No Brasil, já se tornou lugar-comum reclamar da elevadíssima carga tributária, do complexo sistema tributário e das escorchantes obrigações acessórias a que as empresas devem se submeter diariamente.
São vastos os dados que indicam o sufocamento da economia por conta do peso do Estado e sua ânsia arrecadatória. O Brasil é campeão mundial em número de horas-homem para cumprir as obrigações fiscais (o chamado “custo de conformidade”), e está entre as mais altas cargas tributárias entre todos os países emergentes.
Os projetos de reforma tributária vão e vêm no Congresso Nacional, mas nunca são efetivamente implantados, exceto quando o objetivo é aumentar a carga tributária (vide a recente ampliação da tributação do ganho de capital das pessoas físicas). Reformar para simplificar a vida das empresas e cidadãos? Nem pensar.
Nesse cenário de caos, buscar eficiência fiscal, portanto, é praticamente uma obrigação do empresário e dos gestores empresariais em geral. E, no contexto de eficiência, não há como fugir de um tema tão vulgarmente propalado quanto realmente obscuro: o planejamento tributário.
Fugindo do tecnicismo jurídico e das discussões acadêmicas sobre o tema –que são muitas–, planejamento tributário é, na essência, o ato de projetar um negócio jurídico e (re)desenhá-lo, dentro da lei, de modo a submete-lo à menor carga tributária possível. Assim, se um evento negocial vai tomar corpo no futuro – um empreendimento, uma operação comercial ou qualquer negócio juridicamente relevante que se submeta à tributação –, a carga fiscal sobre ele incidente poderá ser mitigada, eliminada ou diferida, desde que sua estruturação jurídica possa ser alterada, dentro dos limites da lei.
Portanto, elaborar um planejamento tributário exige dos profissionais envolvidos o domínio do tema e a capacidade de, criativamente, buscar o mesmo resultado esperado para a operação, mas estruturado juridicamente de maneira diferente daquela tradicionalmente pensada.
Pois bem. Quando falamos em Procedimentos de Manifestação de Interesse (“PMI”), em que se oportuniza ao agente privado o desenvolvimento do projeto a ser concedido (seja por concessão comum, seja por Parceria Público-Privada), nada mais natural que essa estruturação também olhe para o planejamento fiscal aplicável ao projeto. É comum que projetos de concessões públicas, quando desenvolvidos exclusivamente pelo Poder Concedente, deixem de lado questões de eficiência fiscal. É até aceitável que essa não seja uma preocupação do agente público. Mas quando o polo se inverte – e o projeto é desenvolvido pelo agente privado –, cuidar da eficiência tributária é mais que uma oportunidade: é um verdadeiro dever. Afinal, estamos diante de projetos de longo prazo e a ineficiência tributária pode custar milhões ao operador.
Antes, porém, é preciso compreender os limites de alcance do planejamento tributário em projetos estruturados. Há planejamentos fiscais que levam em consideração as especificidades do contribuinte (seu regime fiscal, seu aproveitamento de ativos tributários, a estrutura patrimonial e de capital etc.), e esses, é claro, não podem ser antevistos num projeto que será submetido a um processo público de licitação. Portanto, quando falamos em aplicação do planejamento tributário em projetos estruturados, a referência é a ampliação das alternativas de estruturação e operação do projeto.
Afinal, quanto maior for a liberdade do agente privado de estruturar-se juridicamente para operar uma determinada concessão, tão maior será sua capacidade de implantar um planejamento tributário eficiente.
Tomemos como exemplo a possibilidade de alocar ativos como capital de terceiros. Não se está falando, aqui, de subconcessão – que também é uma hipótese legítima, a depender do caso –, mas de se permitir que o operador funcione apenas como tal, ou seja, operando, sem necessariamente deter todos os ativos da concessão.
Nesse cenário, assumamos uma concessão de transporte público que permita ao operador trabalhar com a locação dos veículos ao invés de exigir-se sua propriedade: o próprio concessionário pode estruturar-se pela constituição de uma locadora, com a aquisição dos veículos por esta locadora à concessionária operadora. Se a operadora for tributada pelo lucro real (como normalmente será em projetos de envergadura) e a locadora for tributada pelo lucro presumido, a economia fiscal pode ser considerável.
Para exemplificar em números: uma empresa de locação de bens terá uma carga tributária máxima no lucro presumido de 14,53%. A empresa do lucro real, 34% (sobre o resultado). Claro que a depreciação fi scal (4 anos para chassi e carroceria) e os encargos de financiamento não serão apropriados como custo pela operadora, mas deverão compor o preço da locação (pois estarão apropriados na locadora).
