Sonia Moraes
A Mercedes-Benz do Brasil mantém a perspectiva de que as vendas de caminhões alcancem 140 mil veículos em 2022, apesar das dificuldades que o setor automotivo enfrentará ao longo deste ano com a falta de semicondutores. Esse número, o mesmo projetado pela Anfavea (associação que representa as montadoras), representará um crescimento de 10% sobre os 128.679 veículos vendidos em 2021.
Para Roberto Leoncini, vice-presidente de vendas e marketing caminhões e ônibus da Mercedes-Benz do Brasil, 140 mil caminhões é um número bem factível para o tamanho do mercado e está de acordo com os modais de transporte do país e com a idade média da frota, que varia de 18 a 20 anos. “Se a frota de caminhões tivesse idade média de dez anos, o tamanho ideal seria de 130 mil a 150 mil caminhões vendidos por ano para fazer a renovação deste parque”, disse Leoncini em entrevista exclusiva para a Transporte Moderno.
Leoncini lembrou que hoje 70% das estradas do país não são pavimentadas. “Se houvesse investimento em infraestrutura, melhora na logística e fossem eliminados os gargalos, com certeza teríamos um número maior de caminhões vendidos por ano no Brasil.”
Este ano as vendas poderiam superar o volume projetado, segundo Leoncini, por causa da mudança na legislação do Proconve (P8), de Euro 5 para Euro 6. “Mas não acho que vamos ter uma corrida de compras antecipadas, mesmo com o acréscimo no preço que os novos caminhões terão porque os clientes já acostumaram com a nova tecnologia. Se houver grande antecipação não será possível atender por causa da falta de componentes.”
Na fábrica de São Bernardo do Campo (SP), a Mercedes-Benz está trabalhando em três turnos na linha de caminhões para tentar reduzir a quantidade de veículos incompletos que ficaram parados no pátio no final do ano passado por causa da falta de componentes eletrônicos. “Estamos tentando administrar esse problema da melhor maneira possível. Se conseguirmos finalizar a montagem e entregar os caminhões para os clientes, o nosso market share vai melhorar um pouco”, disse Leoncini.
Por causa da falta de peças eletrônicas, principalmente semicondutores, a Mercedes-Benz perdeu a liderança no mercado de caminhões no ano passado, ficando com 26% de participação nas vendas. Do total de caminhões que estão parados no pátio da fábrica, a maior parte é por falta de módulos. Dependendo da família de caminhões, há mais ou menos módulos.
“Um modelo simples tem seis módulos e o caminhão com mais tecnologia, como o Actros e o Arocs, chega a ter 36 módulos”, detalhou Leoncini. “Alguns módulos são comuns para todos os caminhões, como o ABS (Anti-lock braking system) e o EBS (Eletronic braking system), mas alguns são bastante específicos, como o sistema de detecção de pedestre, que tem no Actros, é um módulo específico que tem a inteligência para reconhecer as pessoas.”
Dificuldades –
Leoncini comentou que no ano passado a Mercedes-Benz chegou a enfrentar outros problemas para a produção dos caminhões, como a escassez de pneus e de peças plásticas. “Isso já está resolvido, a indústria de pneus respondeu rapidamente e também fomos buscar outros fornecedores. Mas a questão dos semicondutores vai persistir bastante tempo, não acho que o problema será resolvido em curto prazo”, destacou o executivo.
Se compararmos o primeiro bimestre de 2022 com o mesmo período de 2021, a produção de caminhões apresentou crescimento de 1,2%, com 20.852 veículos, e as vendas aumentaram 8,7%, totalizando 16.648 veículos, segundo a Anfavea. “O desempenho do mercado tem sido bom. Esperávamos que o primeiro semestre seria bem difícil por causa da falta de componentes, mas tudo apontava que teríamos estabilização de algumas cadeias de fornecedores no segundo semestre, e veio a guerra da Rússia contra a Ucrânia para atrapalhar”, comentou Leoncini.
“Esse é um fato novo e ainda não conseguimos ter a dimensão do impacto que terá na cadeia de fornecimento e na logística global, com o embargo para a Rússia, que é um grande exportador de contêineres. Já estamos sentindo o reflexo econômico, no preço das commodities e na alta da inflação por causa da guerra.”
Além da pandemia, que causou desequilíbrio na produção de semicondutores, Leoncini citou também os problemas decorrentes de causas naturais, como a seca na Ásia, o alagamento que ocorreu em alguns países da Ásia e o avanço da digitalização que fez aumentar a demanda por chips. “Hoje está mais claro do que nunca a fragilidade de ter cadeia global de fornecimento. Qualquer coisa surpreende o mundo pelo tamanho e os efeitos que causam.”
De todas as crises que a indústria automobilística já enfrentou, a provocada pela Covid-19, é considerada a mais difícil, segundo Leoncini. “Nos 34 anos de experiência que tenho no setor automotivo, enfrentamos várias crises que fizeram até reduzir o volume de produção. Mas não tivemos um momento como esse, em que se tem demanda e não consegue atender por falta de componentes. Não me lembro de ter acontecido algo similar. Hoje a capacidade de produção e gente não são os gargalos, mas sim a falta de componentes.”
Leoncini diz estar otimista, porém, com cautela por causa da falta de componentes. “A gente tem que ter muita transparência com os clientes para dizer o que está acontecendo e informar quando vamos poder entregar os pedidos. Essa é uma grande preocupação para não afetar os negócios dos clientes.”
Mesmo com a instabilidade causada pela pandemia e a guerra não há nenhum sinal de desaceleração do mercado, segundo Leoncini. “Como a economia está crescendo, os clientes continuam acreditando, fazendo investimentos e comprando caminhões e estamos vendo a solicitação de crédito aumentar no banco. A preocupação é com a alta das taxas de juros.”
Na Mercedes-Benz, dependendo do modelo de caminhões, o prazo de entrega foi estendido. “O modelo para mineração está levando um pouco mais tempo, mas os clientes têm um planejamento para o ano inteiro. Se for ao concessionário comprar o Actros, vai levar de três a quatro meses para receber. Os outros modelos, como o Accelo e o Atego, tenho mais tranquilidade para fazer as entregas. Os mais críticos são o Actros e o Arocs, porque tem mais peças eletrônicas”, esclareceu Leoncini.