Após anos de crise econômica profunda, que deprimiu sensivelmente os negócios e levou um sem-número de empresas à bancarrota, o Brasil pós-eleições 2018 parece ter, ao menos, uma indicação de qual o caminho a ser seguido: reformas institucionais profundas (e mais do que necessárias) e liberalismo econômico.
Ser empresário no Brasil sempre foi um ato de bravura. Nos últimos anos, mais do que isso, foi quase uma insanidade, dada a quantidade de problemas a serem administrados numa época em que se manter vivo era o desafio.
Mas o cenário futuro parece ser promissor.
Uma onda de otimismo se avizinha, e desde que o novo governo faça a parte dele (um pouco, ao menos), a tendência é, de fato, essa onda se concretizar.
Com isso, devem surgir novos investimentos, aumento da produção e retomada do nível de emprego, a retomada dos projetos de concessão e, junto com tudo isso, a maior necessidade de transporte público.
O mercado como um todo cresce e, nesse momento, entram em campo dois desafios de fato muito importantes: como se posicionar para o crescimento e, ao mesmo tempo, como administrar os passivos carregados ao longo dos anos de crise e que merecem total atenção para não inviabilizarem o negócio?
Quanto ao primeiro desafio, cabe a cada operador de transporte de passageiros criar seu plano. São eles, afinal, os grandes conhecedores de seus mercados.
Já quanto à gestão dos passivos, é recomendável a ajuda profissional.
Não qualquer ajuda profissional, mas de pessoas com domínio de técnicas avançadas de gestão de passivos, capaz de obter resultados eficazes e permitir que os ativos empresariais relevantes fiquem protegidos e permitam uma negociação mais justa com eventuais credores.
O tema da proteção patrimonial (tanto a pessoal quanto a empresarial) é tão sensível quanto obscuro. O uso corriqueiro do termo “blindagem patrimonial” e a massificação das offshore companies e outras estruturas agressivas de proteção acabaram gerando um equivocado (e infundado) preconceito com a prática. Mas a realidade é que, após anos de agressiva atuação fiscalizadora das autoridades tributárias, onda de demissões que gerou um considerável passivo trabalhista (com uma “ajuda” da benevolência do judiciário trabalhista) e juros bancários escorchantes, é raro encontrar empresas que estejam convivendo tranquilamente com o lado direito do seu balanço patrimonial.
E, num momento de retomada, o objetivo é focar em ganhar eficiência, é olhar o futuro, e não gastar toda a energia gerindo o passado. Por isso, o objetivo, aqui, é demonstrar que, antes de ser apenas uma medida isolada, que resulta na implantação de uma estrutura estanque, a proteção patrimonial é algo que beira o essencial num Brasil que joga contra o empreendedorismo e faz o lucro passado pagar por problemas futuros.
E a primeira verdade essencial sobre a proteção patrimonial é que não existe “bolo pronto”, nem tampouco estrutura inquebrável. Qualquer solução “de prateleira” tende a ser pouco eficaz, e quem diz que a proteção é infalível tem altíssima chance de estar mentindo.
Sob o ponto de vista jurídico, a gestão de passivos deve partir de um processo estruturado que deve envolver diversas áreas do conhecimento jurídico, mas essencialmente ela nasce na estruturação societária da empresa. Infelizmente, no Brasil, a cultura judicial (notadamente a trabalhista) não entendeu o conceito de responsabilidade limitada da pessoa jurídica, o que gera a necessidade de se estar sempre um passo à frente.
E estar um passo à frente é estruturar o negócio sob o ponto de vista societário com a menor exposição dos titulares do capital, uma gestão adequada do caixa (por meio da implementação de estruturas de proteção de caixa e fluxo de recebíveis) e a proteção da propriedade dos ativos essenciais do negócio.
O uso de estruturas mais complexas mas que não inviabilizem a gestão é essencial. Sociedades anônimas oferecem, por exemplo, melhores alternativas de proteção dos titulares do capital, existindo instrumentos que permitem manter o controle das decisões com quem de direito, sem a desnecessária exposição pública do titular das ações. É o caso da montagem de um ghost-board, ou conselho-fantasma, em que as decisões dos controladores não são publicamente exteriorizadas.
Também se tem intensificado o uso de sociedades em conta de participação voltadas à gestão de participações societárias, um mecanismo eficaz e de gestão menos complexa que a estrutura de S/A.
Estruturas mais sofisticadas têm sido feitas a partir de fundos de investimentos (notadamente os Fundos de Investimento em Participações, os chamados FIPs), que só se justificam, no entanto, em empresas de maior envergadura, dado o custo elevado de manutenção da estrutura.
Na gestão dos recebíveis, mecanismos como a cessão fiduciária dos recebíveis e de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”), acompanhados da custódia dos recursos por terceiros mesmo em operações in-house – têm garantido uma adequada blindagem do caixa e dos recebíveis contra indesejáveis surpresas decorrentes de ordens judiciais de bloqueio de contas bancárias, ainda mais com a crescente modernização e ampliação do sistema bacenjud.
Toda a movimentação societária deve ser, ainda, objeto de um adequado planejamento tributário. Afinal, há inúmeras consequências fiscais que podem advir de um processo de reorganização societária, e é preciso, senão obter ganhos, ao menos evitar qualquer perda ou dissabor fiscal futuro ao longo do processo. Não são poucas as estruturas que temos visto que foram mal pensadas do ponto de vista tributário e criaram diversas “bombas-relógio” fiscais.
Na esteira dessas medidas (apenas exemplos, claro), é fundamental que se organize a estratégia de gestão e, se for o caso, liquidação dos passivos. Aí entram outras especialidades jurídicas, a depender da estrutura do passivo e características do credor. Se estamos diante de credores trabalhistas, o método de gestão é um; se o risco é bancário, o método é outro. Aliás, o pleno conhecimento da estrutura do passivo e de seus riscos atuais é fundamental para a própria montagem da estrutura de proteção, dado que cada tipo de passivo (ou mesmo de credor) pode oferecer um grau de risco que demanda mitigação específica.
Observação fundamental: estruturas de proteção não são estáticas. Elas necessariamente são criadas para serem dinâmicas, dando “mobilidade” aos ativos cujo objetivo é proteger, à medida que os riscos avançam. Portanto, o trabalho não termina com a implantação da estrutura.
Na verdade, essa é a etapa inicial.
O importante é que haja uma estratégia de gestão dos passivos que dialogue com a estrutura criada. O manejo das alternativas jurídicas vai depender do plano traçado, e a evolução dos riscos precisam ser conhecidos imediatamente pelos gestores estratégicos, para viabilizar a adequação da estrutura antes que ela seja desmontada.
Medidas de proteção patrimonial dentro da lei, sem uso de medidas ilegais ou pouco eficazes, que criam mais riscos que soluções são instrumentos poderosos de renegociação de passivos, dado que, e tempos de retomada da atividade econômica, muitos credores passam a achar que os efeitos financeiros para o devedor são imediatos, que há caixa fluindo na empresa, e se negam a negociar, ou “jogam pesado” na negociação.
Novamente: no momento de retomar o fôlego, o empresário não pode perder o foco cuidando apenas dos problemas passados.
Proteger o patrimônio empresarial pode garantir a perenidade da empresa, porque viabiliza que, se muita coisa de errado, a “alma” da empresa ainda conserve valor. Longe de ser um mecanismo de desfalque em credores, a implementação de mecanismos de proteção é uma medida salutar de gestão patrimonial, que permite à empresa estar mais bem posicionada num cenário de saída de recessão, momento próprio para planejar o futuro sem manter a cabeça focada no passado.