Nesse caso, num contrato de locação de cinco anos, o operador “ganha” fiscalmente a economia de 12 meses de 19,47% de tributos sobre o lucro.
Esse é um exemplo bem simples – e cuja implementação exige os devidos cuidados para garantir a higidez do planejamento –, mas que demonstra como é possível ganhar eficiência fiscal com alterações razoavelmente simples no projeto.
Agora, para aumentar a eficiência fiscal, suponha-se que a locadora, por força desse contrato de locação e de seu regime fiscal, seja capaz de gerar significativo lucro distribuível aos seus sócios. Assuma-se, ainda, que a operadora necessite desse caixa para fazer frente aos seus compromissos. Fazendo o lucro chegar na pessoa física por distribuição (isenta de IR), essa mesma pessoa física pode realizar um empréstimo (mútuo) à operadora, com juros de mercado, mas com vencimento somente ao final do contrato, por exemplo, em 3 anos. Ao longo do período, a operadora poderá reduzir seu lucro tributável pela apropriação (pelo regime de competência) dos juros, mas a pessoa física não será tributada até a realização do seu ganho (regime de caixa). Além disso, quando a tributação ocorrer na pessoa física, ela estará sujeita a uma alíquota de 15%, ao passo que a pessoa jurídica terá deduzido 34%. Ou seja, ganho de 19%, além do diferimento da tributação. E vale lembrar que o mútuo de pessoa física para pessoa jurídica não se sujeita ao IOF.
Novamente, um exemplo singelo que, dentro da mesma estrutura, pode maximizar o resultado global da operação apenas com uma mera modificação da estrutura de capital da operadora.
Projetos de maior complexidade – que envolvam obras de engenharia, gestão de ativos públicos etc. – também podem permitir o isolamento de operadores nas diversas atividades que compõem o objeto, de modo a permitir uma melhor efi ciência fi scal. Assim, se uma parceria público-privada concede à iniciativa privada a construção e operação de corredores de ônibus, a operação do transporte público por ônibus e a gestão de terminais, é interessante prever a possibilidade de a SPE constituída funcionar como uma gestora e isolar as operações individualmente em três subsidiárias. E por que isso seria importante? Porque, a depender do objeto, do faturamento e da lucratividade, as operações podem se submeter a regimes tributários distintos, que sejam mais eficientes para aquela operação.
Por exemplo: a operação de transporte público se sujeita à tributação da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (“CPRB”), que não se aplica à gestão de terminais nem à operação do corredor. Sendo assim, se todo o pessoal de back offi ce e gestão das empresas for alocado na pessoa jurídica que opere o transporte público, poderá haver uma redução signifi cativa da carga tributária (porque o volume de folha de pagamento será irrelevante, pois a base de cálculo, nesse caso, é a receita bruta). Nesse caso, a tributação sobre a folha atingirá exclusivamente o pessoal operacional da gestão de terminais e da operação do corredor. Na regra da proporcionalidade existente, quando duas atividades são exercidas na mesma pessoa jurídica, toda a massa salarial serve de parâmetro para o cálculo da contribuição previdenciária sobre a folha, proporcionalizada pela razão entre receita bruta total e receita bruta não sujeita à CPRB.
Caso tudo isso ocorresse dentro de uma mesma pessoa jurídica, haveria uma considerável ineficiência fiscal do ponto de vista previdenciário, e ineficiência não combina com bons projetos de infraestrutura.
É preciso lembrar que planejamento tributário exige que o jogo seja jogado dentro da regra: não adiantar simular ou dissimular. É preciso que as operações sejam reais e apresentem fundamento econômico para existirem. Esse cuidado é fundamental para que os benefícios obtidos pela implementação de um bom planejamento tributário não sejam ceifados pela mão pesada do Fisco.
Enfim, do ponto de vista de estruturação do projeto, a chave para a busca da eficiência é a liberdade. Permitir ao agente privado a organização dos seus negócios da forma mais eficiente possível é um mecanismo que garante o bom sucesso de um projeto e a certeza de um melhor resultado.
É tempo de se reconhecer que somente com o retorno adequado, os projetos atrairão o interesse dos investidores sérios. E a liberdade para se buscar eficiência fiscal certamente ajuda na formação de uma taxa de retorno atrativa. Portanto, na elaboração de um bom projeto estruturado, é de fundamental importância permitir que a liberdade de organização do concessionário trabalhe a favor da melhor eficiência tributária. Afinal, projeto bom é projeto eficiente.