– Como o senhor avalia a situação do transporte rodoviário de cargas no atual momento?
Vander Costa – A situação já não era boa e está sendo agravada pela retração da econômica provocada pela pandemia. Algumas empresas deverão ficar pelo caminho. É fundamental que o empresário tenha consciência da necessidade de trabalhar com lucro como única forma de sobreviver.
As medidas de restrição que atingem o consumo geral da população, com o fechamento de serviços não essenciais, vem trazendo consequências para o transporte de cargas, segundo os dados colhidos pela NTC&Logística. As perdas ultrapassam 40%, e esse número é muito alto para os transportadores. As empresas trabalham com operações de alto custo e isso continua preocupando. Cabe lembrar que o setor é essencial para garantir o abastecimento das cidades brasileiras.
Os reflexos são diferentes para setores diferentes. Quem transporta para a indústria automobilística está praticamente parado. Quem cuida da safra tem carga para transportar, ficando claro mais uma vez a necessidade de não concentrar as atividades em um único setor.
– De acordo com os últimos levantamentos realizados por entidades como a NTC&Logística, as perdas do setor começam a se estabilizar. Podemos considerar que é um indício de recuperação?
Vander Costa – É muito cedo para falar em recuperação. O que acreditamos é que, com as medidas que estão sendo tomadas, o setor tem conseguido o mínimo necessário para atuar, mas o cenário muda (e pode continuar mudando) a cada dia. Muitas cidades e estados trabalham com restrições mais severas e esse impacto será sentido mais para a frente. O que podemos dizer é que o setor de transporte tem sido duramente impactado pela crise e uma possível recuperação só virá daqui a algum tempo e dependerá, em grande parte, da atuação do poder público, mas isto é pouco provável. Para além do que foi feito, precisamos do adiamento de vencimento dos impostos e financiamentos.
– O que deve mudar no transporte rodoviário de cargas após a pandemia? E no transporte rodoviário de passageiros?
Vander Costa – A única certeza que tenho é que existirá um novo normal. Não temos uma base para fazer previsão com razoabilidade neste momento. Acreditamos que a forma de consumir das pessoas passará por alguma alteração, aumentando a quantidade de pessoas que passam a comprar pelo comercio eletrônico, mas o transporte sempre será essencial para a movimentação de pessoas e de produtos.
No transporte de passageiros, nos preocupa muito como ficará o cenário após a pandemia. As empresas precisam continuar vivas para transportar as pessoas. Pensar que tudo vai mudar e que o transporte individual deve prevalecer é apostar no caos. Alterações já estão sendo propostas e algumas realizadas, como a constante higienização dos veículos e o uso de máscaras. Já há gente pensando em divisórias para o transporte aéreo. No urbano, é fundamental a discussão do subsídio oficial, como ocorre no mundo.
– Como a CNT tem atuado para reduzir os impactos da pandemia no setor de transportes?
Vander Costa – A atuação da CNT tem sido intensa. Na primeira frente, temos o combate à covid-19 em si. Ao lado das entidades, trabalhamos para divulgar e implementar todas as recomendações das autoridades sanitárias nas empresas do setor. A segunda frente é a das relações governamentais, em cada esfera de poder. Desde o início da crise, a CNT tem atuado para defender o setor de transporte e garantir a operações dos sistemas fundamentais para o país. Atuamos junto aos poderes legislativo, executivo e judiciário em vários temas que vão desde questões de operação, relações trabalhistas e socorro financeiro. Posso dizer que a nossa grande conquista foi o reconhecimento do transporte como atividade essencial.
Temos nos reunido, mesmo à distância, com frequência com o governo federal para tratar de assuntos referentes ao nosso setor. Em abril, a reunião foi com o presidente Jair Bolsonaro e os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura). Na ocasião, destacamos que é importante que o setor transportador receba todo o socorro possível para garantir o funcionamento das atividades e o pagamento dos salários dos empregados. Nós levamos o abastecimento a todo o país.
Outro trabalho importante foi a inclusão dos trabalhadores do transporte (caminhoneiros autônomos e motoristas profissionais do transporte de cargas, motoristas e cobradores do transporte de passageiros e portuários) no grupo prioritário na campanha nacional de vacinação contra a gripe. A CNT também tem atuado na disseminação de informações. Assim, pesquisas e cartilhas informativas estão sendo publicadas para auxiliar os transportadores na tomada de decisões nesse momento de crise.
– Que modais têm sofrido mais com a pandemia?
Vander Costa – De certa maneira, todo o setor foi duramente afetado, em maior ou menor grau. A Pesquisa de Impacto no Transporte – covid-19, lançada em abril, já mostrava que mais de 90% dos transportadores estavam pessimistas em relação ao futuro e avaliavam que a pandemia do novo coronavírus terá impacto negativo em suas empresas. Os números da pesquisa sinalizavam que em março, 85,3% das empresas transportadoras perceberam redução na demanda, na comparação com anos anteriores. Outros dados importantes mostram que 70,7% já estão enfrentando problemas de caixa e severo comprometimento da capacidade para realizar os pagamentos correntes, como a folha de pagamentos e os fornecedores.
Na segunda rodada da pesquisa divulgada no início de maio com foco nas relações trabalhistas, o cenário é ainda mais preocupante. Mesmo que as empresas trabalhem pela manutenção dos empregos, 33% dos transportadores já precisaram realizar demissões devido à crise e a perspectiva é que até o final de maio, 42,8% também tenham que demitir.
Quando analisamos os modais separadamente, o transporte de passageiros, seja ele terrestre ou aéreo, acumula perdas enormes. A situação das empresas de transporte coletivo urbano, que já conviviam com queda no número de passageiros, é bastante preocupante. Em abril, 180 sistemas registravam paralisação total. A retração da demanda trouxe prejuízos que podem chegar à marca de R$ 2,5 bilhões por mês (dados da NTU). O transporte metroferroviário tem problemas semelhantes. O setor já fala em queda diária de 77% da demanda, com perda de receita de R$ 1,6 bilhão (dados da ANPTrilhos).
No setor aéreo, as restrições impõem desafios enormes às empresas que têm custos altíssimos com as aeronaves paradas. Em março, o volume de passageiros transportados dentro do país recuou 35,46% em relação ao mesmo mês de 2019. O total de decolagens registrou retração de 28,35%, para 47,1 mil, o pior resultado desde março de 2005. (dados compilados pela Abear). No transporte de cargas, um dos índices que auxiliam a medir o impacto é o da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias). O volume de veículos pesados circulando em rodovias caiu 19,1%. Quem menos sofreu, até agora, foi o transporte de cargas ferroviário, tendo em vista a concentração de cargas para exportação, principalmente minério e safra.