Matéria da revista Global, Edição nº02, ano 2018
Proposta de reforma tributária desenvolvida pelo CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) impactaria positivamente o comércio exterior brasileiro
Uma das principais e complexas demandas dos empresários e agora também do FMI (Fundo Monetário Internacional), a reforma tributária brasileira pode dar mais competitividade ao País e contribuir para o aumento do PIB. O modelo desenvolvido pelo CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) já está estruturado e foi apresentado ao atual governo e também ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.
O novo trabalho já conta, inclusive com texto para a proposta de emenda constitucional no Congresso Nacional.
A boa notícia é que a reforma também traria impacto ao comércio exterior brasileiro. Segundo o diretor do CCIF, Bernard Appy, os efeitos resultariam da correção das distorções do sistema tributário atual, que tem várias características que prejudicam a exportação de bens e serviços do Brasil.
Hoje, a produção e o consumo de bens e serviços sofrem a incidência de cinco tributos distintos,cobrados por três esferas de governo: PIS, Cofins e IPI (federais), ICMS(estadual) e ISS (municipal). A proposta do CCIF é substituir esses cinco tributos por um único tipo de IVA (Imposto sobre o Valor Agregado),denominado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Benefícios do novo tributo
Na visão de Appy, os problemas dos atuais tributos sobre bens e serviços seriam superados se o Brasil tributasse os bens e serviços por meio de um “bom IVA”,cujas características são: incidência sobre uma base e ampla de bens e serviços;não-cumulatividade ampla, garantindo-se o direito ao crédito sobre todos os bens e serviços utilizados na atividade produtiva; desoneração completa de exportações e investimentos; alíquota uniforme para todos os bens e serviços e o mínimo de regimes especiais; tributação no destino; e ressarcimento tempestivo de créditos acumulados.
Para o diretor do CCiF, o ponto mais importante da reforma é que ela tem um impacto importante sobre o potencial de crescimento do País. Segundo ele, é difícil apontar um número preciso, mas pelo o estudo CCiF é estimado que, no mínimo, ocorra um aumento de 10% no PIB atual em um horizonte de 15 anos, o que significa um acréscimo entre 0,5 a 1 ponto percentual ao ano. “É um impacto positivo grande sobre as receitas dos estados.
Portanto, mesmo que um ente perca, sairá ganhando por conta do efeito positivo do crescimento”.
Ele explica que haveria uma reestruturação do sistema produtivo, o que garantiria o aumento da competitividade.
“Surgiriam empresas eficientes no lugar das ineficientes. As pessoas que hoje trabalham coma burocracia tributária mudariam de área e poderiam atuar em algo mais produtivo”. Para se ter uma ideia, segundo estudo do Banco Mundial, as empresas gastam cerca de 1.958 horas para apurar e pagar impostos no Brasil, o que equivale a 81,5 dias.
Com a mudança, a atuação da fiscalização pública poderia adotar sistemas informatizados mais inteligentes e simples.
Além disso, como o IBS seria um imposto nacional, os diferentes fiscos (União, Estados e Municípios) atuariam de forma coordenada, bastando a fiscalização de um único ente. Ao mesmo tempo, a legislação seria uniforme em todo o território nacional e o número de litígios também seria reduzido.
Raios-x da proposta
O problema seria como migrar do modelo atual para um modelo do tipo IVA, respeitando a autonomia federativa dos estados e municípios. Para equacionar isto, o CCiF propôs duas transições: uma para contribuintes e outra para entes federados.
Pela proposta, a alíquota total do imposto seria a soma de três alíquotas: federal,estadual e municipal e a transição dos tributos atuais para o IBS aconteceria ao longo de dez anos para os contribuintes, sendo os dois primeiros um período de teste, no qual o novo imposto seria cobrado com alíquota de 1% (reduzindo-se compensatoriamente a alíquota da Cofins). Nos oito anos seguintes aconteceria a transição para o novo sistema, por meio da redução linear das alíquotas dos cinco tributos atuais e da elevação da alíquota do IBS.
Nesse período de transição, a sistemática contaria com o apoio de uma espécie de URV (unidade real de valor – índice adotado para fazer a transição para criar o real) tributária. “A ideia é que o novo imposto não tenha nenhum beneficio fiscal.
As empresas hoje beneficiárias teriam dez anos para absorver os investimentos”, explica Appy.
Segundo o executivo, a transição da distribuição de receitas entre os entes federativos seria mais longa e ocorreria em 50 anos. “Esse modelo foi desenvolvido para que a carga tributária fique constante, ou seja, para que a arrecadação da parte estadual do imposto mantenha-se na mesma proporção que o ICMS tem em relação ao PIB hoje. No entanto, a distribuição passaria a ser realizada pelo princípio do destino e, em uma transação entre estados, o imposto pertencerá ao estado da venda. Como nesse modelo há ganhadores e perdedores, propomos fazer transição de 50 anos. No primeiro ano,basicamente seria mantida a distribuição atual de receita entre estados e município se lentamente ocorreria a mudança pela distribuição por destino. O efeito sobre o orçamento é muito diluído no tempo”, esclarece Appy. As operações de crédito também seriam simplificadas. O sistema contaria comum a conta centralizadora (gerida por um comitê gestor formado por representantes da União, Estados e Municípios), cujos recursos do tributo seriam distribuídos entre os entes. Ao mesmo tempo,os créditos de um exportador ficariam vinculados a ele e não seriam repassados aos orçamentos públicos, o que facilitaria o processo de devolução.
“A proposta é que a devolução seja feita em até em 60 dias, tempo hábil para verificar se há ocorrência de fraude na origem desse crédito”, detalha Appy, ao lamentar que ainda há muito dolo nesse tipo de operação no Brasil.
Gargalos no comércio exterior
Appy esclarece que o modelo existente hoje tem duas importantes falhas que impactamo comércio internacional: a cumulatividade, seja de tributos com essa característica ou das distorções de tributos não cumulativos, e a dificuldade de recuperação de crédito do ICMS pelos exportadores”.
Ele explica que com o IVA, a tributação só ocorre na venda final, pois todo o valor pago nas etapas anteriores é recuperado na forma de crédito. Portanto, é cobrado no destino, as exportações são totalmente desoneradas e as importações são oneradas exatamente como a produção nacional.Além disso, os investimentos também são desonerados. Assim, a tributação ocorre apenas no consumo.
“Quando há tributos sobre consumo mal desenhados, que é o caso do Brasil, há acumulatividade, ou seja, o imposto é pago na cadeia e não é recuperado”.
Isso ocorre em tributos puramente cumulativos, como o ISS. “Se um exportador contrata um serviço para o desenvolvimento de um software, ele precisa pagar o ISS e não recupera esse valor”,
explica Appy, ao acrescentar que também há problemas nos tributos não cumulativos, como o ICMS, PIS e Cofins. “A empresa que fabricou a peça que o exportador usou, ao pagar ICMS sobre o gasto em telecomunicações, produto de limpeza, equipamento de proteção aos funcionários, por exemplo, não recupera crédito”.
Appy explica que no Brasil tudo está fragmentado e, por conta disso ou por falhas no sistema não cumulativo, as empresas têm várias incidências tributárias que prejudicam a competitividade dos produtos nacionais.Isso não afeta apenas a exportação, mas também o produto brasileiro que concorre com o importado, pois o item nacional é tributado de forma cumulativa ao longo da cadeia produtiva e o comprado do exterior não, pois ele só paga imposto no desembaraço.
Em relação à dificuldade na recuperação de crédito dos tributos pelos exportadores, Appy diz que esta é provocada, principalmente, pela tributação do ICMS na origem.“Em uma operação entre países,o imposto é pago pelo importador no país de destino. Entre estados deveria ser do mesmo modo. Se um exportador compra insumo de outro estado, esse deveria de volver o imposto, mas há dificuldades.
O governo,tanto o estadual, no caso do ICMS, como o federal, no caso do PIS/Cofins, criam enormes problemas para devolver o crédito ao exportador”.
Em função disso, o modelo atual cria incentivos para o uso de insumos importados em detrimento daqueles adquiridos em outros estados. Isso porque, no caso de exportação, é mais fácil obter o crédito no próprio estado, ainda que de produto importado, do que receber a devolução de um tributo de um insumo nacional adquirido em outra unidade da federação. “Ao mesmo tempo, os estados não têm interesse em atrair empresas exportadoras, pois todos os benefícios fiscais são para companhias voltadas ao mercado doméstico”, diz Appy.
Sistema ultrapassado
Appy esclarece que o Brasil foi um das primeiras nações do mundo a adotarem o modelo IVA, nos anos 60, quando pouquíssimos países da Europa optavam por esse tipo de tributação. Segundo ele, o melhor modelo do mundo hoje é o da Nova Zelândia, referência do trabalho do CCiF, que adota alíquota única para todos bens e serviços e com pouquíssimas exceções. “Até o IVA da Europa, que é pior que o da Nova Zelândia, é muito superior que o sistema do Brasil”, declara o executivo, ao acrescentar que certamente o sistema tributário brasileiro é um dos piores do mundo.“A Índia talvez estivesse concorrendo conosco, mas acabou de fazer correções”.
Além da reforma proposta pelo CCiF, o ministro Paulo Guedes também estuda um modelo que envolveria apenas a substituição dos tributos federais (IPI, IOF, PIS e Cofins)por um único imposto – o Imposto Unificado Federal (IUF), que incidiria sobre as transações financeiras, de forma semelhante à antiga CPMF, em linha com o projeto lançado pelo economista e ex-deputado federal Marcos Cintra.
“Sem a reforma ampla, as distorções poderiam ser parcialmente corrigidas, como a apropriação de crédito de PIS/ Cofins. Porém, com a mudança para o IVA todos os problemas atuais deixam de existir: a fragmentação da base de incidência entre esses cinco tributos; a grande complexidade legislativa; o excesso de benefícios fiscais e regimes especiais; a incidência cumulativa do ISS e de parte do PIS/Cofins; as falhas no regime não cumulativo do ICMS e do PIS/Cofins e a cobrança no estado de origem do ICMS nas transações interestaduais. Isso tudo é corrigido pela reforma tributária que estamos propondo”, defende Appy.
Segundo ele, o processo inicial poderia não ser muito demorado. Primeiro, seria aprovada a Emenda Constitucional e, na sequência, uma Lei Complementar. Em seguida, o regulamento do imposto seria editado pelo Comitê Gestor. “Entre a aprovação da EC e a entrada em vigor de um novo sistema é possível estimar um prazo de dois anos, tempo suficiente para fazer os ajustes necessários. Porém, a aprovação dessa reforma depende da força política do Poder Executivo, para que o projeto passe limpo no Congresso Nacional e seja aprovado sem emendas”, finaliza