 bilhões no ano”, afirmou Cassio Hervé, diretor da Central de Inteligência (Cinau).
Nos últimos dois anos, a demanda de peças registrou grande aquecimento. “De 1º de janeiro a 1º de outubro de 2022, o aumento foi de 12,84%”, disse. Mas, em contrapartida, houve também dificuldade para encontrar peças, alavancando as vendas por meio de canais digitais.
De acordo com levantamento do Pulso do Aftermarket, 77% das compras nos meios digitais foram realizadas por pessoas físicas e somente 23% por jurídicas. No entanto, o principal motivo relatado pelos compradores foi “por não encontrar a peça no fornecedor tradicional”. “Adquirir peças erradas” foi a maior preocupação citada pelos compradores na compra pela internet.
No âmbito digital, a logística afeta diretamente a produtividade da oficina já que a entrega demorou mais de três dias úteis em quase metade das compras efetuadas, segundo a pesquisa. Segundo Hervé, nos fornecedores tradicionais, a logística funcionou melhor mesmo com as adversidades “76% foi entregue no mesmo dia”. De acordo com o Pulso do Aftermarket, com a normalização do abastecimento, as compras serão concentradas novamente nos fornecedores tradicionais (91%).