Wilson Périco *
Segundo o dicionário Houaiss, a expressão ao arrepio da lei traduz aquilo que é “inverso ao natural”. Agir ao arrepio da lei, pois, significa adentrar ao mundo de desordens e desmandos. Pelo conjunto de ilegalidades dos últimos anos, é por aí que tem caminhado a Zona Franca de Manaus, o mecanismo fiscal mais acertado na história da redução das desigualdades regionais do país. Com 48 anos de instalação, as contribuições das empresas incentivadas passaram a ser utilizadas na contramão do que a Lei determina. Criada pelo Decreto-Lei nº 288, de 28/02/1967, este modelo baseado em benefícios fiscais, previa a implantação de polo industrial, comercial e agropecuário, numa área física de 10 mil km² em Manaus. Com objetivo de conferir à Amazônia o status de brasilidade, para evitar sua apropriação estrangeira, a ZFM é concebida no ambiente constitucional: “Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”, diz o artigo 43 da Constituição.
Ainda em 1967, por meio do Decreto-Lei nº 291, o Governo Federal criou a Suframa e definiu a Amazônia Ocidental, abrangendo os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima – com a inclusão posterior dos municípios de Macapá e Santana – para onde estendeu parte dos benefícios do modelo. Inserida na Constituição Federal de 1988, essa legislação foi prorrogada pelo Congresso Nacional em agosto de 2014, por mais 50 anos. Segundo FEA/USP, ao longo dos anos, adotando expedientes criativos, a União tem recolhido mais de 54% da riqueza que a ZFM produz.
Ao arrepio da Lei nº 9969 de 11/05/2000 – criada para fazer funcionar o modelo referendando as Taxas de Serviços Administrativos da Suframa (TSA) – há 14 anos esses recursos são progressivamente confiscados pela União. A ilegalidade reduziu drasticamente as ações de desenvolvimento e de diversificação econômica na região, onde há três anos não são celebrados convênios de infraestrutura com os governos estaduais ou municipais. No mesmo período, ora argumentando superávit primário, ora repasses para o BNDES, ou programas de outros ministérios (agronegócios, Ciência sem Fronteiras do MEC), estima-se que foram igualmente confiscadas 80% das verbas de P&D, recolhidas compulsoriamente pelas empresas fabricantes de bens de informática ao FNDCT (Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico), cuja base representa 0,5% do faturamento bruto, deduzidos os impostos de comercialização, por força da Lei nº 10.176 de 11/01/2001, para criar, através de pesquisas, mudanças no paradigma industrial. Ao todo, além dos impostos de praxe, de acordo com estimativas da Suframa e do CIEAM, somente com a TSA e as verbas de P&D, aproximadamente R$ 3 bilhões foram confiscados. “São valores suficientes para qualquer país sério promover uma revolução em inovação tecnológica”, segundo apreciação da própria autarquia.
A isso se agrega a ilegalidade dos embargos de gaveta, vetos promovidos por técnicos da burocracia federal, para brecar licenciamento de PPB, o processo básico de produção industrial da ZFM. Pela Lei 8.387, de 30/12/1991, essa liberação não pode comprometer a produção por mais de 120 dias e apenas cinco itens não podem receber incentivos da ZFM pela Constituição do Brasil: armas e munições, perfumes, fumo, bebidas alcoólicas e automóveis de passeio. Uma empresa na área de medicamentos, coerente com a biodiversidade amazônica, teve seu projeto travado por quase 5 anos, entre outras, com projetos industriais vetados por manobras inconfessas. Não bastasse a ilegalidade, o modelo industrial agoniza, pois padece de competitividade pelos custos elevados da infraestrutura energética, logística e de comunicação, absolutamente precária, onerosa e de equacionamento improvável, à vista do confisco ilegal de seus recursos. Os indicadores encolhidos do faturamento são o retrato em branco e preto dessa ilegalidade. Nada, além da Lei, reivindicam as entidades que representam a classe produtora, investidores e trabalhadores. Que se cumpra o marco legal da prorrogação da ZFM, para que este modelo siga devolvendo generosos tributos ao Brasil e novas modelagens econômicas para o deplorável desenvolvimento humano da região.
*Wilson Périco é presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM)