Enquanto escrevo este artigo, os jornais me dizem que, segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil passa dos 177 mil casos confirmados de Covid-19, mais de 12 mil mortes por coronavírus. As notícias oficiais, contudo, sugerem que os números são ainda maiores, dada a subnotificação ser, presumivelmente, bastante superior.
Nesse contexto, o Brasil parece estar errando a mão quando comparado aos países que adotaram estratégias e práticas mais eficientes e eficazes para combater a pandemia, a exemplo da Alemanha, Japão, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan, que apresentaram melhores resultados, tendo reagido mais propriamente à pandemia. Sendo o isolamento incontestavelmente necessário, dado que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e renomados institutos de pesquisa em todo o mundo, chega a reduzir em até 63% a mortandade pelo Covid-19, a sua baixa adesão coloca-nos no pior dos cenários. Nem achatamos a curva, nem atingimos um nível seguro para a retomada da economia.
No que concerne às atividades dos Operadores Logísticos, por terem sido inseridas no Decreto nº 10.329, de 28/04/2020, que alterou o Decreto nº 10.282, de 20/03/2020, tendo regulamentado a Lei nº 13.979, de 06/02/2020, que definiu os serviços públicos e as atividades essenciais, como o serviços de transporte, armazenamento, entrega e logística de cargas em geral, mantivemos nossas empresas ativas, não isentando-as, por suposto, da queda efetiva da economia.
Com queda de 9,1% em março em relação a fevereiro, a indústria registrou a terceira maior baixa da série histórica desde 2002, quando iniciou a pesquisa. Esta forte baixa fez retornar ao mesmo nível de agosto de 2003, o que é muito grave, dado que, neste caso, a queda foi ainda mais impactante pois atingiu, generalizadamente, todos os setores, com destaque para a produção de veículos (-28%) e vestuário (-37,8%).
Desta forma, cotejando esta realidade com a dos Operadores Logísticos, podemos afirmar que aquelas empresas que concentram suas atividades nesses setores tiveram maior impacto. Por outro lado, a pesquisa mostra que toda a cadeia de fármacos, itens de higiene, limpeza, materiais hospitalares e equipamentos de proteção individual (EPI) para o setor hospitalar, tiveram suas vendas expandidas nesse período. Relatos de alguns dos nossos associados que atuam nesses setores contabilizando novas contratações, foram registrados com certo regozijo, por promoverem compensação ao difícil momento por todos vivido.
Convém destacar o crescimento de 26,7% do e-commerce no primeiro trimestre deste ano em comparação com 2019, tendo resultado ainda maior quando o item medido é o volume, com elevação de 32,6%, reduzindo contudo, o ticket médio em 4,5%, ficando em R$409,00, o que é de se esperar, dada as características do momento.
Considerando que os Operadores Logísticos atuam em todas as cadeias produtivas, oferecendo todos os serviços desde a primeira à última milha, em uma visão one-stop-shopping, ocupando-se desde o transporte de coleta, transferência, carga fracionado ou lotação; à armazenagem, gestão de estoque, montagem de kits, unitização, consolidação, rotulação, separação, embalagem, reembalagem, entre outros serviços conexos, suprindo desde os grandes polos industriais, agroindustriais, centros urbanos, até os rincões mais distantes do país, sua atividade não parou, ainda que, como vimos, sofreu alterações de acordo com os nichos e cadeias produtivas que atuam.
Na minha percepção, com máxima vênia, estamos pecando pelo descontrole político. Se nas empresas, a condução harmonizada com as deliberações superiores se faz mister, em uma nação isso é ainda mais nevrálgico. Desta forma, penso que o mandatário da República tem que chamar para si a governança de todo o entendimento de controle e gestão da crise da saúde e da economia, não abrindo campos de conflito político.
A harmonização entre a instância federal, os governos estaduais e municipais, bem como o bom entendimento entre os três poderes é, com fulcro na Constituição Federal, não só cláusula pétrea, como condição sine qua non para a saída célere e consistente desse instante de extrema dramaticidade.
Não há como transferir culpa ou responsabilidade. O êxito no controle da saúde e a retomada da atividade econômica tem endereço certo e merece atuação responsável e republicana para que, de forma integrada com todos os poderes e instâncias, o país direcione seus recursos e energias para a solução efetiva do que realmente interessa a todos.
O momento pós crise viral, será, invariavelmente, outro. Difícil de se precisar, mas, todos nós, estamos mergulhando em estudos de cenários e possibilidades efetivas. Trabalhamos o conceito de próximo normal, já que imaginar retroagir ao “normal anterior” seria tarefa insana e absolutamente inócua!
Os hábitos e costumes serão definitivamente outros. Na verdade, incrementar-se-ão a partir daquilo que já vimos experimentando mais contundentemente durante a crise do Covid-19. O trabalho a partir da casa (home office), ganhará ainda mais peso. Quantos savings serão contabilizados com a racionalização do trabalho remoto? A tecnologia digital e os sistemas de vídeo conferência mais robustos facilitarão sobremaneira a evolução e consolidação desse processo.
Esse novo entendimento de conexão remota, digital, pressuporá uma nova ordem de mobilidade urbana. Precisaremos nos deslocar como antes? E a habitualidade das compras pelo sistema delivery? O hábito de compras, de alimentação, de uso de serviços diversos, será, certamente, ainda mais estruturado.
Deparamo-nos diante de uma crise de saúde por definhamento dos recursos naturais, de foram direta e/ou indireta. O que dizer da fragilidade de políticas públicas e da desigualdade social? O Brasil carrega uma sórdida e insustentável posição! Somos o segundo país no mundo em concentração de renda, perdendo apenas para o Catar. No nosso país, os 1% dos brasileiros mais ricos, detém 28,3% de toda a renda nacional. Metade da população brasileira não têm acesso a esgotamento sanitário. Curioso é que esses mesmos 100 milhões de brasileiros recorreram aos R$600,00 de ajuda emergencial.
Uma nação empobrecida não gera consumo, não promove geração de renda! Um país que amarga a sofrível 79ª. posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), dentre 189 nações, não pode pleitear posição de destaque no Índice de Desenvolvimento Econômico!
Precisamos ter políticas públicas inclusivas, sustentáveis! Há de se repensar as cadeias globais. Com o crescimento acentuado da China, tornamo-nos dependentes em muitas rubricas. Fortalecer e diversificar a indústria nacional far-se-á extremamente necessário e indispensável!
As tecnologias já em acelerado desenvolvimento e uso, a exemplo da Internet das Coisas (IoT), a inteligência artificial, as plataformas de blockchain, clouding, omnichannel, bem como a robótica e automação, serão mandatórias!
Todo esse cardápio tecnológico incitando os novos hábitos, induzirá, por exemplo, ao incremento da telemedicina, formação, capacitação e especialização à distância, online! Diante da necessidade do surgimento cada vez mais imperativo, vamos nos deparar com empresas mais ágeis, mais flexíveis, elásticas, menos conservadoras e mais empáticas.
Não há mais retorno possível! Encontro na aviação uma rica metáfora para descrever o momento atual. Quando uma aeronave segue para a decolagem, ao descolar seus pneus dianteiros da pista, é obrigada a decolar, mesmo se houver registro de questão séria no equipamento, pois não há mais pista para abortar a decolagem! A esse ponto chama-se de point of no return, ou ponto de não retorno. Penso termos ai chegado!
As mudanças serão imperativas, mandatórias. Seguindo um empresário com o qual trabalhei há muitos anos, “a necessidade é a mãe da mudança”, e dela não há como tergiversar!
Para alcançarmos os níveis de mudança desejáveis, cairemos no hercúleo desafio, até paradoxal, de sair da crise tendo que aumentar, em muito, o nível de investimento público e privado. As inovações e as tecnologias disruptivas citadas, inexoráveis, registre-se, demandarão de altos investimentos em infraestrutura de rede, de distribuição. Além destes, os investimentos em infraestrutura logística serão mandatórios. Já estressei algumas vezes que o Brasil investe pouco em infraestrutura logística, abaixo de 0,7% do PIB, distanciando-se dos países da América Latina e BRICS, que já investem mais de 2,8 a 3,2% do PIB.
Para atrair investimentos, é fundamental haver um ambiente político e regulatório estável, confiável e previsível, capaz de trazer segurança jurídica para quem investe! A burocracia precisa ser leve, facilitadora, e não impeditiva, ou geradora de imbróglios e avenças que só fazem onerar a economia e o custo Brasil.
(*) Cesar Meireles é mestre em administração pela UFBA, diretor presidente da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, vice-presidente da Alalog – Associação Latino-Americana de Logística, conselheiro do Brasil Export e diretor da Fiesp/Deinfra.